Quanto mais ambiciosos em aparato e em “mensagem” os filmes realizados por George Clooney se tornam, piores são. Depois do medíocre “Monuments Men — Caçadores de Tesouros” (2014), e de um “Suburbicon” (2017) de juntar por números, temos agora “O Céu da Meia-Noite”, uma ficção científica apocalíptica cruzada de dramalhão familiar rodada para a Netflix, e na qual o investimento visual, a sofisticação técnica e a espectacularidade estão na razão inversa do simplismo dramático e do langor e da presunção narrativa. Apesar de metade do enredo se desenrolar no cosmos e da personagem de Clooney passar o tempo a olhar para o alto, “O Céu da Meia-Noite” tem mão lerda e pés de chumbo.

[Veja o “trailer” de “O Céu da Meia-Noite”:]

Exibindo uma barba de profeta bíblico que supostamente confere gravidade à personagem, George Clooney interpreta um astrónomo chamado Augustine Lofthouse. Estamos algumas décadas no futuro e Augustine, que sofre de uma grave doença, está sozinho num remoto observatório no Ártico, do qual toda a gente foi evacuada por causa de uma catástrofe ambiental que atingiu a Terra e que nunca é especificada. O astrónomo não só descobre que uma menina muda chamada Iris (Caiolinn Springhall) foi esquecida na evacuação, como também que há uma nave que está de regresso a casa após ter explorado um planeta habitável que Lofthouse descobriu quando era jovem, e cujos tripulantes ignoram a tragédia que está a suceder na Terra (entre eles consta a lindíssima e subaproveitadíssima Felicity Jones).

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“O Céu da Meia-Noite” passa então a alternar entre o nosso planeta e o espaço. Cá em baixo, Lofthouse e a menina desafiam a neve, os gelos e as temperaturas abaixo de zero para chegarem a uma antena que lhes permitirá comunicar com a nave (e o nosso herói, apesar de idoso e doente terminal, consegue sobreviver a uma queda na água gelada e a uma noite ao relento batido por ventos ululantes), enquanto que lá em cima, os tripulantes do engenho enfrentam vários lugares-comuns do “space movie”, o mais descarado dos quais é a chuva de meteoritos quando alguns astronautas estão a fazer reparações no casco e nas antenas e radares. Cada uma das situações distrai-nos da outra, tão pouco coeso é o argumento, como se fossem dois filmes diferentes colados um ao outro.

[Veja uma entrevista com George Clooney:]

Quer a jornada ártica de Lofthouse e Iris, quer a aventura da nave que retorna à Terra moribunda, estão indubitavelmente bem encenadas. Só que se encontram ao serviço de clichés fatigados da ficção científica distópica (o desastre ecológico global, a corrida contra o tempo para encontrar um planeta onde a humanidade possa sobreviver), e de uma historieta de remorso e redenção pessoal do mais rasamente estereotipado e lacrimal (o “twist” do filme é de bradar aos céus de tosco). Tudo isto já foi muito mais bem feito antes, em termos de conceção da história, sofisticação e racionalização científica, comoção dramática e  elaboração visual por Christopher Nolan em “Interstellar”. Ao pé do qual “O Céu da Meia-Noite” faz figura de sucedâneo remendão e choramingas.

O Céu da Meia-Noite” está em exibição na Netflix a partir de quarta-feira, dia 23