Parece um argumento típico de um bom livro de suspense. Escritores de todo o mundo recebem e-mails, que parecem ser dos seus editores, a pedir o envio dos manuscritos dos seus projetos literários ainda inacabados. Sem desconfiar, os autores anexam os rascunhos e encaminham-nos. Só que quem enviou os e-mails não foram os editores — foi alguém que se fez passar por eles, relata o New York Times.

O maior plot twist é que não acontece nada aos manuscritos enviados a alguém que os escritores desconhecem. Não são vendidos no mercado negro, não vão parar à dark web, nem sequer há um pedido de vários milhões em troca da sua devolução. Nada. E mais: ninguém sabe quem está por detrás deste esquema de phishing que afeta desde autores reconhecidos, como Margaret Atwood, a escritores estreantes.

“Parece que ninguém sabe quem está por detrás disto […] e isso é alarmante”, afirma Daniel Halpern, que já recebeu e-mails destes (sendo que também já se fizeram passar por ele). Outro exemplo foi o de James Hannaham. O escritor recebeu um e-mail, numa caixa de correio que raramente usa, que parecia ser do editor Ben George a pedir o manuscrito do seu livro “Re-Entry”, agora já publicado. Hannaham decidiu enviá-lo. Dois dias depois Ben George respondeu: “Não fui eu que pedi”.

A artimanha está bastante bem montada e deverá ter sido realizada por alguém com conhecimento no meio literário, de acordo com Catherine Eccles, dona de uma editora de livros britânica: “Eles sabem quem são os nossos clientes e sabem como é que nós interagimos com eles”. Os e-mails também possuem truques, que passam muitas vezes despercebidos e que tornam a fraude mais credível. Por exemplo, quando um endereço de e-mail tem um m, os autores do esquema de phishing utilizam um rn. “Eles são muito, muito bons”, destaca Catherine Eccles.

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Estes e-mails já começaram a circular há pelo menos três anos e são enviados a autores famosos (como a autora de “The Handmaid’s Tale” Margaret Atwood ou Ian McEwan) e a escritores poucos conhecidos, o que gera ainda mais mistério: “Se os alvos fossem apenas autores como John Grishams ou J.K. Rowling poder-se-ia chegar a uma teoria”, disse Dan Strone, chefe-executivo da agência literária Trident Media Group.

E este fenómeno atinge escritores de vários países, como a Suécia, Israel, Itália e até de Taiwan. Recentemente, no entanto, o foco tem estado sobre os escritores norte-americanos — tendo havido um boom desta atividade antes da feira do livro de Frankfurt.

Apesar de não haver qualquer consequência associada ao envio dos manuscritos, editores e os escritores sentem-se desconfortáveis com o facto desconhecido de alguém ter acesso ao seu projeto. James Hannaham sentiu-se “violado”. “Eu não quero que ninguém saiba o quão maus eram os meus rascunhos iniciais”, diz.

E nenhuma teoria parece resolver a questão. Uma aponta que o esquema de phishing tem como objetivo roubar o manuscrito para vendê-lo a leitores ávidos da sua leitura — mas não houve, até agora, qualquer confirmação do sucedido. Outra dá conta de que os manuscritos vão parar à dark web — mas ainda nenhum foi encontrado lá.

Por agora, está tudo em aberto — e nem os escritores sabem que final é que a história vai ter.