Os Parlamentos nacionais não participam diretamente no processo de decisão europeu, mas hoje têm ao dispor plataformas de diálogo regular com as instituições comunitárias.

No dia em que o presidente da Assembleia da República (AR), Eduardo Ferro Rodrigues, recebe, em formato virtual, a visita da conferência de presidentes do Parlamento Europeu (PE), no quadro da preparação da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre de 2021, a Lusa ouviu aqueles que fazem a ponte entre o Parlamento nacional e as instituições europeias.

Maria Teresa Paulo coordena todos os serviços da AR que vão, de uma forma ou outra, organizar, em termos de conteúdo e logística, as iniciativas que resultam da dimensão parlamentar das presidências da União Europeia (UE).

Sem “uma estrutura nova”, mas contando com a colaboração dos vários departamentos já existentes, a AR terá de organizar seis conferências durante a próxima presidência portuguesa.

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As prioridades políticas da presidência portuguesa já estão definidas, portanto a dimensão parlamentar fará “espelho” dessa lista, trazendo “o debate para os representantes diretos dos cidadãos”.

Bruno Dias Pinheiro trabalha no PE, em Bruxelas, mas é funcionário da AR. Desde 2007, com o Tratado de Lisboa, os parlamentos dos Estados-membros indicam um representante para ser “fonte em primeira mão”, sem mediação de outros atores, nomeadamente dos Governos.

Os parlamentos sentiram que o desenvolver do processo de integração europeia lhes foi, de certo modo, prejudicial no acesso à informação”, porque “sempre foi uma construção preponderantemente governativa, onde os parlamentos veem grande parte das suas competências transferidas para um nível supranacional”.

“Todos os parlamentos têm um representante em Bruxelas, uma pessoa como eu. Alguns parlamentos, como o Bundestag [a câmara baixa do parlamento alemão] por exemplo, não têm um Bruno Pinheiro, têm dez! Há uma assimetria de recursos”, compara.

Todos estes representantes são acolhidos PE, que assegura gabinete, computador e acesso aos meios necessários para desempenharem a sua função.

“Somos um grupo de mais ou menos 50 pessoas e estamos todos no mesmo edifício, é assim uma espécie de míni-Nações Unidas dos parlamentos”, descreve, sublinhando o “espírito de cooperação”.

A rede de representantes em Bruxelas tem não só a função de informar a sua Assembleia, mas também de manter os pontos ligados, de forma a que os parlamentos estejam “em interação diária e real todos os dias”.

Preparar a próxima presidência portuguesa é agora a tarefa principal de Bruno Dias Pinheiro, cuja função é “obter informação para os deputados”, através de duas vias: “a pedido”, preparando notas sobre determinado tópico, e “por antecipação”, fazendo uma síntese semanal da atualidade europeia, sobre o que aconteceu mas também sobre o que ainda vai acontecer, que costuma enviar à hora de almoço de sexta-feira.

Dias Pinheiro procura fornecer “uma informação um bocadinho mais tratada e esculpida” aos deputados portugueses.

“Os discos mais pedidos são o quadro financeiro plurianual, o Next Generation EU e os recursos próprios e as relações futuras com o Reino Unido”, detalha. Outros temas frequentemente pedidos são as relações com África, a cooperação no domínio da defesa, o Pacto Ecológico Europeu e a Lei do Clima.

Naturalmente que houve todo um acervo constituído sobre a Covid, não só sobre as medidas que foram tomadas a nível da União Europeia (…), mas sobre as medidas que os outros parlamentos tomaram para continuar a funcionar normalmente – suspenderam os trabalhos, usam máscara? Tudo isso foi uma parte substancial do meu tempo ao longo deste ano”.

Os parlamentos nacionais “estão um pouco arredados do processo de decisão europeu” e procuraram encontrar formas de “fazer perguntas e ouvir respostas dos principais atores europeus”, frisa Teresa Paulo.

Na verdade, trata-se de “transpor para o nível europeu a fiscalização política e democrática que fazem ao nível nacional com os seus executivos”, explica a funcionária da AR, admitindo que a definição da agenda da dimensão parlamentar “é um quebra-cabeças, não é fácil, mas, no fim do dia, há sempre uma agenda, uma conferência e muitos cabelos brancos”, relativiza.

Este é o único fórum onde se podem ouvir, ao nível europeu, (…) todas as vozes que representam os cidadãos, desde a esquerda mais esquerda à direita mais direita ao centro mais centro. Esta é a oportunidade que todos os representantes têm para dizerem o que pensam ao nível europeu”.

Maria Teresa Paulo vê nessa pluralidade de “vozes dissonantes” a riqueza da dimensão parlamentar. Há duas décadas no Parlamento, reconhece que há hoje “um leque muito mais diverso” de parlamentares, onde se destacam “mais mulheres, mais jovens”.

O Tratado de Lisboa, assinado durante a presidência portuguesa da UE de 2007, reforçou o papel dos parlamentos, mas, realça Dias Pinheiro, “não é pelo facto de termos a presidência [da UE] que a Assembleia trabalha mais ou menos na área europeia, a Assembleia tem um legado de atividade europeia de há muitos anos”.

Recordando que a ideia de juntar os presidentes das comissões de Assuntos Europeus dos Estados-membros remonta a 1989 e que a primeira reunião aconteceu uma semana depois da queda do Muro de Berlim, Teresa Paulo explica que, atualmente, isso implica juntar 38 presidentes de parlamentos nacionais (porque muitos dos parlamentos são bicamarais) mais o presidente do PE – naquilo que se conhece como COSAC.

Nesta fase, “a maior interrogação” é sobre o formato das reuniões durante a presidência portuguesa.

Assumindo a “esperança” de poder optar pelo formato presencial na segunda metade do semestre, Teresa Paulo garante que a AR está preparada “para os cenários todos”, sendo que “o híbrido, em termos logísticos, dá muito trabalho e pode dar mais margem a asneira”.

Mesmo que a presidência decorra totalmente em formato virtual “não vai ser uma presidência desvirtuada, vai ser uma presidência produtiva”, assegura João Amaral, diretor do Gabinete de Comunicação da AR.

“A predisposição dos parlamentos para explorar estas funcionalidades já existia, não era utilizada tanto precisamente porque o elemento pessoal é muito forte e insubstituível”, concede, realçando, porém, que a realidade imposta pela pandemia teve a vantagem de vencer “a resistência que existia, quase até um preconceito” face às novas tecnologias.