“O importante agora é falar do presente, o passado é museu (…) Se o Benfica não jogar o dobro, voltamos a não ganhar. Temos condições para fazer uma equipa muito grande. Com o elenco que teremos não vamos jogar o dobro, vamos jogar o triplo”.

A frase é de Jorge Jesus, a data é 3 de agosto. Na apresentação como novo treinador do Benfica, no Seixal, pegou no que havia dito na primeira passagem pelo clube e adicionou uma espécie de hipérbole. A ideia, na ótica de Jorge Jesus, era tornar a frase um lema, um motto, uma carta de apresentação. Aquilo em que Jorge Jesus não pensou, pelo menos à partida, foi que os lemas, os mottos e as cartas de apresentação depressa se tornam fantasmas que assombram os autores.

Ficha de jogo

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Standard Liège-Benfica, 2-2

Fase de grupos da Liga Europa

Stade Maurice Dufrasne, em Liège (Bélgica)

Árbitro: Aleksei Kulbakov (Bielorrússia)

Standard Liège: Bodart, Jans, Bokadi, Laifis, Gavory, Cimirot, Bastien, Raskin (Joachim Carcela, 80′), Shamir (Fai, 59′), Balikwisha (Mukela, 59′), Tapsoba (Oularé, 73′)

Suplentes não utilizados: Gillet, Henkinet, Sissako, Mehdi Carcela, Sylvestre, Boljevic, Avenatti, Siquet

Treinador: Philippe Montanier

Benfica: Helton Leite, João Ferreira, Jardel, Vertonghen, Nuno Tavares (Cervi, 80′), Pedrinho (Rafa, 64′), Weigl (Gabriel, 80′), Taarabt (Seferovic, 83′), Everton, Darwin, Waldschmidt (Pizzi, 64′)

Suplentes não utilizados: Svilar, Gilberto, Ferro, Diogo Gonçalves, Chiquinho, Otamendi, Gonçalo Ramos

Treinador: Jorge Jesus

Golos: Raskin (12′), Everton (16′), Tapsoba (60′), Pizzi (gp, 67′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a João Ferreira (53′), a Cimirot (65′), a Cervi (90+3′)

Mais de quatro meses depois, o Benfica está no segundo lugar do Campeonato, com mais do que tempo e margem de manobra para lutar pela reconquista do título, e está já apurado para os 16 avos de final da Liga Europa. Contudo, têm sido as exibições o motivo da desilusão — a desilusão daqueles que esperavam que o Benfica jogasse “o triplo”, como Jesus tinha publicitado, e que vêem agora essa multiplicação algo escassa. A frase do treinador, ao invés de um lema, tornou-se um fantasma. E o treinador encarnado tem sido questionado sobre isso mesmo em praticamente todas as conferências de imprensa.

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“Essa minha afirmação tinha a ver com o facto de o Benfica no ano passado não ter conquistado nada. Claro que a equipa ainda não está a jogar o triplo, só num ou noutro jogo, está numa fase de crescimento. Acredito plenamente que com o desenrolar das competições vamos ter mais conhecimento e ter um rendimento melhor. Houve jogos que me satisfizeram, como o jogo contra o Liège na Luz”, disse Jesus na antevisão de novo encontro com os belgas, desta feita fora de casa, para encerrar uma fase de grupos praticamente decidida.

Já apurado para a fase seguinte, assim como o Glasgow Rangers, o Benfica visitava uma equipa que já sabia igualmente que está afastada das competições europeias. Uma equipa, portanto, que queria despedir-se da Europa da melhor maneira, com uma vitória que significasse algum prestígio e um importante encaixe financeiro. Ainda assim, Jorge Jesus assegurou logo na antevisão que iria fazer algumas mexidas no onze inicial, para deixar descansar os mais utilizados e dar minutos aos menos escolhidos. As mexidas, porém, foram mais limitadas do que o esperado.

Jesus manteve Vertonghen no eixo defensivo, manteve o meio-campo com Weigl, Taarabt e Everton e deixou Darwin no ataque, acompanhado por um pouco surpreendente Waldschmidt. Surpresas, isso sim, só mesmo Helton Leite na baliza, João Ferreira na direita da defesa, o veterano Jardel enquanto segundo central e o reforço Pedrinho no meio-campo. Até Nuno Tavares, enquanto lateral esquerdo, era expectável: Grimaldo continua lesionado, depois de ter sofrido um problema muscular durante o aquecimento para a receção ao P. Ferreira, e ficou em Lisboa. A maior novidade estava até na braçadeira de capitão, alojada do braço de Vertonghen, que chegou a Portugal este ano — mesmo estando Jardel em campo.

O Benfica começou melhor e dominou por completo os primeiros dez minutos, construindo três ocasiões de golo que poderiam ter deixado os encarnados desde logo em vantagem: Waldschmidt permitiu a defesa de Bodart (6′), Taarabt obrigou o guarda-redes dos belgas a uma defesa apertada que o avançado alemão ainda tentou aproveitar (7′) e Everton, em posição privilegiada depois de um cruzamento de Darwin a partir da esquerda, atirou por cima (10′). Adivinhava-se, de forma óbvio, o golo português. Contudo, a eficácia falou mais alto.

Na primeira aproximação à baliza de Helton Leite, o Standard Liège abriu o marcador. Numa boa jogada de ataque, em que a bola variou do corredor esquerdo para o direito de forma muito veloz, Jans cruzou e o jovem Raskin, ao primeiro poste, cabeceou para fazer o primeiro do jogo (12′). Jardel ainda saltou com o avançado belga mas pouco incomodou o jogador, que se estreou a marcar nas competições europeias. A reação do Benfica à desvantagem, porém, foi imediata.

Apenas quatro minutos depois, os encarnados chegaram ao empate. João Ferreira começou o lance, na direita, e viu Pedrinho continuar a jogada. O brasileiro solicitou Taarabt, que dominou, tirou um adversário da frente e entrou na grande área com a bola controlada; à saída do guarda-redes, de forma in extremis, o marroquino cruzou atrasado e viu Everton Cebolinha, com um cabeceamento picado, empatar a partida (16′). O Standard Liège acusou de forma notória o golo sofrido e abriu a porta a um período de enorme domínio do Benfica, em que a equipa de Jorge Jesus esteve totalmente instalada no meio-campo adversário, conquistou cantos de forma consecutiva e procurou imediatamente a vantagem. O segundo golo, contudo, teimou em não chegar. A persistência do empate originou maior equilíbrio no jogo, com o Liège a recuperar alguns metros de terreno e o ritmo intenso que se tinha feito sentir desde o apito inicial a decrescer consideravelmente.

Foi nesta fase, ainda assim, que se percebeu o que Jorge Jesus queria da equipa. Com menos velocidade, com menos barulho em campo e entre os jogadores, eram perfeitamente audíveis as indicações do treinador português, que pedia a João Ferreira para não se afastar muito do corredor e impulsionava a atenção dos jogadores na hora de defender. Mais do que isso, Jesus dedicava especial indignação ao espaço que o Benfica permitia ao Standard Liège na primeira fase de construção dos belgas, já no meio-campo encarnado, e gritava constantemente “estão muito longe”. A fragilidade defensiva que a equipa tem apresentado, de forma natural, é a grande preocupação do treinador.

O Benfica foi para o intervalo empatado com o Standard Liège apesar de estar a jogar mais e melhor do que os belgas e sabia que, na Polónia, o Glasgow Rangers estava a vencer na Polónia — ou seja, que o primeiro lugar estava difícil de atingir e que o mais provável era terminar a fase de grupos no segundo lugar e no caminho dos “tubarões”. Na primeira parte, porém, destacavam-se as prestações de Taarabt, muito móvel no meio-campo, e Pedrinho, que surgia tanto em zonas de construção como na ajuda defensiva. Nas alas, João Ferreira tinha uma estreia totalmente competente nas competições europeias, participando até no primeiro golo, e Nuno Tavares estava a assinar uma exibição positiva, demonstrando novamente que é o jogador que melhor sabe cruzar na equipa.

A segunda parte, sem que nenhum dos treinadores tivesse feito qualquer alteração, trouxe um Standard Liège mais confiante e um Benfica mais recuado. Com um ritmo médio, o jogo arrastou-se sem grandes ocorrências até às substituições nos belgas, à exceção de um remate de Pedrinho de fora de área (51′), que acabaram por ter um impacto quase imediato na partida. Com a equipa totalmente balançada para a frente, Taarabt falhou um passe de distância considerável e deixou João Ferreira sem hipótese de recolher, permitindo a antecipação de Fai, acabado de entrar. O camaronês percorreu grande parte do relvado com a bola controlada, em velocidade, e assistiu Tapsoba, que apareceu em posição frontal para a baliza e rematou para recuperar a vantagem dos belgas (60′). A bola ainda desviou em Vertonghen e enganou Helton Leite, que pouco conseguiu fazer.

Tal como aconteceu na primeira parte, porém, os encarnados reagiram imediatamente à desvantagem. Darwin acertou no poste, num lance em que tirou o guarda-redes da frente (61′), e Jesus lançou Rafa e Pizzi para oferecer experiência, frescura e criatividade à construção da equipa. O golo do empate acabou por aparecer de grande penalidade, depois de João Ferreira sofrer uma falta de Laifis na grande área, com Pizzi a converter o castigo máximo instantes depois de ter entrado (67′).

Até ao fim, Jorge Jesus fez alterações claramente no sentido de ganhar o jogo, ao lançar Pizzi, Rafa e Seferovic — a par de Gabriel, que entrou para o lugar de um magoado Weigl. Os encarnados passaram o último quarto de hora da partida totalmente inseridos no meio-campo adversário, Pizzi ainda acertou na trave (90+2′) mas o resultado não voltou a alterar-se. Na Polónia, o Glasgow Rangers venceu o Lech Poznan e agarrou o primeiro lugar do grupo, deixando o Benfica na segunda posição e no caminho dos “tubarões”.

Num jogo em que a primeira parte foi claramente melhor do que a segunda, o Benfica mostrou que está alguns níveis acima do Standard Liège — em qualidade individual e coletiva, em criatividade, em capacidade de construção — mas não conseguiu traduzir isso em mais golos. Mais: voltou a não conseguir aproveitar essa superioridade para blindar a baliza, sofrendo dois golos fora de casa, estando duas vezes em desvantagem e nunca na posição contrária. No final, o destaque acabar por ir para a exibição de João Ferreira, o jovem lateral de 19 anos que ainda não jogou no Campeonato e que estreou nas competições europeias. Solução plausível, palpável e possível para a direita da defesa, na ausência de André Almeida e face às visíveis limitações defensivas de Gilberto, o jogador da formação do Seixal esteve muito certinho em todas as tarefas, começou o lance do primeiro golo e sofreu o penálti que deu o segundo. Em resumo, só errou quando foi obrigado a errar — quando foi batido depois de um passe errado de Taarabt, na jogada que deu origem ao segundo golo do Standard Liège.