Regina Martínez Pérez podia ter apenas um metro e meio, mas não tinha medo de nada. Também conhecida por Chaparrita, ou simplesmente a pequenina, a jornalista mexicana denunciava os bastidores do poder no México. Redes de corrupção, narcotráfico, abusos de poder, desaparecimentos forçados — eram estes os temas que Regina investigava para a revista Proceso, mesmo que isso pusesse em causa interesses de governantes poderosos e membros do crime organizado. E assinava sempre com o seu verdadeiro nome.

“Ela interessava-se realmente por assuntos sociais e violações de direitos humanos. O seu trabalho era a sua vida”, disse a amiga Norma Trujillo. E não só foi a vida. Também poderá ter sido a causa da sua morte. Regina foi encontrada morta em abril de 2012 na casa de banho, num caso cujos detalhes ainda estão longe de estar conhecidos.

Antes da morte, Regina Martínez preparava-se para publicar uma grande investigação que relacionava as autoridades de Veracruz a desaparecimentos de milhares de pessoas. Esta informação terá chegado aos ouvidos do poder local, que espiavam os passos da jornalista. Mas não eram os únicos interessados — também o poder central mexicano a vigiava. Regina estava afinal integrada numa rede de espionagem com o objetivo de monitorizar alegados oponentes ao regime.

Como jornalista da Proceso, Regina Martínez era automaticamente considerada uma inimiga, qualquer investigação a expor corrupção, homicídios ou desaparecimentos que não estavam nos números oficiais eram um sinal vermelho para o governo“, diz um agente de segurança radicado na Cidade do México.

Chamadas anónimas, casa trancada, perseguições. Regina Martínez soube a partir desses momentos que estava a ser vigiada e a sua vida tornou-se um inferno: “Tranquei todas as portas da casa. Eu não durmo e onde vou estou sempre a olhar para trás para confirmar que se há perigo”, escreveu antes da sua morte. Em dezembro de 2011, alguém conseguiu entrar na sua casa, como que a deixar-lhe um recado, uma ameaça, enquanto a jornalista passava o Natal na casa dos pais. Regina decidiu contudo não denunciar, ainda assim, o caso à polícia: “Ela tinha medo, mas não queria tornar a situação pública porque não confiava no sistema judicial”, disse a amiga Norma Trujillo.

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O assassinato

Mas a 28 de abril de 2012, a jornalista foi encontrada morta na casa de banho da sua casa. Terá sido asfixiada por um pano da cozinha. As investigações da sua morte concluíram que o crime ocorreu na sequência de um assalto. Jorge Antonio Hernández Silva, um trabalhador da indústria do sexo seropositvo e toxicodependente, foi considerado culpado e condenado a 38 anos de prisão por roubo e homicídio.

Uma grande investigação da Forbidden Stories, que contou com o trabalho de 60 jornalistas de todo o mundo, veio agora revelar que os contornos da morte de Regina Martínez podem ter sido outros e denunciar também as condições do trabalho dos jornalistas em Veracruz. A investigação surge num momento em que o Presidente mexicano eleito em 2018, Andrés Manuel López Obrador, também pondera reabrir o caso. “Era uma jornalista profissional e incorruptível”, descreve o chefe de Estado.

De acordo com a investigação, o cenário de crime foi alterado pelas autoridades de Veracruz. “Nunca na minha carreira vi um cenário de crime tão alterado”, diz Laura Borbolla, investigadora da Procuradoria Especial de Crimes contra a Liberdade de Expressão. Em causa, está, por exemplo, a descoberta de duas impressões digitais na casa de Regina Martínez que nunca foram recolhidas pelas autoridades. Ou alguns objetos que nunca foram analisados.

E Laura Borbolla aponta algumas incoerências à investigação. Apesar de o crime ter sido alegadamente motivado por razões económicas, a investigadora aponta que jóias de ouro e uma televisão não foram roubados. Além disso, o cenário do crime estava “em ordem. Se tivesse sido um roubo, tudo estaria desorganizado”, explica a investigadora.

Jorge Antonio Hernández Silva foi, segundo a sua advogada Diana Coq Toscanini, um “bode expiatório perfeito”. De acordo com o ficheiro a que a Forbidden Stories teve acesso, as impressões digitais do culpado nunca foram encontradas no cenário do crime e a única testemunha do processo foi alguém que diz ter visto Jorge Hernandéz a circular no bairro. Laura Borbolla é categórica: “Podemos nunca saber quem matou Regina, mas eu sei quem não a matou”.

O desfecho inconclusivo

E então quem terá sido o culpado? Talvez nunca se saiba em concreto, como a investigadora Laura Borbolla diz, mas vários colegas de Regina Martínez acusam o poderoso governador de Veracruz entre 2010 a 2016, Javier Duarte, que neste momento está preso na Guatemala após ter sido condenado a nove anos de prisão por lavagem de dinheiro. O governador nega, no entanto, qualquer envolvimento no assassinato da jornalista e o seu advogado, Pablo Campuzano, afirma que Javier Duarte “deu a conhecer todas as provas e resultados da investigação às autoridades federais“.

A identidade de quem assassinou Chaparrita poderá nunca ser conhecida. Mas o seu exemplo, celebrado todos os anos a 28 de abril (data da sua morte), prometem imortalizar a história de alguém que morreu por querer contar a verdade.

O jornalismo em Veracruz

Veracruz é um dos 31 estados do México. Localizada na parte este do país e banhada pelo Golfo do México, era a zona em que Regina Martínez atuava como correspondente. E a morte da jornalista “foi um antes e depois para a imprensa” no país, relata Jorge Carrasco, editor da revista para a qual Regina trabalhava.

A partir daí, passou a ser o estado mais perigoso para um jornalista trabalhar. Nos últimos anos, de acordo com o Comité de Proteção de Jornalistas (CPJ), 19 jornalistas foram assassinados e dezenas fugiram daquele zona do México. “Quando se mata um jornalista, é como meter uma bomba numa redação para criar terror”, resume Jorge Carrasco.