Quando assumiu a presidência europeia, em julho, a Alemanha manifestou a ambição de alcançar um acordo político sobre migrações até ao final de 2020, mas o mandato entrou na reta final e o otimismo alemão está a esmorecer.

Na passada sexta-feira decorreu uma reunião informal dos ministros do Interior (Administração Interna) dos 27 Estados-membros da UE, um encontro marcado em outubro para tentar aumentar as probabilidades de um acordo político sobre o novo pacto migratório até dezembro.

Em declarações após a reunião, o ministro do Interior alemão, Horst Seehofer, afirmou que esperava ainda alcançar o objetivo, mas admitiu que seria difícil.

“Toda a colisão de prazos — hoje com as questões de segurança interna e no início de dezembro com o orçamento da UE — tornou certamente as coisas mais difíceis, mas as situações difíceis devem ser sempre resolvidas em política. O objetivo mantém-se”, reforçou Seehofer.

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“O único acordo político que vejo possível é sobre um calendário, sobre como proceder nos próximos meses”, disse, por sua vez, fonte diplomática citada pelo site internacional Politico.

O grau de otimismo de Horst Seehofer parecia maior no início de outubro, quando afirmou que, até então, não tinha ouvido de um único Estado-membro uma oposição clara à proposta do novo pacto migratório e falou sobre o potencial papel da presidência portuguesa neste dossiê.

“O nosso objetivo é que até ao final do ano consigamos chegar a um acordo político que abranja os pilares mais importantes do pacto e que sob a presidência portuguesa os instrumentos legais sejam postos em prática”, explicou então.

Na mesma altura, a comissária europeia para os Assuntos Internos e uma das responsáveis pela proposta do novo pacto, Ylva Johansson, expressou algum ceticismo em relação ao ambicioso calendário alemão, frisando: “Vamos também precisar da presidência portuguesa para finalizar isto”.

À Lusa, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, afirmou, em outubro, que o novo pacto migratório tinha um calendário “muito ambicioso e exigente” que iria recair essencialmente sobre as presidências rotativas da Alemanha e de Portugal, lembrando ainda que este “é dos temas mais difíceis da UE”.

“Esta é uma matéria muito complexa. Há posições muito diferentes. A posição da Comissão é que estamos perante duas presidências que têm condições políticas ideais para liderar um diálogo construtivo”, disse então o ministro, frisando que Portugal defende que não se pode “olhar para as questões migratórias como uma ameaça”.

O novo Pacto sobre a Migração e o Asilo da UE precisa de ser aprovado por todos os Estados-membros e pelo Parlamento Europeu para que possa ser transformado em lei.

Na reunião de sexta-feira, os ministros europeus discutiram os principais princípios do pacto e, no final, informaram que “a análise irá prosseguir a nível técnico” e que os elementos-chave do documento voltarão a ser abordados em dezembro.

Classificado em setembro como “um novo começo em matéria de migração”, o novo pacto, segundo o executivo comunitário, engloba todos os elementos necessários para uma abordagem abrangente do tema.

“Reforçar a confiança graças a procedimentos melhores e mais eficazes”, “uma partilha equitativa de responsabilidade e solidariedade”, “uma mudança de paradigma na cooperação com países terceiros”, “impulsionar um sistema comum da UE em matéria de regressos” e “um novo e abrangente plano de ação para a integração e a inclusão” foram alguns dos pilares apresentados deste novo pacto.

“Propomos, hoje, uma solução europeia para restabelecer a confiança entre os Estados-membros e a confiança dos cidadãos na nossa capacidade para gerir a migração enquanto União”, reforçou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

A reforma da política migratória e de asilo da UE é uma das ‘bandeiras’ da Comissão liderada por Von der Leyen e devia ter sido apresentada no primeiro trimestre do ano, mas foi adiada devido à pandemia da Covid-19.

As migrações, sobretudo as entradas irregulares de migrantes e requerentes de asilo nas fronteiras europeias e um processo partilhado de acolhimento destas pessoas, têm sido um dos grandes desafios da UE nos últimos anos, expondo divisões, suscitando posições políticas inflamadas, nomeadamente dos quatro países que compõem o chamado Grupo de Visegrado (Eslováquia, Hungria, Polónia e República Checa, que rejeitaram o pacto proposto pela Comissão), e estimulando sentimentos populistas.

Cinco anos após a crise migratória que atingiu a Europa, considerada a maior das últimas sete décadas, quando cerca de um milhão de pessoas entrou irregularmente no espaço europeu, o consenso entre os 27 tem sido difícil de alcançar.

Essas divisões foram visíveis em dezembro de 2018 quando o Pacto Global para Migrações Seguras, Ordeiras e Regulares (GCM), um documento juridicamente não vinculativo promovido pelas Nações Unidas que propõe uma abordagem internacional coordenada para um fenómeno global, levantou novas polémicas no bloco comunitário.

Na votação para a ratificação formal do documento na Assembleia-Geral da ONU nove Estados-membros da UE optaram por ficar de fora.

Três votaram contra (Hungria, República Checa, Polónia), cinco abstiveram-se (Áustria, Bulgária, Itália, Letónia e Roménia) e a Eslováquia não votou.

Na altura, a Comissão lamentou que não tivesse sido possível “uma posição comum” e instou “todos os países a repensarem e reconsiderarem a sua posição, no interesse da UE, de todos os Estados-membros e de todos os países envolvidos no fenómeno migratório”.

O GCM tem como base um conjunto de princípios, como a defesa dos direitos humanos e dos diretos das crianças migrantes ou o reconhecimento da soberania nacional, e enumera 23 propostas concretas para ajudar os países a lidarem com as migrações, nomeadamente ao nível da informação e da integração.

Os números relativos aos últimos 10 meses mostram que as chegadas irregulares à UE diminuíram significativamente desde o auge da crise migratória em 2015.

Mas o registo regular de mortes nas rotas migratórias no Mediterrâneo, o aumento expressivo das travessias ilegais nas fronteiras terrestres da UE e o incêndio que devastou em setembro o sobrelotado campo de refugiados de Moria, na Grécia, continuam a expor uma vez mais a necessidade de uma verdadeira política europeia para os migrantes e refugiados.