Estar infetado com a Covid-19 e não apresentar sintomas é uma característica bastante comum da pandemia, o que faz aumentar o número de contágios. Há pouco menos de 100 anos viveu uma imigrante irlandesa nos EUA, que se tornou conhecida por ser um veículo de transmissão da febre Tifóide durante mais de 10 anos, sem nunca ter tido sinais da doença.

Mary Mallon, que ganhou a alcunha de Typhoide Mary ou Maria Tifóide em português, terá infetado cerca de 120 pessoas com a doença, sendo que cinco delas chegaram a morrer.

Nascida a 1869 em Cookstown na Irlanda do Norte, emigrou para Nova Iorque aos 15 anos, onde se tornou cozinheira para famílias ricas, que, segundo o SYFY Wire, eram influentes na cidade à época. Embora nunca tenha mostrado sintomas, sete das oito famílias para as quais trabalhou contraíram febre tifóide, padrão que se começou a formar quando outros empregados ou membros da família mostraram sinais da doença.

Após alguns surtos que vinham a ser descobertos em zonas suburbanas de Nova Iorque, o departamento da saúde iniciou uma investigação que, mais cedo ou mais tarde os levou a Mary Mallon. Na altura o conceito de alguém assintomático estava pouco desenvolvido, até junto das autoridades de saúde, o que fez com que fosse presa por ameaça à saúde pública. Forçada a ceder amostras de urina e fezes, acabou por se confirmar que, efetivamente, Mary padecia da Salmonella typhi (bactéria que provoca a febre tifóide), tendo sido transferida para um hospital em North Brother Island, onde foi forçada a ficar de quarentena.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Vários relatos explicam que Mallon se recusava a acreditar que estava doente. Como poderia transmitir uma doença da qual não sofria qualquer sintoma? Sentia-se tratada como um “porco da guiné”, terá dito ao seu advogado, segundo o SYFY. Chegou, inclusive, a fazer uma queixa do Departamento de Saúde nova iorquino, que lhe foi negada pelo Supremo Tribunal.

Quando dois anos mais tarde foi libertada da sua quarentena, sob condição de não voltar a trabalhar numa cozinha, ainda conseguiu arranjar emprego como lavadeira. Mas o rendimento era bastante mais baixo, e Mary era de uma classe pobre, o que acabou por a levar de volta às cozinhas sob apelidos falsos como “Brown” e “Breshof”.

Typhoid Mary Cooking

Ilustração da “Maria Tifóide” a partir ovos em forma de caveiras, para uma sertã

Durante cinco anos conseguiu passar despercebida, até 1915 quando encontrou emprego para cozinhar numa maternidade em Manhattan. Em três meses, diz o El Mundo, 25 pessoas no estabelecimento contraíram febre tifóide e pelo menos duas morreram, o que chamou a atenção dos jornais, eventualmente ganhando a alcunha de “Maria Tifóide”.

Nesse ano as autoridades acabaram por descobrir Mallon e a irlandesa foi recambiada para North Brother Island, onde cumpriu 23 anos de confinamento até à sua morte, em 1938, de pneumonia agravada por um acidente vascular cerebral, detetado sete anos antes. Mary Mallon tinha 69 anos.

Segundo o El Mundo, mais de 400 pessoas transmitiam febre tifóide sem sinal de qualquer sintoma, mas nenhum foi alvo de tratamento similar. Isto porque, segundo o jornal, Mary era mulher, estrangeira, de classe baixa e obstinada, e acabou por ser vítima da sociedade onde estava inserida, visto que não houve qualquer tentativa de lhe explicar as consequências de ser portadora. Em vez disso, foi internada por tempo indeterminado, sendo alvo de vários testes.

No início do século 20, a febre tifóide era considerada uma doença de alto risco no ocidente, que era transmitida, sobretudo, através de comida, água e falta de condições de higiene.