O emigrante português Gonçalo Carvalho, que em 2018 apoiou Jair Bolsonaro para a Presidência brasileira, afirmou este domingo à Lusa que acredita que o arrependimento é generalizado entre os que votaram no atual chefe de Estado.

“Na ocasião, estávamos entre a situação de termos de votar no Bolsonaro por exclusão de partes. A solução era manter aquilo que já estava há 16 anos, que era o Partido dos trabalhadores (PT), ou ter uma mudança. Era como escolher entre levar um tiro num braço ou numa perna, ambas as opções eram más. A maioria optou por fazer essa mudança. Acredito que grande parte já se arrependeu de ter votado em Bolsonaro”, disse Gonçalo Carvalho, empresário do ramo da restauração.

Em outubro de 2018, pouco antes da eleição que levou Bolsonaro a tornar-se no 38.º Presidente do Brasil, a comunidade portuguesa no Rio de Janeiro encontrava-se extremamente dividida entre o candidato do PT, Fernando Haddad, e o atual chefe de Estado, que concorreu pelo Partido Social Liberal (PSL).

Na ocasião, a Lusa falou com quatro portugueses que apoiavam Bolsonaro, por verem no candidato “um cidadão comum”, “isento de corrupção”. Dois anos após a eleição, apenas dois dos emigrantes aceitaram falar novamente com a Lusa sobre o seu atual posicionamento: um está arrependido de ter apoiado o atual Presidente, o outro “de jeito nenhum”.

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Apesar do seu arrependimento, Gonçalo Carvalho frisa que a maioria não lamenta ter tirado o PT do poder, após vários escândalos de corrupção que levaram os brasileiros a ficarem desacreditados na política.

“Acredito que a maioria não se arrependeu de ter tirado o PT do poder. Bolsonaro não tinha tanto histórico de corrupção, o que levou a essa escolha. (…) Mas, Bolsonaro está muito longe de ser o que o Brasil precisa. Não fez nada daquilo que pregava no início, já fugiu muito dos ideais que defendia na ocasião das eleições e, sinceramente, acho que não tem condição nenhuma de ser reeleito”, declarou Gonçalo, que vive no Rio de Janeiro há mais de seis anos.

“Quanto mais conhecemos Bolsonaro, mais vemos o quão longe está de ser a pessoa que o Brasil precisa. É um despreparo gritante, é uma pessoa que não tem condições nenhumas de estar à frente de uma prefeitura, quanto mais de um país como o Brasil”, frisou o empresário.

Se, em 2018, não ter nenhuma vinculação direta a casos de corrupção levou 57 milhões de eleitores a dar a vitória a Bolsonaro, dois anos no governo foram suficientes para Gonçalo Carvalho mudar a visão que tinha sobre a integridade do político de extrema-direita.

Fabrício Queiroz é o nome que liga a família Bolsonaro a um alegado caso de corrupção. Queiroz e o senador Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, são suspeitos de operar um esquema de desvio de dinheiro público através da apropriação de parte do salário de ex-funcionários do filho do mandatário na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), prática ilícita conhecida como ‘rachadinha’.

Queiroz, amigo de longa data de Jair Bolsonaro e que cumpre prisão domiciliária, é apontado como o responsável por arrecadar o dinheiro.

Segundo as investigações em curso, Queiroz fez também, entre 2011 e 2016, cerca de 20 depósitos na conta bancária de Michelle Bolsonaro, mulher do Presidente, no valor total de 89 mil reais (cerca de 14,3 mil euros).

Na avaliação do empresário português, que conhece bem a movimentação da Alerj, esquemas de ‘rachadinha’ são prática comum naquela assembleia, não duvidando que foram esse tipo de práticas que permitiram a Bolsonaro manter, ao longo da sua carreira política de cerca de 30 anos, um estilo de vida considerado de “luxo”, que incluiu educação para os filhos no exterior.

“Bolsonaro não tem nada em concreto que as pessoas possam dizer nitidamente que ele está envolvido em casos de corrupção. Contudo, não é preciso ser-se muito inteligente e atento para ver uma coisa: Bolsonaro, enquanto deputado, tinha um salário de cerca de 30 mil reais (4.800 euros, no câmbio atual). Como é que uma pessoa, mesmo estando 30 anos na política, consegue manter aquele estilo de vida no Rio de Janeiro, com cinco filhos?”, começou por questionar o empresário.

“Eu tenho um filho e sei quanto gasto por mês. Se fizermos as contas, a casa do Bolsonaro, na Barra da Tijuca, nunca custou menos de quatro ou cinco milhões de reais (640 mil a 810 mil euros), mesmo comprada há muitos anos. Como é que uma pessoa consegue, com 30 mil reais por mês, sustentar uma família com todos os luxos que sempre sustentou, como filhos a estudarem na Europa e nos EUA? Fazendo as contas, é impossível o salário dele dar para tudo. Toda a gente sabe que a situação das ‘rachadinhas’ é pratica comum na Alerj”, advogou o português.

Gonçalo Carvalho explicou como funcionam esses esquemas na Alerj: “Todos os políticos têm direito a 10, 12 ou 15 assessores, cujo salário ronda os 15 a 20 mil reais (2.400 a 3.200 euros). Dois assessores são suficientes para fazer todo o trabalho, ou seja, colocam quatro ou cinco assessores para trabalhar, e sobram 10. Esses 10 postos são atribuídos à empregada doméstica, ao jardineiro…e, claro, dão-lhes uma ‘guloseima’ e ficam com o salário deles. Mas isso é prática comum, não é só com o Flávio Bolsonaro”.

“O que o Flávio fez, foi o que o pai fez toda a vida. Portanto, quando Bolsonaro bate no peito e diz que não é corrupto, teve foi sorte de nunca ninguém ter conseguido arranjar uma prova cabal, porque não era interesse de ninguém que isso fosse descoberto, porque muitos outros políticos passariam a ser descobertos, mas se esmiuçassem muito, chegariam no Bolsonaro”, assegurou Gonçalo.

Nos dois anos que Bolsonaro leva de governo, o emigrante português consegue ver na questão da segurança o único aspeto positivo no atual executivo, porque é a única política que teve impacto direto no seu dia-a-dia.

Gonçalo Carvalho, que reside num bairro perto da famosa comunidade da Rocinha, garante que nunca foi assaltado, nem assistiu a nenhum roubo, asseverando que quase se sente mais seguro no Rio de Janeiro do que em Portugal, muito devido ao aumento do policiamento nas ruas.

No lado oposto, dos que continuam a apoiar incondicionalmente Bolsonaro, encontra-se o jornalista Felipe Mendes, responsável pelo semanário Portugal em Foco, que recusa qualquer acusação de corrupção contra o atual mandatário.

“Não me arrependi, de maneira nenhuma, porque é um governo que está a tomar conta do país, que está há dois anos sem um caso de corrupção. O que temos é uma imprensa dando cacetadas sem parar no governo. O executivo faz uma série de coisas que não são noticiadas e ficam a procurar coisas de há 10 ou cinco anos para ‘bater’ em Bolsonaro, mas não há um único caso de corrupção no governo”, disse à Lusa Felipe, relativizando o caso das transferências de dinheiro de Queiroz para a mulher do Presidente.

“Por exemplo, a economia brasileira cresceu 7,7% no terceiro trimestre, é ruim? É muito bom, e a imprensa ficou criticando. Queriam que crescesse quanto? 30%, numa pandemia? Na minha visão, parte da imprensa não consegue fazer um elogio sequer. Bolsonaro está a terminar obras de estradas, de ferrovias, e a única coisa que fazem é atacar, dizendo que o Queiroz, há muito tempo, depositou 89 mil reais na conta da Michele Bolsonaro. São coisas, a meu ver, ridículas. Ridículo como a imprensa perde tempo com isso”, argumentou o jornalista português.

Felipe não vê em Bolsonaro “um estadista, mas sim um cidadão comum, que está a tentar levar o país para a frente”.

O português fez questão de reforçar que o mandato do atual executivo ainda está a meio, mas garante que “se não aparecer ninguém melhor”, o seu voto ficará novamente com Bolsonaro em 2022, em caso de recandidatura.