A forma como o Real Madrid se sagrou campeão espanhol na última temporada, com uma série consecutiva de dez vitórias depois da paragem pela pandemia, não foi propriamente brilhante na perspetiva da qualidade das exibições mas roçou esse brilhantismo no pragmatismo com que encarava todos os jogos. Quando era para sofrer, era para sofrer. Quando era para atacar, era para atacar. Quando era para ter posse, tinha posse. Foi isso que, depois de um início com inúmeros resultados (e exibições) negativos, fez toda a diferença: nos três match points de um jogo que colocava o lugar de Zidane em perigo, contra Sevilha, B. Mönchengladbach e Atl. Madrid, a equipa nunca falhou, ganhou sempre e não sofreu golos, passando aos oitavos da Champions e reavivando a luta pela Liga. Mesmo que, para isso, o francês outrora tricampeão europeu tenha dito o que ninguém teria coragem de pensar.

“Se o Atl. Madrid é o principal favorito a vencer a Liga? Sim, certamente. É o que estão a demonstrar em campo. Estão no primeiro lugar e sempre foram uma equipa competitiva. Conhecemos bem o rival. Simeone? Cada pessoa tem a sua forma de ser, eu não posso ser outra pessoa. Quando tirei o meu curso de treinador, diziam-me que tinha de ser eu próprio. Cada um tem os seus defeitos e as suas qualidades. Ele [Simeone] é um grande treinador e eu tento fazer o meu trabalho da melhor forma”, referiu. Pressão para o lado de quem não devia estar pressionado, humildade em relação a alguém que tem um currículo bem inferior ao seu. Assim é este Zidane.

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Se quando jogava Zidane era um mago da bola, um mágico capaz de inventar jogadas e um ilusionista capaz de ver à frente aquilo que outros nem sonhavam, a versão treinador do gaulês sabe jogar no bluff e tem o dom da palavra, para dentro e para fora. Mais uma vez, resultou: num jogo sem grande história perante o domínio do Real Madrid e que só poderia conhecer capítulos diferentes se Lemar tivesse convertido uma bola ao segundo poste isolado ainda no início da segunda parte, o campeão impôs a primeira derrota da temporada aos colchoneros no plano interno com um golo de Casemiro (15′) e outro de Oblak na própria baliza com as costas após remate de Carvajal (63′). No entanto, o 2-0 podia até ser mais dilatado, tamanha foi a superioridade com bolas no poste de Benzema, mais um jogo gigante do trio Casemiro-Modric-Kroos e Sergio Ramos a controlar no eixo recuado.

Assim, e do lado do Atl. Madrid, os temas no final do dérbi acabaram por ser outros. E se contra o Salzbugo houve um destaque paralelo que passou pela reação de Luis Suárez após ser substituído, a atirar garrafas e a falar para dentro com “azia” por ter sido preterido, agora esse papel passou para João Félix: substituído por Saúl Ñíguez quando a equipa perdia apenas pela margem mínima, o avançado português subiu para a bancada visivelmente irritado, deu um pontapé numa cadeira, tirou o casaco para tirar uma ligadura atirando-a para o chão e terminou com as mãos na cara, poucos minutos antes do segundo golo que iria sentenciar o jogo em Valdebebas.

“Reação de João Félix? Tem de lhe perguntar a ele, o porquê de ter ficado zangado. Não estou na cabeça dos jogadores. É normal que estas situações aconteçam no futebol porque os jogadores querem jogar e ganhar. Não valorizo em nada, tudo normal. Compreendo, todos os jogadores querem jogar os 90 minutos. Mas têm que lhe perguntar. Com a saída dele procurei ganhar mais batalhas no meio-campo para termos mais a bola e tentarmos sair rápido para o ataque”, explicou Diego Simeone na zona de entrevistas rápidas após o encontro.

“Procurei ter gente mais fresca na frente. Eles, o João, o Herrera e os que saíram, já tinham muito desgaste e procurava ter mais pernas no meio. O jogo já estava partido a favor do Real Madrid, não nos servia. Procurámos competir melhor com mais pernas no meio, não pudemos encontrar esse golo que permitisse. Quanto ao João, entendo e até partilho essa opinião, porque joguei e sei que quando saímos queremos dar mais e queremos manter-nos em jogo. Têm de perguntar aos jogadores que ficam chateados. Quem pode ser claro na explicação é quem atua dessa forma. Não posso explicar, posso dizer o que penso. Querem jogar e dar mais, talvez jogar melhor do que jogou… Há mil coisas que podem provocar essa insatisfação”, referiu depois na conferência.