Quente: Oradores de peso transformaram o último dia em duas Web Summit numa só

Esta sexta-feira foi o melhor dia da Web Summit online. Assim, sem hesitação. Sem sombra de dúvida e sem receio de arrependimentos. Foi difícil descolar o olhar do canal principal e tudo o resto que tínhamos marcado no nosso horário para este terceiro dia caiu por terra. Querias ir à conferência com o Sr. Capitão América? Esquece lá isso. Uma aula de culinária com o CEO da Impossible Foods? Onde? És tão engraçada. Uma sessão de Q&A com o CEO da Levi Strauss? Cala-te, não me faças rir. Podíamos continuar. A verdade é que para podermos respirar e esticar as pernas, como tão bem referiu uma pessoa-que-não-vou-identificar, tivemos de verbalizar: “Vamos assumir que não vamos a esta”. E foi o que fizemos.

A verdade é que foi o dia com as intervenções e oradores mais fortes. Vimos pessoas genuinamente envolvidas nas conversas, a falarem de temas relevantes num tom próximo e que levantaram questões que queríamos mesmo ver respondidas. Exemplos? A ex-primeira-ministra australiana Julia Gillard — “Quando uma mulher na liderança fala de sexismo, dizem que é queixinhas” –, Jane Goodall  — “Espero que esta pandemia seja um abanão porque precisamos de ter uma relação diferente com o mundo natural” –, Margrethe Vestager — “Percebemos que quem se torna muito poderoso começa a fazer as suas próprias regras” — ou Malala Yousafzai — “A pressão nas mulheres é muito maior por causa do patriarcado”. Sim, só dei exemplos de mulheres. E tem razão: foi de propósito. Também foi um ponto alto desta Web Summit.

Morno: Já sabíamos que estávamos numa pandemia… Não era preciso tanto

Começou por ser apenas um dos temas deste evento, mas às tantas cresceu, cresceu, cresceu, cresceu e comeu tudo o que estava à sua volta. Falamos da pandemia de Covid-19 que estamos a viver, claro, e que está em todo o lado: nos jornais, nas redes sociais, nas televisões, nas conversas. E na Web Summit. Até aqui, tudo bem, porque é impossível fugir dela e é para discutir estas coisas que um evento destes serve. Mas é preciso que nos lembrem deste pesadelo durante perto de 30 horas? É um desabafo, não uma crítica, porque na verdade esta repetição temática cai em terreno de ninguém — não há como escapar a isto. Nós não sabemos como, a Web Summit não sabe como e desconfio que o leitor também não. E, por isso, não há culpas nem culpados. A verdade é que, por muito que a conversa começasse em batatas, por exemplo, acabava inevitavelmente na pandemia. Durante as primeiras 15 horas foi tolerável e apreciámos. Aprendemos coisas e sentimos empatia. Mas depois começou a ser tal e qual como é esta pandemia: sufocante. Sinais dos tempos que correm e aos quais nem a maior conferência de empreendedorismo e tecnologia conseguiu escapar. A Covid-19 está em todo o lado.

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Frio: Alguém me ajude. Marcelo o quê? Emergência onde? Que dia é hoje?

Vou ser repetitiva, mas voltou a acontecer: Quando é que falou X? Foi hoje ou ontem? Lembram-se? A noção de tempo tornou-se difícil de explicar nesta Web Summit porque, em cada dia, couberam dois. E tudo o que aconteceu de manhã parecia, no final da tarde, ter sido já há muito tempo. A experiência online tinha de acrescentar algo que preenchesse o vazio deixado nos pavilhões da FIL (compreendemos, Paddy), mas acabou por nos deixar durante muito tempo ausentes do resto da realidade. E o mundo não parou. Nesta sexta-feira, foi aprovado mais um estado de emergência, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a falar ao país e, durante mais de nove horas, perdemos noção do que se estava a passar fora do nosso ecrã. Tal e qual como numa série distópica — “Black Mirror” ou “Years & Years”, escolham vocês — a nossa vida resumiu-se a um computador. E é isto que a Web Summit tem que nos deixa na letargia que escrevia na quinta-feira. É uma espécie de futuro-presente, que nos puxa as orelhas para o que andamos a fazer. De uma coisa temos a certeza: não queremos viver num ecrã. Só temos de agradecer a Paddy por nos ter lembrado disso.

Este ano, acabaram-se as temperaturas. Obrigada por nos ter acompanhado. Até para o ano.