O objetivo apresentado pela Women’s Super League, a primeira liga de futebol feminino em Inglaterra, não é complexo. Mas o que esse objetivo escasseia em complexidade, sobra em dificuldade. O objetivo da Women’s Super League é ser, para o futebol feminino, aquilo que a Premier League é para o futebol masculino. Ou seja, ser considerado o melhor campeonato do mundo, o campeonato mais intenso do mundo e o campeonato para onde todas as jogadoras, independentemente da nacionalidade, querem ir jogar.

Talvez por isso, no mercado de verão da atípica temporada que está a decorrer, os clubes ingleses tenham apostado naquelas que são as melhores jogadoras do mundo: as norte-americanas. Alex Morgan rumou ao Tottenham, Tobin Heath e Christen Press ao Manchester United, Rose Lavelle e Sam Mewis ao Manchester City, entre outras. O Chelsea, porém, optou por uma lógica diferente. Depois de contratar a australiana Sam Kerr ainda na época passada, surpreendendo a realidade do futebol feminino ao garantir uma jogadora que era associada a outras potências com maior relevância no panorama europeu, o Chelsea apontou baterias a Pernille Harder, então no Wolfsburgo.

Pernille custou 350 mil euros e foi a mais cara de sempre. Como Inglaterra (e o Chelsea) se está a tornar a capital do futebol feminino

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A avançada dinamarquesa tornou-se a jogadora de futebol mais cara de sempre, ao custar 350 mil euros aos cofres dos blues, e é agora um dos símbolos da equipa que está no terceiro lugar do campeonato inglês, a três pontos do líder Manchester United. A par de Kerr, da sueca Magdalena Eriksson, da inglesa Fran Kirby e da escocesa Erin Cuthbert, Harder lidera agora um Chelsea que é bem comandado pela treinadora Emma Hayes e que pretende chegar ao topo do futebol europeu.

Essa pretensão chocava esta quarta-feira de frente com o Benfica. Depois de afastarem PAOK e Anderlecht nas eliminatórias de acesso à fase final da Liga dos Campeões feminina, as encarnadas ficaram emparelhadas com o Chelsea nos 16 avos de final. A primeira mão da eliminatória, marcada para esta quarta-feira no Seixal, significava o encontro do Benfica, campeão nacional na época passada — interrompida devido à pandemia –, com uma realidade que está ainda muitos níveis acima. E Luís Andrade, o treinador, não tinha dúvidas de que este seria o desafio mais complicado que a equipa portuguesa teria de enfrentar desde que foi formada, há três anos, num projeto que todas as épocas custa cerca de dois milhões de euros aos cofres encarnados.

[Ouça aqui a entrevista de Matilde Fidalgo, jogadora do Benfica, à Rádio Observador:]

“Se maria-rapaz é ser despreocupada e jogar futebol, sou!”

“Sem dúvida. Nos três anos de projeto que leva o futebol feminino, este será o jogo mais difícil que vamos disputar. O favoritismo está do lado do nosso adversário que já anda nestas lides há muitos anos. Nós somos os benjamins desta Liga e, como tal, queremos dar uma boa resposta. As jogadoras estão confiantes, fizemos um bom trabalho. Quando falamos no Chelsea, estamos a falar do sétimo classificado do ranking, uma equipa em que há 10 nacionalidades diferentes e que a nível individual tem valores muito bons. Coletivamente, são fantásticas, muito fortes, mas confiamos no nosso trabalho e ambição de querermos dar uma boa resposta dentro das quatro linhas”, explicou o técnico do conjunto que está nesta altura no segundo lugar da Série Sul do campeonato português, com os mesmos pontos do Sporting mas com mais um jogo do que as leoas.

Já Pauleta, média espanhola e habitual titular do Benfica, apontava para outro dado interessante: o entusiasmo das jogadoras encarnadas, por encontrarem as colegas de profissão que só vêem “na televisão. “Na verdade, já tinha pensado muito no jogo esta semana, porque são jogadoras que só costumávamos ver na televisão e amanhã [quarta-feira] teremos a oportunidade de jogar contra elas. Isso dá-nos uma motivação extra para demonstrar que conseguimos estar ao nível delas e competir contra uma grande equipa como é o Chelsea. Temos equipa e qualidade para conseguir competir e é muito importante tentar competir com jogadoras que há pouco víamos na televisão”, adiantou, ressalvando que as atletas estão “um bocado nervosas”.

“Porque sabemos que é um momento histórico para o clube. Mas estamos muito confiantes, sabemos o nosso trabalho, temos a nossa qualidade e já demonstrámos nestes dois jogos que podemos fazer um bom trabalho no jogo de amanhã. Queremos muito jogar para mostrar a toda a gente que o Benfica pode ter uma boa caminhada na Liga dos Campeões”, terminou, em declarações depois de a equipa feminina ter recebido a visita de Jorge Jesus e Luís Filipe Vieira, em jeito de apoio.

Ora, em campo, Luís Andrade lançou o onze habitual, com Pauleta mas também com Nycole Raysla, Ana Vitória e Andreia Faria, assim como Carole Costa, a internacional portuguesa que no verão trocou o Sporting pelo Benfica. Do outro lado, Emma Hayes deixava Sam Kerr e Erin Cuthbert no banco e dava a titularidade a Pernille Harder e Fran Kirby — ou seja, não jogava na máxima força mas também não entrava no relvado com a segunda equipa. A disparidade entre os dois conjuntos, porém, já era evidente ao intervalo: o Chelsea terminou a primeira parte já a golear, graças a um bis de Fran Kirby (2′ e 33′) — que a tornou a jogadora com mais golos na história do clube — e a golos de Millie Bright (29′) e Harder (45′, 0-4).

Ao intervalo, Emma Hayes trocou Jonna Andersson por Jessica Carter, depois de Luís Andrade já ter tirado Andreia Faria para lançar Beatriz Cameirão ainda na primeira parte, e o quinto golo pouco demorou a aparecer, por intermédio de Bethany England (54′). O resultado confortável levou a treinador inglesa a efetuar outras substituições ao longo do segundo tempo, tirando Maren Mjelde, Ji So-yun, Sophie Ingle e Fran Kirby, e o Chelsea foi deixando o relógio andar. Até ao fim, a nigeriana Christy Ucheibe foi expulsa e deixou o Benfica reduzido a dez elementos até ao final da partida.

O Benfica foi goleado no Seixal (0-5) e ficou com uma montanha praticamente impossível de escalar na segunda mão, agendada para o dia 16 em Londres, despedindo-se desta edição da Liga dos Campeões provavelmente nessa partida. Contudo, não deixou de defrontar uma das melhores equipas da Europa, uma eventual candidata a uma presença na final e algumas das jogadoras que as encarnadas só viam “pela televisão”, como explicou Pauleta. O choque de realidades foi brutal, como se esperava. Mas não deixou de ser uma aprendizagem para um grupo que quer andar por estas andanças nos próximos anos.