E ao segundo dia de depoimento do sargento ajudante Lima Santos, que era o responsável pelo Núcleo de Investigação Criminal de Loulé à data do assalto aos Paióis Nacionais de Tancos, a pergunta mantém-se: o que tinha João Paulino a ganhar ao indicar à polícia onde estavam as armas? Para o militar da GNR que foi chamado a colaborar com a Polícia Judiciária Militar, numa investigação que o Ministério Público considera ilegal, um informador não tem que ganhar algo em troca. Mas Paulino, autor confesso do assalto, diz que lhe foi prometida a imunidade e que os militares que com ele falaram sabiam claramente que ele tinha participado no crime.

“Essa ficção só serviria para uma série da Netflix”, afirmou esta quinta-feira sargento ajudante, afirmando sempre que olhou para Paulino como um informador com eventuais ligações aos autores do assaltos, mas que a ele tal não dizia respeito. “Isso cabia à Polícia Judiciária Militar investigar”, disse, afirmando por várias vezes que a acusação do Ministério Público é uma “fantasia” e que se limitou a colaborar numa investigação com autorização superior, embora que verbal.

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O problema é que não era só hoje, isso já devia ter sido feito porque as normas são as mesmas, interrompeu, em resposta, o juiz Nelson Barra, que preside ao coletivo.

É o 12.º dia de julgamento e em quase todas as sessões os militares têm atestado que é normal receber ordens verbais e não passar as diligências feitas no terreno a escrito, mesmo que estas passem por sair da área da atuação da GNR no Algarve, para falar com um informador no centro do país.

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O que leva uma pessoa a falar consigo, com todos os riscos inerentes, a falar consigo? É isso que não percebo, insistiu o procurador do Ministério Público Manuel Ferrão.

O sargento ajudante, sempre de pé e a recorrer várias vezes a um dossier onde tem documentos de vários outros processos que lhe passaram pelas mãos, voltou a falar em normalidade. “Percebo que a acusação tem esse mito, mas o melhores informadores que eu tinha eram condenados, com penas transitadas. E faziam-no sem motivo especial, apenas pela passagem de informação. Se calhar queriam que outros também fossem detidos”.

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Também o advogado de João Paulino, Carlos Melo Alves, insistiu neste ponto até que a defesa do sargento o interrompeu. “Mas onde está a pergunta?”, interrogou no lado oposto da sala o advogado Cruz Campos.”Eu estou a controlar ainda a inquirição que eu saiba”, interrompeu o juiz, devolvendo a palavra ao advogado do autor confesso do crime.

João Paulino tem insistido que nos encontros que manteve com os militares da GNR de Loulé — um deles seu amigo de infância — lhe foi prometida proteção no processo caso dissesse onde estavam as armas. “Paulino nunca foi descartado como tendo ligações à pessoa que tivesse furtado, mas essas diligências não nos cabiam a nós. Ele não queria dizer o nome das pessoas”, respondeu o militar, lembrando que a sua principal preocupação era que alguém fizesse desaparecer o armamento bélico furtado de Tancos para sempre. E que chegou a referir a Paulino que provavelmente seria chamado pela PJM para prestar declarações.

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Nesses encontros com Paulino, contou ainda o militar, ele chegou mesmo a fornecer informações sobre o processo das Glock que eram furtadas da PSP, nomeadamente que Paulo Lemos, ou Fechaduras, estaria envolvido no caso — informação esta que foi transmitida à PJM e depois à PSP. É que há três pontos em comum no processo das Glock e de Tancos: Paulino e António Laranjinha, ambos arguidos nos dois casos, e Paulo Lemos, ou Fechaduras, testemunha chave em ambos os processos.

Laranjinha acabou condenado pela receptação das armas furtadas por um agente da PSP que trabalhava na Direção Nacional da PSP. Paulino foi absolvido porque o testemunho de Fechaduras não convenceu.

Antes, e a propósito dos louvores que o Ministério Público aponta como uma motivação para a GNR aderir a este “pacto” com a PJM, o militar lembrou que entrou para a Guarda com 19 anos e que foi “o cabo mais jovem, o sargento mais jovem e o sargento ajudante mais novo do país”. Aliás, disse mesmo, já tem tantos louvores atribuídos que podia agora “estar num gabinete a bater charuto” que isso não interferia na sua progressão profissional.

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“Mesmo assim deixou-se enganar”, atirou-lhe depois o advogado Carlos Melo Alves, sublinhando que, afinal, Fechaduras não foi acusado no caso das Glock nem no de Tancos, mas João Paulino — que seria apenas um informador — sim.  “Não acha que se deixou enganar muitas vezes?”, interrogou.

Dos 23 arguidos acusados no caso Tancos, falta ouvir o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar, Luís Vieira, o então porta-voz major Brazão e o inspetor Nuno Reboleira. Como os advogados disseram que ainda aguardam uma cópia de um disco que estava no processo e ao qual ainda não tinham o acesso, o juiz decidiu então começar a ouvir as testemunhas da acusação na próxima semana. Há sessões segunda, terça e quinta-feira.