A piada já não é nova. Sempre que uma equipa portuguesa joga já apurada ou já eliminada nas competições europeias, durante a fase de grupos, é frequente ouvir os treinadores dizerem que não gostam de perder “nem a feijões”. Ora, uma vitória nas competições europeias vale dinheiro — muito dinheiro. Por isso, e se a vitória acabar mesmo por aparecer, surge de imediato e ao mesmo tempo a piada que já não é nova: os “milhões de feijões”.

Uma pesquisa rápida no arquivo do Observador permite encontrar a ocasião mais recente em que a piada foi utilizada. Foi em dezembro de 2018, há precisamente dois anos, quando um golo solitário de Grimaldo valeu a vitória do Benfica frente ao AEK na fase de grupos da Liga dos Campeões, numa partida em que tanto portugueses como gregos já estavam eliminados. Curiosamente, e dois anos depois, o jogo a feijões de um clube português voltava a envolver um emblema grego. Só que, desta feita, eram o FC Porto e o Olympiacos. E, desta feita, o jogo era a feijões apenas para o FC Porto, já que o Olympiacos ainda disputava a vaga da Liga Europa. E por fim, desta feita, o FC Porto jogava a feijões porque estava já apurado — e não eliminado.

Ficha de jogo

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Olympiacos-FC Porto, 0-2

Fase de grupos da Liga dos Campeões

Karaiskaki Stadium, no Pireu (Grécia)

Árbitro: Felix Brych (Alemanha)

Olympiacos: José Sá, Rafinha, Rúben Semedo, Cissé, Holebas​​​​​​​, M’Vila, Camara (Fortounis, 35′)​​​​​​​, Bouchalakis​​​​​​​, Masouras (Randjelović, 45′), ​​​​​​​El-Arabi (Ba, 81′), Vrousai (Soudani, 73′)

Suplentes não utilizados: Karargyris, Tzolakis, Pêpê, Rúben Vinagre, Androutsos, Papadopoulos, Sourlis

Treinador: Pedro Martins

FC Porto: Diogo Costa, Nanu, Diogo Leite, Mbemba, Zaidu, Grujic,​​​​​​ Romário Baró (Uribe, 63′), Otávio (Sarr, 80′), João Mário (Corona, 72′), Toni Martínez (Evanilson, 80′),​​​​​​ Felipe Anderson (Luis Díaz, 63′)

Suplentes não utilizados: Marchesín, Loum, Taremi, Nakajima, Marega, Manafá, Fábio Vieira

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Otávio (gp, 10′), Uribe (77′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Nanu (27′), a Fourtonis (43′), a Rúben Semedo (52′ e 79′), a Rafinha (71′), a Luis Díaz (75′); cartão vermelho a Rúben Semedo por acumulação (79′)

A expressão, porém, não deixou de estar presente na conferência de imprensa de antevisão de Sérgio Conceição. “Quando o árbitro apitar, não vamos pensar se estamos qualificados ou nos milhões. Nem a feijões gostamos de perder, quanto mais para a Liga dos Campeões. Vamos à Grécia para fazer o melhor, que é tentar conseguir a vitória. É um jogo de prestígio, frente a um adversário que está na luta, com o Marselha, para continuar na Europa”, disse o treinador dos dragões. Que, apesar de os esvaziar de importância, não deixou de lembrar os milhões. Os milhões de feijões que o pé esquerdo de Grimaldo deu ao Benfica há dois anos e que o FC Porto ia procurar esta quarta-feira em Pireu, onde nunca tinha vencido anteriormente. 2,7 milhões de feijões.

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Ora, apesar disso, Sérgio Conceição não escondia que a visita ao Olympiacos, em Pireu, era uma boa oportunidade para fazer descansar os habituais titulares e lançar os jogadores que têm tido menos minutos desde o início da temporada. “Tenho de perceber quem está, física e emocionalmente, disponível para me dar garantias de fazer parte do melhor onze. Há jogadores com mais fadiga e com cartões, pelo que temos que estar atentos. Têm de estar motivados para todos os jogos. Quando olhamos para o desafio frente ao Fabril [Taça de Portugal], muitos jogadores não tinham muitos minutos até àquele jogo, mas vi disponibilidade de toda a gente, o que me agradou. Percebem que, independentemente do jogo, a forma de atuar tem de ser a mesma”, acrescentou o treinador, que colocava essa teoria em prática ao escolher o onze inicial.

Depois de uma convocatória muito alargada que incluía tanto Pepe, que continua lesionado, como Corona, que permanecia fisicamente limitado e não treinou durante a semana, Sérgio Conceição só manteve Mbemba, Zaidu e Otávio em relação à equipa que é normalmente titular. Diogo Costa era o dono da baliza, Diogo Leite era o segundo central no eixo defensivo, Nanu ficava com a ala direita; Grujic e Romário Baró completavam o meio-campo, em conjunto com Otávio; e Felipe Anderson, Toni Martínez e o jovem João Mário eram os elementos mais adiantados. Do outro lado, José Sá era o único português a entrar de início, já que Pedro Martins deixava Rúben Vinagre e Pêpê no banco e Bruma é dos vários jogadores lesionados no plantel grego, a par de Hassan e Valbuena.

Com um início de jogo relativamente calmo, em que depressa se percebeu que o ritmo da partida nunca seria muito intenso, a verdade é que o FC Porto não demorou muito a chegar ao golo. Na sequência de um lance em que Felipe Anderson ficou muito perto de marcar, com um cabeceamento que bateu na trave e caiu em cima da linha, o árbitro da partida assinalou mão na bola de Holebas na grande área depois de analisar as imagens do VAR. Otávio, que esta quarta-feira foi capitão de equipa face à ausência de Sérgio Oliveira, converteu a grande penalidade e abriu o marcador na Grécia (10′). O Olympiacos reagiu instantes depois, com um falhanço inacreditável de Masouras: o avançado recebeu muito bem um passe longo vindo de trás e encarou Diogo Costa, já na grande área, mas atirou por cima e desperdiçou a melhor ocasião criada pelos gregos em toda a primeira parte (15′).

Num primeiro tempo que teve várias interrupções — para assistência a Toni Martínez e Otávio e também a Nanu, já nos descontos –, nenhuma das duas equipas voltou a ficar realmente perto de mexer com o resultado. Em vantagem, o FC Porto baixou as linhas e não colocou em prática uma pressão muito alta, oferecendo espaço no início do próprio meio-campo para que o Olympiacos pudesse avançar e, eventualmente, cometer erros. Os dragões mantinham-se muito organizados defensivamente, apesar da inexperiência europeia de muitos dos jogadores, e não permitiam grandes aventuras aos gregos, encurtando distâncias e linhas de passe assim que a equipa de Pedro Martins se aproximava do último terço. Com posse de bola, normalmente em situação de transição rápida, o FC Porto procurava a profundidade nas costas da defesa adversária, como aconteceu num lance em que Felipe Anderson poderia ter decidido melhor mas solicitou Zaidu na esquerda e o lateral não conseguiu concretizar o cruzamento (37′).

Ao intervalo, e já depois de Pedro Martins ter sido obrigado a mexer por aparente lesão de Camara, o FC Porto estava a ganhar pela margem mínima e tinha a partida aparentemente controlada, sem motivos para alterações táticas ou de estratégia. O objetivo, para a segunda parte, só podia ser um: segurar a vantagem, tentar dilatá-la e assegurar a vitória.

No arranque da segunda parte, Pedro Martins voltou a mexer e deu mostras de ainda querer ir atrás do resultado, ao trocar Masouras por Randjelović. El-Arabi ficou perto de empatar, com um remate ao lado depois de um bom trabalho de Fortounis na direita (54′), e o FC Porto parecia ter recuado alguns metros face àquilo que apresentou na primeira parte. O Olympiacos tinha o mérito de ir empurrando os dragões para perto da baliza de Diogo Costa, apesar de raramente conseguir entrar efetivamente no último terço, e a equipa portuguesa parecia abdicar progressivamente de procurar o ataque, avançando somente em situações de transição rápida.

Sérgio Conceição apercebeu-se da quebra de rendimento da equipa, que ia deixando a vantagem mínima algo fragilizada, e tirou Felipe Anderson — que voltou a não aproveitar a oportunidade — e Romário Baró para colocar Luis Díaz e Uribe, dois jogadores que oferecem mais garantias e que têm maior regularidade competitiva, solidificando dez minutos depois com a entrada de Jesús Corona. O segundo golo que carimbou a vitória do FC Porto apareceu precisamente por intermédio de um dos jogadores que entraram, Uribe: Diogo Costa exerceu uma reposição de bola de forma rápida e pragmática, Luis Díaz ganhou o ressalto da bola e fez um grande trabalho sobre Rafinha na direita; o colombiano tentou cruzar, José Sá intercetou e Uribe, à entrada da grande área, rematou para aumentar a vantagem (77′). Quase de imediato, Rúben Semedo ainda viu o segundo cartão amarelo, deixando os gregos reduzidos a dez elementos durante praticamente um quarto de hora, e já pouco ou nada aconteceu até ao apito final.

O FC Porto fechou a fase de grupos da Liga dos Campeões com mais uma vitória e terminou o grupo com 13 pontos, no segundo lugar e atrás do Manchester City, depois de não sofrer golos em cinco dos seis jogos. Já o Olympiacos de Pedro Martins, apesar da derrota, garantiu a manutenção europeia através da Liga Europa graças à derrota do Marselha com os ingleses. Os dragões venceram pela primeira vez em Pireu, conquistaram os 2,7 milhões de feijões e Otávio, que até tem nome de imperador romano — o primeiro líder de Roma foi Otávio Augusto –, foi um verdadeiro deus grego. O médio brasileiro, que foi capitão, assumiu a liderança da equipa, marcou um golo e foi recorrentemente o melhor elemento dos portugueses, exercendo a ligação entre os normalmente titulares e os pouco utilizados que entraram de início.