Fosse o futebol um jogo matemático, previsível, sem ingredientes surpreendentes, e o percurso do FC Porto este ano seria incompreensível: uma equipa que na prova milionária vence em grandes palcos europeus e que internamente perde com o Paços de Ferreira e com o Marítimo. Ou uma equipa que mesmo no plano interno perde pontos onde ninguém esperava mas que goleia no Bessa (0-5), onde o rival Benfica perdeu, e que vence o Sporting de Braga (que ganhou na Luz) por 3-1.

Os paradoxos fazem parte do futebol, ganhar onde não se espera e perder onde se é favorito é parte da magia de um jogo que cativa milhões. É isso que explica também, por exemplo, que o FC Porto tenha começado a última época com o treinador a ser questionado depois de uma eliminação no playoff da Liga dos Campeões contra o Krasnodar e que tenha terminado a época fazendo a dobradinha, conquistando Campeonato e Taça de Portugal.

Sérgio Conceição, porém, sabia que o jogo de este sábado nos Açores era importante, tão decisivo quanto um jogo à oitava jornada do campeonato o pode (não) ser. Dissera-o aliás na antevisão do jogo: o FC Porto não tinha grande margem de erro para se atrasar mais na corrida pela liderança. Depois dos 90 minutos, feliz por uma vitória que volta a animar as hostes azuis no plano interno, foi mais longe e deixou claro: “a prioridade é o campeonato” e brilharetes europeus não atenuam mais desleixos internos.

A própria escolha do onze inicial pelo treinador portista não deixava margem para dúvidas: a partida frente ao Santa Clara não era um jogo para fazer “gestão”e nem o cansaço acumulado nem um dificílimo jogo que se avizinha — o encontro com o poderoso Manchester City agendado para a próxima terça-feira — justificavam a rotação. Face à equipa que defrontou o Marselha, apenas uma alteração: Taremi no lugar de Marega. A explicação foi dada pelo próprio técnico, no final do encontro:

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A nossa prioridade é o campeonato. Por isso é que jogaram os 11 de início que estavam melhores para este jogo. Toda a gente é importante, os jogadores que entram são importantes, se escolhesse outros com certeza que dariam uma resposta muito positiva porque o espírito é muito bom, mas a nossa prioridade é o campeonato. Nós não podemos esquecer que estamos na Liga dos Campeões porque vencemos o campeonato e entrámos diretos na fase de grupos”, lembrou Conceição.

A mensagem não é bem um aviso à navegação nem uma crítica ao que os jogadores portistas têm feito no plano interno. Sérgio Conceição desfez-se aliás em elogios aos seus jogadores, que são humanos e “não são máquinas” e que se ressentem do calendário apertado dos últimos dias. “Levo daqui a mesma equipa que veio para aqui e que ganhou contra o Marselha fora, também num jogo em que o adversário da Champions queria muito ganhar. Os jogadores… a qualidade deles — não só técnica e técnica mas no espírito que têm tido — é fabulosa”, começou por dizer.

O jogo foi pouco inspirado, mas resultou no essencial: a vitória que os dragões levam do Aeroporto Ponta Delgada – João Paulo II para o Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Sérgio Conceição quis vincá-la, dizendo sentir-se “realizado e feliz” com ter um grupo em que “toda a gente” se mostra “disponível”, em que quem entra vindo do banco “acrescenta sempre alguma coisa”.

Foi um jogo difícil. Acho que os jogadores merecem os parabéns por tudo aquilo que foi a dificuldade deste jogo. Dificuldade que tem a ver não só com o jogo em si, mas com tudo o que fazia parte deste contexto”, notou ainda o técnico, aludindo à elevada concentração de jogos na última semana.

Era preciso, ainda assim, explicar a pouca nota artística de um conjunto azul que só se mostrou inspirado quando o Luis Díaz encarnou em acrobata e marcou aquele que será seguramente um dos golos da época. “As condições não foram nada fáceis, o vento forte fez-se sentir durante o jogo, o terreno de jogo também [estava] algo pesado. A equipa tem pouco mais de 60 horas de recuperação e praticamente foi a mesma, à exceção de um jogador. E [era um jogo difícil também] pela capacidade e qualidade do Santa Clara, uma equipa sempre competitiva e que no seu estádio ainda mais complica a vida das outras equipas. Sabíamos desse contexto e era preciso apelar ao espírito de sacrifício, à boa organização, a não deixar que o adversário se aproximasse do nosso terço defensivo com perigo”.

Se o objetivo era apenas este, foi integralmente conseguido: o guardião Marchesín deve ter saído enregelado do Estádio de São Miguel tal o pouco trabalho a que foi sujeito na partida. Com a vitória, o FC Porto volta a aproximar-se à condição dos lugares cimeiros: fica a três pontos do Sporting, que joga de seguida, e ultrapassa Sporting de Braga e Benfica à condição (somando mais um ponto do que os dois rivais, que ainda não jogaram nesta jornada).