O tónico para a entrevista era apenas um: o Golden Boy, o prémio que o jornal italiano Tuttosport atribui todos os anos àquele que considera ser o melhor jogador Sub-21 do mundo. O último foi Erling Haaland e Portugal, nos anos mais recentes, amealhou dois, entre Renato Sanches e João Félix. Mas em 2006, há 14 anos, o Golden Boy foi direitinho para as mãos de um jovem médio espanhol que andava a brilhar em Inglaterra, ao serviço do Arsenal. Na altura, com 19 anos, Cesc Fàbregas recebeu um dos primeiros das dezenas de troféus que conquistaria ao longo da carreira.

“Senti que esse reconhecimento era como se fosse a Bola de Ouro das promessas e acho que é igual para as novas gerações. Este ano ganhou o Erling Haaland e acho que foi a decisão correta. Ele e Mbappé são os avançados do futuro. Para a edição de 2021, acho que o favorito número um é Ansu Fati”, diz Fàbregas, 14 anos depois de receber o prémio. “A Bola de Ouro das promessas” é uma designação forte que não deixa de ser um elogio ao jornal italiano — e talvez por isso a entrevista do Tuttosport tenha rapidamente avançado para outros assuntos, ciente de que o comentário positivo que era desejado já tinha sido alcançado.

Arsenal FC 'Iconic' Archive

Ao lado de Bergkamp, nos tempos do Arsenal, na altura em que se tornou o jogador mais novo de sempre a estrear-se pela equipa principal dos ingleses, com apenas 16 anos

No Mónaco desde janeiro de 2019, o médio de 33 anos é agora uma das vozes da experiência num plantel comandado por Niko Kovac que tem muitos jogadores jovens. A “estabilidade”, nas palavras de Fàbregas, foi o ponto de partida para a saída do Chelsea, depois de um reta final em Stamford Bridge onde não era muito utilizado. “Essa foi a minha prioridade quando decidi sair do Chelsea, queria jogar mais. Tive muitas propostas mas o Mónaco foi o clube que se mostrou mais interessado. A duração do contrato também afetou a minha decisão porque não queria obrigar a minha família a mudar de cidade todos os anos. Aqui tenho um projeto interessante. Este ano sou o jogador mais experiente da equipa, estou rodeado de talentos e gosto deste papel. Temos um grupo jovem mas com qualidade e a equipa está a ter bons resultados”, explica o jogador, que fez parte da geração de ouro da seleção espanhola que em cinco anos foi duas vezes campeã da Europa e ainda conquistou o Mundial da África do Sul.

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O período mais conturbado no Chelsea, o culminar de cinco épocas nos blues, coincidiu com a breve passagem de Maurizio Sarri pelo clube inglês. “O Sarri quis apostar no Jorginho, que tinha estado no Nápoles com ele e que chegou ao Chelsea por 60 milhões. Para mim não era suficiente jogar na Liga Europa e na Taça da Liga. Sempre fui um titular… Quis sempre ser um protagonista na Premier League. Por isso, no fim, fui embora. O Sarri é um bom treinador e tem bom coração. Mas tem crenças táticas fortes, é supersticioso e é muito difícil levá-lo a mudar de ideias… Só de pensar na história dos treinos…”, recorda. E qual é a história dos treinos?

Chelsea Training Session

No Chelsea, com José Mourinho, durante a segunda passagem do treinador português pelo clube de Londres

“Ele marcava sempre os treinos para as três da tarde. Os jogadores que tinham famílias, como eu, não viam os filhos o dia todo com esse horário. De manhã os miúdos iam para a escola e quanto eu voltava à noite, depois do treino, já estavam na cama. Um dia, perguntei ao Sarri se podia mudar os treinos para a manhã. Ele disse-me que tínhamos de treinar às 15h porque um erudito de Pisa tinha provado cientificamente que essa era a melhor hora para o corpo…”, conta Fàbregas. Treinado por Guardiola no Barcelona e por Mourinho no Chelsea, o médio espanhol acredita que os dois treinadores têm mais semelhanças do que diferenças e abre a porta a um futuro no futebol, provavelmente enquanto treinador.

“Toda a gente acha que o Guardiola e o Mourinho são opostos. Na realidade, e pelo contrário, eles só têm um estilo de jogo diferente. Como treinadores e na forma como vivem o futebol, são idênticos: são loucos. Ganhar está acima de tudo. Mou e Pep marcaram uma era; nos últimos tempos, Klopp juntou-se a eles. Se pensar nos últimos treinadores dos últimos 20 anos, também acrescento Wenger, Ferguson, Lippi e Ancelotti. E pode ser uma opção [ser treinador]. Mas vejo-me mais como um técnico do que um treinador. Gosto do campo, não gosto de estar ao telefone atrás de uma secretária”, diz o jogador do Mónaco, que ainda encontra espaço na entrevista para recordar o momento, aos 10 anos, em que viu imagens de um aquecimento de Maradona e ficou “paralisado”.

Aos 33 anos, Cesc Fàbregas é titular na equipa que está no quinto lugar de um dos principais Campeonatos da Europa e um dos nomes que ilustra a crescente longevidade dos jogadores de futebol — Cristiano Ronaldo tem 35, Ibrahimovic tem 39, Messi tem os mesmos 33. Qual é o segredo? “Eu não conheço o Cristiano pessoalmente, mas toda a gente me diz que ele é super profissional e tem uma mentalidade inacreditável. Claro que já não é o CR7 que passa por muitos a driblar, mas marca muito e ganha jogos. Espero chegar aos 36 anos, para ter uma carreira de 20 anos. Agora é menos complicado do que no passado porque estamos mais informados e gerimo-nos melhor a nós próprios, desde o descanso, a recuperação, a nutrição. Por exemplo, eu nunca bebo álcool ou bebidas com gás. A única asneira é uma cerveja quando estou de férias”, brinca o médio, que é ainda um símbolo da última grande geração espanhola e que continua a ser um dos nomes mais importantes dos 15 anos mais recentes do futebol europeu.