A Organização Mundial da Saúde foi acusada de conspirar com o Ministério da Saúde italiano para remover um relatório que revelava a má gestão do país no início da pandemia, avança o britânico The Guardian. O relatório foi produzido pelo cientista da OMS Francesco Zambon, em conjunto com mais 10 colegas de toda a Europa, e foi financiado pelo governo do Kuwait — a ideia era fornecer informações úteis a países que ainda não tinham sido atingidos pela pandemia.

O relatório de 102 páginas foi publicado no site da OMS a 13 de maio e retirado no dia seguinte, tal como o The Guardian noticiou em agosto. Mostrava que o plano italiano de combate a pandemias não era atualizado desde 2006, o que fez com que a resposta inicial dos hospitais ao novo coronavírus fosse “improvisada, caótica e criativa”.

O documento foi alegadamente removido a pedido de Ranieri Guerra, diretor-geral adjunto da OMS para iniciativas estratégicas e um dos cientistas escolhidos pelo governo italiano para fazer frente à Covid-19. Guerra foi o diretor-geral da saúde preventiva no Ministério da Saúde italiano entre 2014 e finais de 2017 — pela lógica, seria ele o responsável por atualizar o plano de combate a pandemias.

O facto de o plano estar desatualizado é de grande interesse para as investigações preliminares a cargo de procuradores de Bergamo sobre uma possível negligência criminosa por parte das autoridades. Para o efeito, Francesco Zambon já foi convocado um total de três vezes para falar com os procuradores, encontros que receberam entraves da OMS, que defende que ele e os outros 10 investigadores deveriam ter imunidade para testemunhar (Guerra foi ouvido em novembro).

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A última vez que Zambon foi chamado foi a 10 de dezembro. Apesar de os procuradores terem feito a solicitação via Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano, como pedido mais tarde pela OMS, este encontro não aconteceu.

É precisamente Francesco Zambon que alega ter sido ameaçado por Guerra — seria demitido caso não modificasse parte do texto referente ao plano desatualizado. Zambon denunciou a ameaça, muito embora não tenha sido realizado qualquer inquérito interno. Emails trocados em maio entre Zambon, Guerra e Hans Kluge, diretor da OMS na Europa, parecem mostrar um pacto entre o Ministério da Saúde italiano para manter o relatório em segredo.

O ministério negou qualquer envolvimento e na quinta-feira a OMS garantiu ao The Guardian que está a trabalhar com o governo italiano para esclarecer o assunto. No último domingo, as mortes por Covid-19 ultrapassaram as 60 mil na Itália — é o número mais elevado de mortes na Europa continental.