Na sua primeira entrevista desde as eleições de 3 de novembro, o Presidente dos EUA, Donald Trump, voltou a alegar fraude eleitoral sem apresentar provas nesse sentido e chegou a sugerir que tanto o FBI como o Departamento de Justiça estão envolvidos num esquema para impedir a sua reeleição.

“Houve mortos a receber boletins. Pior ainda, houve pessoas mortas que se registaram para ter um boletim de voto. Muitos! Não estamos a falar de 10 pessoas, estamos a falar de muitas pessoas mortas que supostamente votaram nestas eleições. São pessoas mortas que, nalguns casos, muitos e muitos casos, milhares de casos, votaram”, disse, numa de várias alegações que fez, sem contraditório nem provas. “Isto é uma fraude tremenda e como é que o FBI e o Departamento de Justiça… Não sei, se calhar estão envolvidos”, disse.

Mais à frente na entrevista, conduzida pela apresentadora da Fox News Maria Bartiromo, Donald Trump voltou a falar do FBI e do Departamento de Justiça — ou seja, por ordem, a agência responsável por investigar crimes federais e o organismo que junta o que em Portugal é, separadamente, o Ministério da Justiça e a Procuradoria-Geral da República. Questionado pela apresentadora sobre o que estão a fazer o FBI e do Departamento de Justiça perante as alegações de Donald Trump e da sua equipa de campanha, o Presidente dos EUA passou a ideia de que estas agências não estão a fazer nada.

“Estão perdidos em combate. Estão perdidos em combate, não sei dizer onde é que eles andam. Perguntei: ‘Eles estão a ver isto?’. E respondem-me: ‘Sim, estão a ver isto…'”, atirou, dizendo esta última frase num tom lento e desmotivado, imitando os seus interlocutores. “Onde é que eles estão? Eu não vi nada. Só estão a circular e a seguir para o próximo Presidente. As pessoas não costumam pensar nisto, mas eles já estão lá há muito tempo, alguns já serviram diferentes presidentes e têm as suas opiniões.”

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Apesar de a entrevista ter sido conduzida num tom amigável, habitual nesta estação e também com a apresentadora Maria Bartiromo, apoiante do Presidente dos EUA, Donald Trump deixou ainda assim algumas questões por responder.

Induzido a apresentar as provas da sua campanha para alegar fraude em seis swing-states — Pensilvânia, Geórgia, Michigan, Arizona, Wisconsin e Nevada —, o Presidente dos EUA acabou por falar apenas no primeiro, a Pensilvânia, onde um coletivo de juízes da relação rejeitou averiguar as queixas da campanha republicana ao dizerem que não foram apresentadas nenhumas provas de fraude.

“Estamos a tentar apresentar provas e os juízes não nos deixam”, disse Donald Trump. “A uma mulher que queria votar, disseram ‘desculpe, não pode votar, você já votou, o seu boletim já foi depositado’. E ela disse ‘não, não, eu quis esperar até 3 de novembro para votar, tenho esperado tanto tempo para votar, e estou tão orgulhosa’. E eles disseram ‘o seu boletim já foi depositado, lamento’. E assim foi a história”, disse Donald Trump, que referiu que há vários pessoas que estão dispostas a contar histórias semelhantes a esta sob juramento.

(…) Há muitas pessoas assim. Muitas, muitas pessoas assim. A um nível que ninguém imaginaria.

Do que toda a gente está a dizer, e acho que nem é preciso provar isto, disseram que estávamos a ter um resultado tão melhor do que eles pensavam que eles entraram em pânico e começaram a fazer boletim atrás de boletim e a fazer uma cruz no nome de Biden. Havia montes de boletins com apenas um voto [e nenhum nas outras votações, como por exemplo para o Senado, Câmara dos Representantes, etc]. As pessoas não votam assim. Eles querem votar contra impostos, querem votar para juiz e outras coisas que há no boletim. (…) Só fizeram isso por uma questão de rapidez. (…) Temos histórias que são incríveis, mas não nos deixam mostrar provas.

Donald Trump falou também das máquinas de contagem de votos, em específico das máquinas da Dominion. Esta alegação remete para a teoria defendida por Sidney Powell, que foi até há uma semana uma advogada destacada da equipa de Donald Trump, até que foi demitida. Sidney Powell disse que as máquinas da Dominion operavam com um software desenhado durante a Venezuela de Hugo Chávez com o objetivo de fabricar resultados eleitorais. Donald Trump não foi tão longe, mas ainda assim disse: “Ninguém sabe sequer em que sítio é que os votos são contados. Sabia que há quem diga que os votos da Dominion são contados em países estrangeiros”.

Agora, Donald Trump disse que houve vários casos de “falhas”, definindo-os mais à frente como “fraude”, embora tenha assumido que a “maioria” aconteceu sem que a sua equipa tivesse dado por elas.

“Uma falha é quando uma máquina se desliga. Nós tivemos máquinas que tiveram falhas e depois passaram milhares de votos meus para Biden. Isto são falhas, mas não são falhas, são um roubo. É uma fraude, uma fraude absoluta. Houve muitas delas. Obviamente, a maioria delas, quantidades tremendas, aconteceram sem que as apanhássemos. Tivemos sorte em termos apanhado quatro ou cinco falhas de 5 mil votos cada. Mas, uma vez mais, isto não são falhas, é fraude”, disse. “Mas na maior parte dos casos eles passaram impunes.”

Donald Trump diz que não mudará de ideias “nem daqui a 6 meses”

Joe Biden foi declarado vencedor das eleições pelos principais meios de comunicação social dos EUA a 7 de novembro, quatro dias depois das eleições presidenciais. O hábito de os media declararem vencedores faz parte da tradição eleitoral norte-americana desde o final do século XIX, uma vez que o processo de contagem oficial é moroso e burocrático.

Desta forma, media como a agência Associated Press ou cadeias de diferentes sensibilidades políticas (como as liberais CNN e MSNBC ou a conservadora Fox News) declaram o vencedor quando a eleição do seu adversário deixa de ser matematicamente possível, de acordo com os dados disponíveis. A 11 de novembro, todos os meios de comunicação social envolvidos nesse processo, dos mais liberais aos mais conservadores, declararam Joe Biden como vencedor das eleições.

Donald Trump ainda não aceitou esse desfecho — e embora tenha dado luz verde na terça-feira para dar início ao processo de transição, ainda não assumiu a derrota. Na entrevista deste domingo à Fox News, disse mesmo que não irá mudar de ideias “nem daqui a seis meses”.

Para a frente, estão várias datas importantes no processo burocrático eleitoral:

  • 8 de dezembro: os estados dão indicação de voto, consoante o resultado, aos seus membros do Colégio Eleitoral;
  • 14 de dezembro: os membros do Colégio Eleitoral votam;
  • 23 de dezembro: o vice-Presidente recebe os votos;
  • 6 de janeiro de 2021: a Câmara dos Representantes e o Senado contam os votos do Colégio Eleitoral, de modo a autenticá-los;
  • 20 de janeiro de 2021: o próximo Presidente dos EUA toma posse.

Perante estas datas, e qual delas constituiria o momento de possivelmente conceder a derrota ou suspender as suas ações legais para impugnar os resultados, Donald Trump disse que não queria dar uma resposta. “Não vou dizer uma data, vou dizer temos de ser rápidos”, referiu. “E temos de ser rápidos.”

Sobre a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal, Donald Trump hesitou na resposta. “O problema é que é muito difícil chegar ao Supremo Tribunal. Eu tenho os melhores advogados constitucionais, que defenderão a nossa causa se lá chegarmos”, disse. “Mas é muito difícil chegar lá. Consegue imaginar? Donald Trump, Presidente dos EUA, apresenta uma queixa — e nós temos centenas e centenas de declarações assinadas sob juramento — e é muito difícil chegar ao Supremo Tribunal.”

Veja aqui a entrevista completa:

https://www.youtube.com/watch?v=-vlzSAf9Sew