José Luís Cristóvão acredita que se tivesse estado a trabalhar nos dias em que Rui Pinto terá acedido aos sistemas informáticos da Procuradoria-Geral da República (PGR), provavelmente teria dado conta do ataque. Mas não estava. O informático da PGR estava de férias. Tira sempre três semanas em novembro e aquele ano de 2018 não foi exceção. “Não sei se foi coincidência ou não”, afirmou. Certo é que, como estava “ausente”, só tomou conhecimento do ataque quando “a Polícia Judiciária (PJ) apareceu com uma série de questões”.

Como tenho todos os logs [registos de acesso] desde 2013, eu próprio fiz uma pequena investigação e entreguei aquilo à PJ”, afirmou ainda.

A inquirição de José Luís Cristóvão esperava-se longa naquela que é a 24.ª sessão do julgamento do caso Football Leaks — afinal, é o informático da PGR,  uma das entidades alegadamente hackeadas pelo arguido Rui Pinto. Mas terminou o depoimento em meia hora. Não que não tivesse mais nada a dizer ou que a Procuradora da República Marta Viegas não tivesse mais nada a perguntar. Só que, quando explicava ao tribunal que a PGR era “constantemente” alvo de ataques e que, por isso, tinha já contratado uma empresa de consultoria informática, a Vision Ware, mencionou que essa mesma empresa tinha elaborado um relatório que continha os registos de acesso aos sistemas supostamente feitos por Rui Pinto.

Este relatório foi uma surpresa para todos. Nem a Procuradora tinha conhecimento dele e, por isso, pediu dez dias ao tribunal para ter tempo de o analisar — à semelhança do que os advogados de Rui Pinto também fizeram. Assim, só depois de ambos analisarem as novas provas é que José Luís Cristóvão poderá continuar a ser inquirido — nomeadamente no dia 2 de dezembro.

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A sessão da manhã acabou assim mais cedo, mas durante a tarde havia cinco testemunhas para ouvir — todas elas chamadas por Inês Almeida Costa e João Medeiros, advogados que viram vários ficheiros seus divulgados na internet. No geral, foram familiares, amigos e colegas de trabalho que puderam relatar ao tribunal como é que ambos se sentiram como vítimas de um alegado ataque informático.

Tiago de Almeida, marido de Inês Almeida Costa, explicou que a mulher entrou “num período de bastante ansiedade, preocupação e medo” quando os seus documentos foram divulgados. “Dormia mal, muitas vezes ficava alheada”, vivia numa “ansiedade constante” e estava “irritadiça”. Embora atualmente “todos estes sentimentos” estejam já “atenuados”, Tiago de Almeida confessou que, mesmo em ambientes familiares ou com amigos, a alegada intrusão “não é um assunto que veja com agrado”. “Ainda hoje fica perturbada“, disse.

Também a mulher do advogado João Medeiros confessou ao tribunal que, desde que a caixa de email do seu marido foi divulgada, “a vida nunca mais foi a mesma”. “Não conseguia trabalhar, não conseguia deixar de pensar no que estava a acontecer, sempre com medo de os clientes deixarem de confiar dele e de novos clientes não irem ter com ele. Isto começou a apoderar-se da cabeça dele. Ele tem 5 filhos para sustentar”, disse, acrescentando que ainda hoje João Medeiros “sente que tem uma espada em cima da cabeça” porque não sabe “quem é que pode ainda ter aquelas pastas”.

O ex-administrador da SAD do Benfica Nuno Gaioso Ribeiro também foi ouvido hoje e admitiu ter receado que também os seus emails fosse acedido, após terem sido divulgados os emails do advogado João Medeiros, que representou o Benfica no processo E-toupeira. “Há um alarme generalizado, porque todos nós nos achámos possíveis alvos de intrusão. Assim que aconteceu aquilo, era possível acontecer a todos”,disse.

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

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O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.