A 1 de novembro as cerimónias fúnebres do arcebispo Amfilohije Radović, líder da Igreja Ortodoxa no Montenegro juntaram milhares de pessoas, a grande maioria delas sem máscara e que não deixaram de cumprir os rituais tradicionais. Beijar o morto, comungar da colher (que é a mesma para todos), acorrer à celebração em grande quantidade e esquecer a recomendação do distanciamento social neste tipo de funerais tem sido uma fatura a pagar cara pelo país.
Amfilohije Radović sempre se mostrou cético em relação à pandemia da Covid-19, afirmava que Deus protegia os fiéis e que os cientistas estavam a exagerar na gravidade da doença provocada pelo novo coronavírus. Recebeu diagnóstico positivo para a Covid-19 e acabou por ser uma das mais de 1 milhão e 595 mil mortes registadas até ao momento em Montenegro. Mas nem depois de ver o líder da Igreja do país morrer às mãos do novo coronavírus os fiéis e outros responsáveis da Igreja Ortodoxa mudaram comportamentos. E o funeral do arcebispo Amfilohije espelhou isso mesmo. Irineo I, que presidiu à celebração haveria de ser também ele infetado com a doença e morrer poucas semanas depois.
A epidemiologista Milena Popovic Sanardzic, disse ao El Confidencial que “a situação está fora de controlo” e que “podia ter sido evitada” caso as leis de contenção da Covid-19 “tivessem sido respeitadas”. A médica que foi responsável por realizar o teste de diagnóstico ao arcebispo Amfilohije afirma que “não ajudou muito o facto de não ter sido planeado com a Igreja Ortodoxa a melhor forma de realizar os funerais dos líderes religiosos mais importantes”.
Ainda que os especialistas tenham alertado para os riscos de continuar com o ritual de beijar o morto ou comungar da mesma colher (para toda a assembleia), o porta-voz da Igreja Ortodoxa no Montenegro, padre Nikola Pejovic, diz que se tratam de “acusações relativas à tensão entre a Igreja Ortodoxa e as autoridades civis que estão a gerir a pandemia”.
“As nossas atividades foram reduzidas ao mínimo desde março, o problema é que vivemos numa época de manipulação dos media”, afirmou ao jornal espanhol acrescentando que o governo anterior “tentou usar a calamidade para lutar contra a igreja” e que chegaram a ser “detidos e presos padres”, acrescentando que atualmente “não há um único padre no país com Covid-19”.
As afirmações contrastam, no entanto, com aquilo que as fotografias dos funerais mostram e com o facto de a Covid-19 ter sido a causa da morte das figuras mais importantes da Igreja Ortodoxa no país.
A falta de dados não permite aos especialistas montenegrinos saber com exatidão quantas pessoas foram infetadas com a Covid-19 nas cerimónias fúnebres. “Não conseguimos localizar grande parte das pessoas que estiveram no funeral. Não temos os números. Sobre este evento e muitas outras situações”, explica a médica Milena Popovic Sanardzic.
Impasse governativo afeta decisões e regras sobre pandemia
Além das cerimónias religiosas, a dificuldade em formar governo no pós-eleições de 30 de agosto — que durou vários meses — tem dificultado a tomada de decisões e imposição de regras para tentar combater a propagação da doença no país. Sem contar, claro, com a própria campanha eleitoral que em vários momentos também reuniu muitas pessoas nos mesmos locais.
Uma especialista ouvida pelo El Confidencial, Vesna Radojevic, diz que a “espécie de limbo” em que o país se encontra de alguns meses até esta parte, com os responsáveis pelas pastas da saúde a aguardar para perceberem se continuam ou não nos cargos também tem prejudicado o combate à Covid-19. “Nos últimos três meses as instituições não têm funcionado plenamente. Estamos numa espécie de vácuo político”, afirmou.
Recorde-se que só no último fim de semana Krivokapic anunciou a formação de novo governo (depois das eleições de agosto) com 12 pastas apenas que, afirmou, serem “referência simbólica aos 12 apóstolos” seguindo os ensinamentos deixados por Amfilohije, numa expressão clara da importância que a Igreja Ortodoxa tem na política e no país.