O “período de nojo” para exercer funções no Banco de Portugal (BdP), aprovado pelos deputados, foi votado já depois de Mário Centeno passar de ministro das Finanças a governador em 36 dias, e acabou por excluir cargos políticos.

No dia 30 de setembro, os deputados da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do parlamento aprovaram a fixação de um “período de nojo” de três anos entre o exercício de funções na banca comercial e cargos no Banco de Portugal, chumbando a proposta que abrangia cargos políticos.

A votação foi confirmada em plenário, e não incluiu propostas do PAN e do PSD para que também fosse existisse um limite temporal entre o exercício de certos cargos governativos (primeiro-ministro e os relacionados com as Finanças) e funções de administração no BdP.

A proposta aprovada seguiu-se a vários meses de debate político desencadeado pelo PAN, que em maio apresentou um projeto para alterar as regras de nomeação do governador e administradores do BdP.

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O partido pretendia então que as novas regras se aplicassem à nomeação que tinha de ser feita de um novo governador, que viria a ser Mário Centeno, mas a maioria parlamentar opôs-se a uma “lei feita à medida”.

O Banco Central Europeu (BCE) considerou que o projeto de lei do PAN “não colide com o requisito de independência do banco central”, mas não deixou de o considerar “um pouco vago”.

O BCE pronunciou-se sobre o tema na sequência de um pedido do deputado do PSD Duarte Pacheco, que solicitou um parecer com caráter de urgência acerca da legislação proposta pelo PAN.

No final de junho, a Assembleia da República tinha suspendido por quatro semanas a apreciação na especialidade do projeto do PAN que alterava os critérios de nomeação do governador do BdP, precisamente até chegar o parecer requerido ao BCE.

Em 17 de junho, o primeiro-ministro, António Costa, comunicou ao parlamento a proposta do Governo de nomear Mário Centeno (ministro das Finanças de governos PS entre novembro de 2015 e junho de 2020) para o cargo de governador, tendo entrado em funções em 20 de julho.

Vários partidos apresentaram projetos e objeções ao processo, no sentido de alterar as regras de nomeação da direção do BdP, mas sem conseguir impedir a passagem direta de um cargo para outro.

No processo, o PS saudou o PSD por recusar uma “lei com fotografia” contra a então eventual nomeação de Mário Centeno para governador do BdP, apesar de não concordar com a escolha.

O CDS-PP pediu uma audição do putativo governador apenas depois de conhecido o parecer do BCE, o que não aconteceu, acusando ainda o Governo de viciar o sistema, ao passo que o BE considerou que Centeno não era a pessoa indicada para o cargo, dando como exemplos os processos Novo Banco e Banif.

O porta-voz do PAN, André Silva, acusou o Governo de ter demonstrado “teimosia” ao indicar o ex-ministro das Finanças Mário Centeno para governador do BdP e assim contrariar “o sentimento geral do parlamento”.

Já o PCP considerou que Mário Centeno não assegura o papel de “Banco Central Nacional” que a instituição deve ter, já que “mais do que a questão da pessoa A ou da pessoa B, é importante garantir que o Banco de Portugal não continua a ser uma mera sucursal do Banco Central Europeu e sujeito a todas as imposições do Tratado Orçamental, da União Bancária”, disse o deputado Duarte Alves.

Durante a audição a Mário Centeno no parlamento, no dia 08 de julho, a Iniciativa Liberal anunciou uma providência cautelar para que fosse impedida a nomeação de Centeno antes da conclusão do processo legislativo parlamentar sobre o tema.

No dia 14 de julho, o Supremo Tribunal Administrativo rejeitou a providência cautelar da Iniciativa Liberal, manifestando-se incompetente para apreciar este “ato político”.

Mário Centeno acabou por ser empossado governador no dia 20 de julho, numa cerimónia no Ministério das Finanças, sua anterior ‘casa’, 36 dias depois de ter cessado funções como ministro (15 de junho).

Desde o final da anterior legislatura que o tema da possível nomeação de Mário Centeno para o cargo de governador era um assunto frequente da vida política nacional.

Mário Centeno nunca confirmou ou desmentiu claramente a sua vontade, acabando por suceder a Carlos Costa, depois de este ter anulado o concurso para cargo de diretor de Estudos Económicos da instituição, em 2013, a que Centeno se tinha candidatado depois de vários anos como diretor-adjunto.