Cerca de sete milhões de portugueses devem neste momento estar em casa para cumprir o recolhimento obrigatório que arrancou às 13h e se vai prolongar até às cinco da manhã de domingo em 114 concelhos portugueses. Mas centenas de pessoas continuaram nas ruas em manifestações contra estas e outras medidas restritivas impostas pelo governo numa estratégia para travar a propagação do novo coronavírus, como mostram as imagens na fotogaleria. E sim, isso é permitido à luz da lei.

O estado de emergência em que o país entrou esta segunda-feira é um regime excecional que suspende alguns direitos fundamentais em democracia — como a proibição de circulação na via pública durante determinados períodos do dia ou a interdição das deslocações que não sejam justificadas, por exemplo — para desacelerar o aumento do número de novos casos de infeção pelo novo coronavírus em Portugal.

Mas o direito à manifestação não é um deles, recordou Nuno Carocha, intendente da Polícia de Segurança Pública (PSP), ao Observador. Mesmo com o confinamento parcial em vigor, as autoridades não vão convidar nenhum manifestante a sair das ruas e a seguir para casa uma vez que o decreto de Marcelo Rebelo de Sousa, proposto pelo governo de António Costa, permite que haja concentrações e protestos.

Uma leitura ao Decreto n.º 8/2020 do Presidente da República, que regulamenta o estado de emergência declarado “com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”, confirma isto mesmo. Em nenhum momento o documento menciona a suspensão do direito à manifestação, como havia ocorrido durante a primeira vaga da epidemia de Covid-19 em Portugal.

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Mas é também por isso que os líderes destas manifestações têm apelado à população que contornem o confinamento e saiam de casa para participarem no protesto. O argumento é que, como o direito à manifestação continua consagrado mesmo com o novo estado de emergência, quem protestar não tem de cumprir o recolhimento obrigatório. Mas a PSP já está a fiscalizar as ruas e tem pedido os documentos aos manifestantes no Rossio para confirmar a legitimidade da persistência no local, apesar do confinamento parcial.

Marcelo Rebelo de Sousa comentou esta manhã, à saída de uma missa em Fátima em homenagem às vítimas da pandemia, que as manifestações são “uma expressão em democracia do estado de espírito dos portugueses e, nessa medida, são legítimas”: “Só pedimos que essas manifestações possam acontecer sem violência”, disse o Presidente da República, referindo-se aos desacatos reportados nos protestos do Porto e que obrigaram a intervenção policial.

“Quando decretei o estado de emergência, disse uma coisa que as pessoas não retiveram e depois repeti. Ia haver cansaço, ia haver frustração, ia haver fadiga. Na altura não parecia evidente, mas passados oito meses, esse cansaço existe, a fadiga existe e a frustração existe”, continuou Marcelo Rebelo de Sousa. “O mais importante é a reação das pessoas”, considera o Presidente da República: “O direito à manifestação é democrático, a indignação das pessoas é natural. É disso que se trata”, insistiu.

Mas Marcelo Rebelo de Sousa também sublinhou que “o pior que se podia ter é um confronto entre quem quer a abertura do país e quem tem medo dessa abertura”: “Encontramos uma clivagem que pode ser por idades ou situação social. Temos de evitar isto”. “Que haja manifestações, sim. Que haja preocupação para encontrar soluções para os problemas, sim. Que entremos numa espiral de violência, isso temos de evitar“, concluiu.