O representante do secretário-geral das Nações Unidas em Moçambique, Mirko Manzoni, considera que os parceiros do país devem fornecer-lhe ajuda militar para combater os rebeldes em Cabo Delgado, “sem hipocrisia”.

“Os doadores contribuem para o orçamento de Moçambique, seria mais sensato se ajudassem diretamente o exército moçambicano, sem hipocrisia”, referiu na terça-feira, em entrevista à edição online do jornal suíço Le Temps.

Manzoni, que até 2019 tinha sido embaixador da Suíça em Moçambique, sendo depois escolhido por António Guterres para acompanhar as negociações de paz entre Governo e oposição, fala nesta entrevista de outro dossiê, o da insurgência armada no norte do país.

O responsável disse que se opõe ao uso de mercenários, mas a situação é complexa: “a realidade no terreno deve fazer-nos refletir”.

“Quando se pede ajuda e ninguém mexe um dedo, é isso que acontece. Moçambique gasta fortunas com mercenários”, primeiro com russos do grupo Wagner e agora com uma empresa sul-africana, detalhou Manzoni, para depois fazer o apelo à ajuda direta dos doadores.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mirko Manzoni diz que é preciso dar ouvidos à liderança do país lusófono.

“Oiçamos o apelo de Moçambique: a ajuda militar deve ser fornecida através da cooperação“, ou seja, “ajudar o exército moçambicano a cumprir as suas obrigações”, em vez de ocupar o seu lugar.

Diz ter noção de que tal ajuda não é bem vista entre os parceiros, que não querem “sujar as mãos”, mas “é uma ilusão querer desenvolver a província de Cabo Delgado sem primeiro haver segurança”, referiu.

A petrolífera francesa Total financia um serviço de segurança para proteger as suas instalações de exploração de gás natural, em construção na região, “mas esse esforço é muito modesto”.

Moçambique precisaria de blindados, camiões de transporte de pessoal, drones (aeronaves autónomas) de vigilância e lanchas rápidas para controlar as costas”.

O representante de Guterres em Moçambique diz que a situação em Cabo Delgado lhe faz lembrar a ameaça jihadista de 2012 no Mali, mas opõe-se a uma intervenção internacional no norte de Moçambique.

Isso seria “deitar mais lenha na fogueira” e beneficiaria a propaganda extremista.

Por outro lado, disse também que não se pode “dialogar com surdos”, referindo-se aos rebeldes.

No início dos ataques eram principalmente moçambicanos, mas agora são na maioria “jihadistas internacionais vindos da Somália, Iémen, Líbia, Uganda e República Democrática do Congo“, com “armas muito sofisticadas”, acrescentou, sem, no entanto, explicitar fontes ou provas.

Questionado sobre as violações de direitos humanos cometidas contra a população, algumas atribuídas aos militares moçambicanos, Manzoni referiu que, “paradoxalmente, essas atrocidades também devem ser vistas como um claro pedido de ajuda” das próprias forças armadas.

Não estou de forma alguma a justificar os abusos, mas infelizmente são frequentemente o resultado da frustração e impotência das tropas moçambicanas neste conflito”.

A violência armada em Cabo Delgado dura há três anos e está a provocar uma crise humanitária com cerca de 2.000 mortes e 435.000 pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos suficientes – concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.