Se na edição passada os temas da Web Summit foram da privacidade dos dados aos robôs e à política, a edição deste ano prometia trazer um tema inédito para cima da mesa: a pandemia de Covid-19. As conversas sobre tecnologia, dados, política e negócios tiveram lugar nos palcos virtuais do evento, mas quase sempre com a pandemia como pano de fundo, na primeira vez em que também o evento se realiza 100% online.

Como é que a pandemia afetou o mundo tecnológico? O que mudou? Como está Portugal na área da inovação? Nos Estados Unidos, as eleições foram ganhas pelo homem certo? Como é que a a União Europeia olha para a regulação digital? E a Wikipedia mudou muito ao longo dos anos? Estas foram cinco questões destacadas ao longo do primeiro dia de conferências da Web Summit.

A pandemia de Covid-19

Negócios, tecnologia, teletrabalho e a esperança de uma vacina

Os efeitos nos negócios, a evolução da tecnologia, o teletrabalho, as novas formas de produção e a esperança de uma vacina. A pandemia de Covid-19 foi o tema que passou por grande parte das conversas nos diversos palcos da Web Summit, contando com figuras da União Europeia, investigadores e profissionais de vários setores.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar da diversidade, houve uma ideia geral: a pandemia mudou a forma como tudo funciona, tanto com aspetos negativos como positivos. Dorry Segev, professor de Cirurgia e Epidemiologia na Universidade Johns Hopkins, quis levar à Web Summit o lado mais otimista desta pandemia ou, por outras palavras, aquilo que já aprendemos de bom e os progressos feitos durante estes últimos meses. A melhor capacidade de testagem, a diminuição da taxa de letalidade em relação à primeira vaga, a criação de uma vacina e até o efeito que a pandemia teve na diminuição do impacto da época da gripe foram alguns dos aspetos enumerados.

“Aprendemos mais sobre este vírus num ano do que qualquer outra patologia”, destacou o investigador, sublinhando que medidas como o uso da máscara e o distanciamento social “fazem realmente efeito”. Entre as várias alterações, há uma que este investigador tem quase a certeza que poderá acontecer: “Provavelmente nunca mais vai ser aceitável aparecer no trabalho com tosse, especialmente sem máscara”.

Foi também para falar sobre como vão ser os escritórios no futuro e sobre o trabalho remoto que nos últimos meses ganhou um peso diferente, que Cal Henderson, cofundador do Slack, também subiu ao palco principal (virtual) esta quarta-feira. É “surpreendente ver como as empresas se têm adaptado” a esta nova forma de trabalhar e um dos grandes desafios será a dificuldade em substituir interações mais casuais no trabalho. O escritório, acrescentou, “vai mudar para sempre”.

No mesmo tópico, Pedro Siza Vieira, ministro da Economia, salientou que um dos efeitos da pandemia vai ser a mudança que traz para um trabalho “mais flexível” e no “reconhecimento da importância das competências digitais”. Por outro lado, admite que as pessoas “estão desejosas para ir a restaurantes, a festas, festivais de música”. “Essas coisas vão voltar em força provavelmente, tendo em conta as boas notícias que estamos a ter sobre as vacinas, mais cedo do que tarde”, referiu.

Idas a “restaurantes, festas, festivais de música” vão “voltar em força mais cedo do que tarde”, acredita Siza Vieira

Uma das conferências de destaque foi a de Stella Kyriakides, comissária europeia da Saúde, que deixou um alerta: a existência de uma vacina “não significa que no dia a seguir se deve esquecer o distanciamento social e o uso da máscara”. A União Europeia, acrescenta, tem feito “um trabalho muito próximo” nas estratégias de vacinação (apesar de cada estratégia ser decidida por cada estado-membro) e a saúde pública é algo que não pode ser mais ignorada no futuro.

E o Natal, como vai ser? “Entendo que todos querem celebrar o Natal como temos feito ao longo da nossa vida, mas nada em 2020 tem sido o mesmo. 2020 tem sido um ano em que tudo mudou: a maneira como socializamos, como trabalhamos, como celebramos aniversários e festas”, respondeu. Por isso, acrescentou Stella Kyriakides, “o melhor presente de Natal é continuar a protegermo-nos a nós e aos nossos”.

Política nacional

Um ano que “não é só sobre a pandemia” e em que “Portugal salta para a liga de campeões da inovação”

O início da Web Summit, como já é habitual, contou com as palavras do primeiro-ministro António Costa e de Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. António Costa lembrou que “esta é uma Web Summit diferente”, num ano “marcado pela pandemia”. Mas, alertou também: o ano “não é só sobre a pandemia”. “Este é o ano em que Portugal salta para a liga de campeões da inovação”, sublinhou o primeiro-ministro no seu discurso, lembrando “o plano de transição digital” e “o ano em que Portugal foi considerado pela OCDE como o país com mais soluções para responder à Covid”. “É o ano em que juntamos esforços para preparar o mundo pós pandemia”, concluiu.

Mais tarde, Rui Rio, líder do PSD, também falou sobre o futuro de Portugal e sobre como o país lidou com a pandemia. “Há uma obrigação dos partidos políticos, mesmo a oposição, para colaborarem com o governo nesta luta contra um inimigo. Em março e abril não critiquei [o Governo], porque na altura não tínhamos know-how [experiência], eu sabia que não podia fazer de forma melhor do que o primeiro-ministro. Não seria honesto criticar se não saberia fazer melhor”. Só que, agora, Rio considera que saberia “fazer melhor”.

E o que faria de diferente no combate à pandemia? “Planearia melhor em julho, agosto, ou setembro quando sabíamos que teríamos uma segunda vaga”, respondeu, alertando para o facto de que a crise que o país vive é “grande” e “as fragilidades são evidentes”.

Eleições norte-americanas

As críticas a Donald Trump e uma personalidade que “seria melhor candidato” do que Trump e Biden

As recentes eleições norte-americanas, que levaram Joe Biden a ser eleito o novo presidente dos Estados Unidos, também foram comentadas por vários oradores. No palco principal, Joe Pounder (fundador e presidente da Bullpen Strategy Group), Sheila Nix (presidente da Tusk Philanthropies) e Anthony Scaramucci (fundador da SkyBridge Capital e ex-assessor de Donald Trump) questionaram se “as eleições norte-americanas foram ganhas pelo homem certo”.

Anthony Scaramucci, que é agora crítico de Trump, não poupou nas palavras: o ainda presidente dos EUA “é inseguro e tem sido humilhado por esta derrota”. O republicano adiantou ainda que se aconselhasse Trump, sugeria que “ligasse diretamente a Biden e dissesse de uma vez o que quer”. “Trump sabe que vai preso se não tiver carta livre da prisão”, sublinhou ainda, acrescentando que Trump procura “um acordo de não-acusação para si e para a sua família”, sem o qual “sabe que vai para a cadeia”.

Também Mark Cuban, empreendedor e uma cara conhecida da televisão norte-americana, não fugiu ao tema das eleições. Questionado sobre uma possível candidatura à presidência dos EUA, Cuban respondeu que “quando Donald Trump chegou à política”, isso fê-lo envolver-se “mais na política”. “Agora que ele está fora, graças a Deus, acho que não há necessidade”, explicou.

Ainda assim, considera que seria um melhor candidato do que Biden ou Trump: “Acho que seria um melhor candidato do que qualquer um dos que concorreram. Mas não queria pôr a minha família nisto”.

Ursula von der Leyen e as tecnológicas

Uma Europa com mais atratividade e regras para os negócios digitais, “de Lisboa à Lapónia”

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, não deixou de parte o tema da tecnologia, da regulação e dos desafios da pandemia. Começou por agradecer aos “pioneiros da tecnologia” por permitirem que eventos como a Web Summit continuem a realizar-se no contexto atual e deu ainda números: em 2020, estima-se que o valor das empresas tecnológicas tenha subido quase 50% e 20% do Plano de Recuperação e Resiliência vai ser aplicado no investimento digital.

“A Europa está a atrair mais capital para startups do que qualquer outra região no mundo”, sublinhou von der Leyen, acrescentando que a pandemia foi um “catalisador da mudança”. No entanto, nos últimos anos tem-se tornado evidente as falhas nas infraestruturas tecnológicas e nas competências digitais, assim como uma “complexidade regulatória” e constrangimentos burocráticos, nas palavras da presidente da Comissão Europeia.

Foi precisamente no aspeto da regulação que von der Leyen também centrou as atenções. “Estamos a reescrever o livro de regras do nosso mercado digital. Queremos que os valores que partilhamos no mundo offline sejam os mesmos no onlineO que é ilegal offline deve ser também ilegal online”, alertou. A União Europeia vai, assim, ter “um conjunto de regras digitais, em vez de leis nacionais para a mesma empresa”. “Quando uma startup se expande para outros países não deve ter que se adaptar a um conjunto novo de procedimentos. Estamos a criar um conjunto de regras para todos os negócios digitais, de Lisboa à Lapónia”, assegurou.

Wikipedia

As redes sociais e a “imunidade” da Wikipedia às fake news

Ainda antes da cerimónia de abertura, coube a Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, ser o primeiro convidado a surgir no ecrã dos mais de 100 mil utilizadores que esta quarta-feira assistiram à Web Summit, numa sessão de perguntas e respostas. A conversa alcançou vários temas, desde a pandemia ao modelo por detrás da Wikipedia — que, garante, “mudou muito pouco ao longo dos anos” –, passando pelo mundo das redes sociais que, nas sua opinião, “adotaram um modelo de negócio que não ajuda na busca pela verdade”.

Jimmy Wales, “como toda a gente”, pesquisa várias informações na Wikipedia e garante que uma das grandes preocupações é a credibilidade das fontes que são utilizadas na plataforma. “Falamos sobre as fake news e os clickbaits, mas a Wikipedia tem estado imune a isso, porque é feita por pessoas que querem saber da qualidade das coisas”, garantiu.

O maior desafio no futuro para a plataforma, acrescentou o fundador da Wikipedia, é garantir “a saúde da comunidade: garantir que a comunidade está feliz, que não está minada pelos trolls” e que tem acesso “a informação útil”, fazendo uma comparação com as redes sociais, que têm um ambiente “que otimiza os clicks, o tempo e o volume de publicidade, sendo que a forma natural para atingir esses números não é promover a verdade”.