O chefe da diplomacia portuguesa acredita que a relação entre Portugal e os EUA vai muito para além dos acordos de cooperação de segurança e defesa e será enriquecida com o novo Governo do democrata Joe Biden.

“Durante muito tempo — e excessivamente, na minha opinião — olhou-se para a relação entre Portugal e os Estados Unidos como as Lajes”, diz Augusto Santos Silva, referindo-se ao que considera ser um plano de cooperação muito mais abrangente entre os dois países, que alberga diversos patamares.

Numa entrevista ao podcast Atlantic Talks, da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), o ministro dos Negócios Estrangeiros português reconhece que o Governo do republicano Donald Trump trouxe algumas “involuções” nas relações dos EUA com os seus aliados, mas diz ter a “convicção profunda” de que “Estados Unidos e Europa vão regressar ao nível de diálogo e cooperação que tem existido há décadas”.

Santos Silva destaca três elementos no enriquecimento das relações entre Portugal e os EUA, nos últimos anos, destacando a cooperação científica e universitária entre estabelecimentos de ensino superior portugueses e norte-americanos; a mudança económica, com mais forte presença de investimento e de capital dos EUA em Portugal (nos bancos ou nas empresas tecnológicas) e a existência de interlocutores que “percebem bem o valor dos mais de um milhão de portugueses e luso-americanos que vivem nos Estados Unidos”.

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Na entrevista ao podcast Atlantic Talks, Santos Silva defende que a Europa deve ter uma postura ativa no novo relacionamento com os Estados Unidos, no momento de transição de poder entre a administração Trump e o novo Governo de Joe Biden, recordando, por exemplo, que “a Europa não é neutra” na disputa entre os Estados Unidos e a China, já que “está muito mais próxima dos EUA”.

O facto de não sermos neutros, não quer dizer que não sejamos autónomos. Aliás, temos um entendimento da China e da nossa relação com a China que não pode ser reduzido a uma única dimensão, como foi característico da Administração Trump”, acrescentou o chefe da diplomacia portuguesa.

Neste complexo modelo geopolítico, Santos Silva defende que Portugal deve explorar os laços de proximidade com os Estados Unidos e o valor estratégico do seu território, no espaço do Atlântico Norte, onde a NATO desempenha um papel fulcral.

“Do nosso ponto de vista, os Estados Unidos têm um interesse evidente em ter uma boa cooperação com Portugal nos Açores. Basta olhar para o mapa para percebê-lo”, explica Santos Silva, recordando que, das duas vezes que falou com conselheiros de segurança nacional do Governo Trump (com o general McMuster e com John Bolton), “a conversa foi muito fácil, porque em ambos os casos eles tinham mapas na parede…”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros reconhece que, com o Governo de Donald Trump houve mesmo progressos no entendimento entre Portugal e os EUA, relativamente a executivos anteriores.

“E um dos progressos que houve foi no que diz respeito às Lajes. Porque, nenhuma redução ulterior (de presença norte-americana nos Açores) foi sequer planeada. Foi possível tratar de questões pendentes (…) de uma forma amigável entre aliados”, explica Santos Silva.

O ministro diz que a questão do desinvestimento dos EUA nas Lajes decorreu de equívocos em governos anteriores aos que neste momento dirigem os destinos dos dois países.

“Havia uma ambiguidade quando eu cheguei a ministro dos Negócios Estrangeiros. Uma ambiguidade infeliz causada em primeiro lugar pela infeliz decisão norte-americana de reduzir o contingente na base das Lajes e pela reação, também infeliz, do Governo português de então que sugeriu e estou a ser diplomático – que se os Estados Unidos não queriam as Lajes, podia haver outros países que a quisessem”, lembra Santos Silva, rejeitando que Portugal possa colocar as Lajes “a leilão”.

Santos Silva considera que as Lajes devem ser vistas como um ativo estratégico importante de Portugal, para ser tratado com “em cooperação com os aliados portugueses”.

“Portugal tem parceiros em todo o mundo, mas só tem aliados na União Europeia e na NATO”, conclui o chefe da diplomacia portuguesa.