Os Estados Unidos da América estão cada vez mais próximos de conseguirem uma transição pacífica e informada de poder, como tem sido prática tradicional quando um Presidente passa a pasta — e as informações de maior relevo para a governação — ao sucessor. Quem o corrobora é o próximo Presidente norte-americano, Joe Biden, que deu detalhes sobre o andamento do processo em entrevista à estação NBC News.

Nesta entrevista, a primeira do próximo Presidente desde as eleições — e que foi exibida na estação entre as 18h30 e as 19h00 desta terça-feira (hora nova-iorquina, entre as 23h30 e a meia-noite em Portugal Continental) —, Joe Biden afirmou que a passagem de pasta e a divulgação de informação relevante pela administração Trump à sua equipa tem sido “sincera” e acrescentou: “Não foi relutante até agora e não espero que venha a ser“.

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O Presidente eleito, que tem a tomada de posse agendada para 20 de janeiro, afirmou que a equipa que definiu para assegurar uma transição presidencial estável e informada já obteve informações dos serviços de segurança nacional e referiu: “Estão já a trabalhar na minha capacidade para obter briefings presidenciais diários. Já estamos a trabalhar com a equipa Covid da Casa Branca” e a preparar a distribuição de vacinas para conter a pandemia, referiu Biden.

O antigo vicepresidente dos Estados Unidos, que será Presidente nos próximos quatro anos, rejeitou ainda que o seu mandato futuro deva ser visto como uma espécie de terceiro mandato (de continuidade) da administração Democrata de que fez parte parte quando o Presidente era Obama. “Enfrentamos um mundo totalmente diferente daquele que enfrentámos durante a administração Obama-Biden. O Presidente Trump mudou o cenário. Tornou-o ‘a América primeiro’ e ‘a América sozinha'”, apontou.

A resposta foi dada depois de Biden ter sido questionado sobre possíveis críticas à escolha de “rostos familiares”  para os principais cargos da sua administração. O Democrata defendeu as escolhas, argumentando que “representam o espectro [diverso] do povo americano e o espectro do Partido Democrata”.

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“A América está de volta”. Falou com Trump? “Não”

Joe Biden referiu ainda na entrevista: “A América está de volta. Falei com mais de 20 líderes mundiais e todos estão realmente satisfeitos e entusiasmados por a América voltar a afirmar o seu papel no mundo e ser um construtor de coligações [internacionais]”. E não descartou a nomeação de um republicano, alguém que votou em Donald Trump, para a sua administração.

Ainda temos muitas nomeações por fazer. Quero que este país esteja unido. O objetivo da nossa administração é voltar a unir o país. Não podemos continuar com este diálogo político virulento, tem de acabar”, defendeu.

Questionado sobre se já tinha falado com antigos rivais à nomeação Democrata pela Presidência, como os progressistas Bernie Sanders e Elizabeth Warren — politica e ideologicamente situados à esquerda de Biden —, para possíveis cargos na administração, respondeu: “Bom, falei com eles. Já temos uma representação significativa de progressistas na nossa administração, mas nada está fora de hipótese. Uma coisa é crítica: tirar alguém do Senado, da Câmara dos Representantes, é uma decisão verdadeiramente difícil. Tenho uma agenda muito ambiciosa e muito progressista e serão precisos líderes fortes no Senado e na Câmara dos Representantes para a implementar”.

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Joe Biden revelou ainda não ter falado com Trump sobre a transição Presidencial desde as eleições norte-americanas. Inquirido sobre se tinha conversado com o antecessor para “abrir caminho a que a transição se desse”, respondeu: “Não. Creio que o chefe de gabinete dele e o meu chefe de gabinete terão falado. Mas não, não ouvi nada do Presidente do Trump“.

Já sobre potenciais efeitos prejudiciais da demora na transição de poder para a sua Governação futura, apontou: “É um começo lento mas está a começar. Faltam dois meses [para tomar posse], portanto vejo com otimismo a capacidade de acelerar as coisas — e tenho a expectativa clara, com base no que ouvi até agora, de que tenhamos cooperação total das agências” para a passagem de pasta.

“É uma responsabilidade patriótica usar máscara e praticar distanciamento social”

Sobre a vacina para a Covid-19, além de referir que a prioridade deve ser dada àqueles que estão na linha da frente a combater a pandemia, como médicos e enfermeiros, Biden apontou que “a esperança” é que a distribuição possa começar antes mesmo de tomar posse, a 20 de janeiro. Já quanto à capacidade de convencer os norte-americanos da importância de cumprir medidas de contenção da pandemia, referiu:

A minha esperança como Presidente, e muitos governadores e autarcas Republicanos desejam o mesmo, é que consigamos ter uma voz unida quanto à necessidade de uso de máscara, distanciamento social, testagem e monitorização de contactos. São detalhes críticos para enfrentar este vírus e tornar a situação mais controlável. As palavras de um Presidente importam e acho que tem uma importância crítica, acho que é uma responsabilidade patriótica, usar máscara e praticar o distanciamento social.”

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Quanto ao objetivo que traça de abrir mais generalizadamente as escolas nos EUA, Joe Biden referiu: “Será preciso muito dinheiro, a estimativa é que sejam precisos 150 a 200 mil milhões de dólares por ano para abrir as nossas escolas com segurança. Sabemos que temos de mudar tudo, desde os sistemas de ventilação na escola…”.

“A grande maioria dos polícias é decente, honesta e responsável”

Foi porém quando falou sobre dificuldades económicas da população mais atingida pela crise que Joe Biden se emocionou — e que recordou a história pessoal da sua família. Depois de dizer que terá uma atenção especial “naquelas pessoas que quando a crise chega são os mais atingidos e que quando a recuperação chega são os últimos a beneficiar”, que são “na sua maioria as comunidades minoritárias” que “sofreram muito”, Biden prometeu que vai “garantir que conseguimos a ajuda” necessária.

Lembro-me do meu pai sem descansar, de ouvir a cama dele a mexer-se numa noite. E lembro-me de perguntar: mãe, o que é que se passa com o pai? Ela disse-me: querido, o pai está preocupado. Na altura andava a entrar e sair de empregos e tinha acabado de perder o seu plano de saúde, não sabia o que fazer. Pense em todas as pessoas que estão acordadas à noite a olhar para o teto… temos de agir, temos de agir para garantir que têm acesso a cuidados de saúde. Isto é mais do que uma crise financeira, é uma crise que está a causar stress mental muito sério a milhões de pessoas. E está nas nossas mãos resolver isso e fazer crescer a economia ao mesmo tempo”, apontou Biden.

Já quanto ao tema da violência policial sobre negros e aos casos de tratamento desigual das forças de autoridade consoante o tom de pele dos cidadãos, Biden referiu: “As únicas pessoas que gostam menos de maus polícias do que as comunidades [minoritárias] são os próprios polícias. A grande maioria deles é decente, honesta e responsável e a última coisa de que precisam é de maus polícias. Tem de haver prestação de contas e apuramento de responsabilidades quando elas existem. Vamos trabalhar com chefes da polícia, com as comunidades e com organizações de direitos civis”. O objetivo é “juntar todos” e não colocar uns contra os outros, vincou.

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