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A utopia de David Byrne não é americana: é um mundo (e um filme) em que o ritmo está sempre certo

Este artigo tem mais de 3 anos

"American Utopia" foi um disco, uma tour, um espectáculo na Broadway e agora é um filme de Spike Lee, que abre o porto Post Doc. Uma celebração de vida, de música e de showbiz, escreve Isilda Sanches.

Este trabalho de Byrne com Spike Lee tenta fazer mais do que captar a energia de um concerto de forma artística, é uma afirmação comprometida sobre a necessidade de proximidade e envolvimento, a importância da comunidade, o que devemos ser como sociedade
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Este trabalho de Byrne com Spike Lee tenta fazer mais do que captar a energia de um concerto de forma artística, é uma afirmação comprometida sobre a necessidade de proximidade e envolvimento, a importância da comunidade, o que devemos ser como sociedade

Este trabalho de Byrne com Spike Lee tenta fazer mais do que captar a energia de um concerto de forma artística, é uma afirmação comprometida sobre a necessidade de proximidade e envolvimento, a importância da comunidade, o que devemos ser como sociedade

Entre outubro de 2019 e fevereiro deste ano, no palco quase despido do Hudson Theater, na Broadway, David Byrne e uma banda banda de 11 músicos, todos descalços e vestidos de cinzento, interpretaram clássicos dos Talking Heads, canções do álbum American Utopia e até uma versão de Janelle Monáe, sempre com resposta entusiástica do público. Podia ter sido só isso e já teria valido o bilhete e um lugar na memória de quem lá esteve, mas agora chega o filme de Spike Lee e tudo ganha nova dimensão, mesmo para quem assistiu ao vivo.

Os espetáculos aconteceram antes da pandemia, mas o filme (que abre esta sexta-feira, dia 20, o festival Porto Post Doc, com uma sessão às 19h no Grande Auditório do Rivoli) tem bastante a ver com o momento que agora vivemos, não apenas porque fala de pessoas e do que nos une, da necessidade de manter e cultivar as ligações, mas também porque dá ideias para uma área que revelou particular fragilidade com a imposição das novas regras: os espetáculos de música ao vivo. Numa época em que se tentam reinventar os formatos, de acordo com as condições impostas pela pandemia, e se pergunta, por exemplo, como tornar o streaming ou a gravação de concertos, interessante, American Utopia, o filme, aponta o caminho, colocando os músicos numa “caixa”, dentro de um teatro, para contar uma história, e fá-lo dando perspetivas que a posição de espectador nunca tem: a de quem está no palco e também a do “céu”, de quem vê tudo com ponto de vista descendente e percebe assim movimentos e estruturas que, de outra, forma seriam invisíveis.

[o trailer de “American Utopia”:]

O filme de Spike Lee não tem o excesso nem a precisão geométrica de um musical do histórico realizador Busby Berkeley, por exemplo, mas a inspiração dos musicais clássicos de Hollywood está lá e a coreografia de Annie-B. Parson criou movimentos fluidos e dinâmicos que se entrelaçam geometricamente em palco e de que Spike Lee tira bom partido na realização. No total, são usadas 11 câmaras, o que dá bem mais perspetivas do que as permitidas por qualquer lugar sentado. Se pensam que o entusiasmo da experiência numa sala de concertos nunca pode ter equivalente num ecrã, por grande que seja, preparem-se para dançar, mesmo sem sair do lugar. American Utopia é contagiante a esse ponto. Ainda assim, não se concentrem demasiado na música porque há coisas importantes a acontecer no ecrã. Afinal, é um filme, não apenas um concerto, e tem narrativa e mensagem.

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American Utopia, o disco, saiu em 2018, o espectáculo da Broadway nasceu da digressão ao vivo que se lhe seguiu (e que passou por Portugal em julho de 2018), mas com ambições mais amplas. David Byrne já tinha alguma experiência com musicais (The Catherine Wheel ou Joan Of Arc: Into The Fire) e soube rodear-se das pessoas certas em todas as frentes para este projeto, da produção ao guarda roupa. Spike Lee foi contactado ainda antes da estreia, porque Byrne achava que o conteúdo político-social do que tinha em mente faria sentido para um realizador como ele. Depois de assistir às primeiras apresentações, Spike Lee concordou. Para Byrne, nada disto é novidade. Os Talking Heads fizeram Stop Making Sense, com Jonathan Demme, em 1984 e estabeleceram uma espécie de padrão de qualidade para os filmes de música ao vivo. Mas este trabalho com Spike Lee tenta fazer mais do que captar a energia de um concerto de forma artística, é uma afirmação comprometida sobre a necessidade de proximidade e envolvimento, a importância da comunidade, o que devemos ser como sociedade.

David Byrne: punk para dançar e pensar

Não deixa, no entanto, de haver pontos de contacto com Stop Making Sense, desde logo na forma como os músicos vão aparecendo aos poucos em palco, depois da abertura de David Byrne, de cérebro na mão, qual Hamlet, a falar das ligações do cérebro e das ligações entre pessoas, em “Here”. Também no fato que Byrne veste, e que é replicado em todos os elementos da banda, lembra o filme de Demme. Fatos sempre foram a imagem de marca de David Byrne, mas agora, em vez de largo e desajeitado, é elegante e discreto, feito à medida com material ligeiramente elástico e respirável. Assenta bem a todos e todos usam cinzento por sugestão do responsável pelo extraordinário desenho de luz do espectáculo.

[o trailer de “Stop Making Sense”, de Jonathan Demme, 1984:]

A luz é mesmo um dos aspetos mais importantes de American Utopia, sobretudo pela precisão com que acompanha os movimentos dos músicos em palco, algo apenas possível devido aos sensores colocados nos fatos que comandam os focos e fazem com que estes nunca percam o objeto que iluminam. Novidade são os instrumentos carregados pelos próprios músicos graças a estruturas especiais que assentam nos ombros e costas. Isto permite que não existam fios em palco e haja total liberdade de movimentos. Pormenores técnicos não tornam a experiência de ver o filme necessariamente mais interessante, mas ajudam a perceber o processo complexo por detrás do que parece acontecer de modo tão natural e até espontâneo em palco. Mas está tudo milimetricamente calculado

Apesar de ter o título do último álbum de David Byrne, American Utopia é um verdadeiro greatest hits, que desfila alguns dos grandes clássicos dos Talking Heads. Falta “Psycho Killer”, talvez por ser demasiado óbvio (ou impróprio para os tempos), mas lá estão “Once in a Lifetime”, “Burning Down the House”, “Born Under Punches”, “Slippery People”, “Road to Nowhere”. Até “I Zimbra”, uma canção relativamente obscura com letra roubada ao dadaísta Hugo Ball (Byrne explica quem é), mas muito simbólica no percurso dos Talking Heads, está no alinhamento, tal como canções de outros álbuns de Byrne.

"American Utopia" é um filme que celebra a música de David Byrne ao mesmo tempo que pensa sobre o mundo e nos convida a envolver-nos nele

O momento mais forte, no entanto, é com uma canção de Janelle Monáe, “Hell You Tallmbout”. Ao ver o filme, quando ouvimos o slogan propagado pelo movimento Black Lives Matter — “Say his/her name” — gritado com os nomes de vítimas de violência policial, quase nem ocorre que o espetáculo aconteceu antes do BLM ter ganho expressão mundial com a morte de George Floyd em maio passado, mas assim foi. As imagens dos familiares que seguram as fotos, a foto do próprio Floyd e outras vítimas de violência policial recente, são acrescentos de montagem para tornar a mensagem mais efetiva e atual, mas tudo estava já lá na origem. “Hell You Talmbout” é o momento mais emotivo e declaradamente político de American Utopia, mas este é um filme sem pontos mortos, até porque David Byrne é um entertainer com vocação de pregador e contador de histórias, consegue ser didático, inspirador e motivacional, além de revelar uma invejável forma física aos 68 anos.

Contagiante e com matéria para refletir, American Utopia é um filme que celebra a música de David Byrne ao mesmo tempo que pensa sobre o mundo e nos convida a envolver-nos nele. Imperdível para os fãs e no mínimo interessante para o resto do mundo.

[consulte aqui a programação completa do Porto Post Doc]

Isilda Sanches é jornalista e animadora de rádio na Antena 3

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