Por volta de 1977, já reunira material suficiente para um livro, e assim aconteceu, com o mesmo nome da tendência lançada por Paige Rense dois anos antes. “Celebrity Homes” resumia esse hábito cujos portas se abriram de par em par na Architectural Digest quando assumiu as rédeas das decisões: a publicação passava a dar destaque às apetecíveis casas das celebridades. Estrelas de Hollywood, rostos da política e ícones pop satisfaziam a curiosidade de milhares e ajudavam a converter aquele que nascera como um modesto periódico a preto e branco baseado em Los Angeles numa montra do design de interiores seguida por milhões em todo o mundo.

A influência da AD, as iniciais que chegam e sobram para identificar o título, chegou a tal ponto que não faltaram nomes a tentar subornar Paige Rense para verem as suas mansões publicadas. A história é feita de recusas e algumas negas a ilustres — uma delas chegou mesmo a valer ameaça. A mais famosa envolve o nome do bilionário Malcolm Forbes, que não terá sido especialmente simpático quando a editora rejeitou dar espaço à sua morada em Marrocos. No fim de contas, a Arch Digest acabaria por acomodar nas suas folhas oito propriedades de Forbes, que se tornaria um bom amigo de Rense.

Conhecida como a “arquiduquesa da decoração”, Rense morreu de um problema relacionado com o coração no primeiro dia de 2021, aos 91 anos, na sua casa em West Palm Beach, Florida, por si decorada tendo o conforto como prioridade sobre “o estilo ou a época”, haveria de assinalar em entrevista. A notícia foi avançada pelo The New York Times, que recorda os cerca de 40 anos da jornalista ao leme da Arch Digest, desde a sua estreia na casa, em 1970, até ao título de editora emérita, no rescaldo da saída, em 2010.

© Architectural Digest Archive

De Candice Bergen a Georgia O’Keeffe, de Valentino a Barbra Streisand, de Edward Kennedy ao rei Hussein da Jordânia, o público não se limitou a espreitar pela fechadura ou a salivar por mais um parágrafo efémero nas colunas do social: acedeu antes a conteúdos marcados pela escrita apurada, muita dela com selo de qualidade de Pulitzer, e pelas imagens dos mais prestigiados fotógrafos — e sem que o interesse pelos famosos esmagasse o permanente foco na arquitetura e no design, as traves mestras desta crónica do estilo ao longo das décadas.

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“Queria que a perspetiva do designer fosse exprimida pelo fotógrafo, não por mim”, defendia, explicando ao mesmo tempo porque nunca enviava editores ou stylists para as produções, permitindo antes a colaboração direta entre os autores das imagens e os arquitetos ou designers”.

© Architectural Digest Archive

Em 1981, uma visita em exclusivo à Casa Branca, em tempo de consulado Reagan, cimentava em definitivo o tom da bíblia do gosto e elevava a fasquia das vendas. Chegados a 2010, mais um sucesso a bater recordes. A visita guiada à residência em Beverly Hills da atriz Jennifer Aniston, desenhada por Stephen Shadley, aguentou pouco nas bancas, de onde voaram 120 mil cópias, numa época de convulsão para os títulos impressos.

Com Paige no comando, o preconceito estético não passava da ombreira. “A casa de praia ao estilo Maia que Ron Wilson desenhou em Malibu para Cher era tão importante como a requintada residência parisiense, recheada de arte, de Yves Saint Laurent e Pierre Bergé“, recordava em 2018 a Introspective.

A capa de março de 2010, com Aniston a abrir a porta da sua nova casa em Beverly Hills © Architectural Digest Archive

Semelhante reflexão partilha com a AD o arquiteto Lee Mindel depois da notícia da morte de Rense: “o mundo da arte, da arquitetura do paisagismo, do design, perderam um dos seus membros fundadores…ela criou do zero um portal que documentaria uma larga variedade de design aspiracional que refletiu o clima social e político através das lentes de grandes fotógrafos e das palavras de escritores conceituados”.

O improvável trajeto de Patty Lou Pashong e um século em livro

De influência incontornável, talvez os primeiros anos de vida contrariassem as probabilidades de triunfo. Nascida em 4 de maio de 1929, originalmente conhecida como Patty Lou Pashong, Rense foi adotada ainda criança por Lloyd R. Pashong e a sua mulher Margaret May Smith e assumiu o nome Paige já adolescente. Viveram em Des Moines até começo dos anos 40, quando o clã se mudou do Iowa para Los Angeles. Chegada aos 15 anos, Paige fugiu de casa para trabalhar em salas de cinema a indicar os lugares. Com os estudos deixados também pelo caminho, estreou-se no jornalismo em meados dos anos 50 como parte da equipa editorial da revista sobre mergulho Water World, então chefiada pelo seu futuro marido, Arthur F. Rense.

40th Annual Winter Antiques Show

Paige Rense em janeiro de 1994, em Nova Iorque © Getty Images

É em outubro de 1970 que Rense se torna editora da Architectural Digest, alcançando a posição mais elevada na revista, cinco anos depois, na sequência do homicídio do diretor Bradley Little, cargo que manteve até à sua retirada. Para a história fica a metamorfose brutal da publicação fundada em 1920, com um incremento na circulação de 50 mil para 850 mil sob a sua liderança. Mensalmente, 5.4 milhões em todo o mundo seguem os conteúdos da AD. Números que em 2018 justificavam uma edição especial da Rizzoli, contando com a participação de Paige Rense, que revia a história da Architectural Digest, da sua fundação, em 1920, à sua compra pelo grupo Condé Nast, passando por muitas capas icónicas, quase sempre despojadas de letras, com a primazia total concedida aos ambientes.

Uma capa de janeiro de 1982, na casa da socialite Lee Radziwill. A foto é de Derry Moore  © Architectural Digest Archive

A perseverança da antiga editora é evidente em “Autobiografia de uma Revista”, o volume que recua a The Architectural Digest, a primitiva versão da AD, lançada por John C. Brasfield, um empresário apaixonado pela arquitetura e design californianos. As propriedades elencadas eram quase sempre concebidas por arquitetos como Wallace Neff, George Washington Smith, Paul R. Williams e Cliff May e os nomes dos respetivos donos eram idênticos aos dos letreiros dos cinemas: Buster Keaton, Louis B. Mayer, GregoryPeckou Doris Day. Menos dicas para reproduzir em cada lar, mais inspiração, era o mote de Brasfield. Depois da sua morte, em 1962, a empresa foi comprada pelo seu neto Cleon T. “Bud” Knapp, que a rebatizou de Knapp Communications.

No livro, Rense recorda trabalhos como o acesso au refúgio em Mustique da princesa Margarida © Architectural Digest Archive

Tendo chegado à revista na década de 70, com pouco ou nenhum background, Rense começou por se apresentar aos designers de topo de ambas as costas do país e rapidamente começou a semear a visão que pretendia para a AD. Acrescentou cada vez mais interiores internacionais, como o apartamento de Paris de Coco Chanel, bateu-se por mais orçamento para poder contratar colaboradores de peso, e conseguiu artigos exclusivos como o acesso à casa de Manhattan do designer Angelo Donghia, cuja aprovação garantiu a adesão de outros profissionais da área, que acabariam por antecipar a Rense as suas novidades.

© Rizzoli

Em 1993, o grupo Condé Nast Publications adquiria à Knapp a Architectural Digest, bem como a sua “irmã” Bon Appétit, também ela modernizada com o dedo de Paige Rense, cuja preocupação com os direitos dos animais levou a que fossem banidos da AD troféus de caça ou carpetes em pele. A mesma AD que chegou a publicar nas suas páginas, sem que o público soubesse a quem pertenciam, três das casas da própria Rense, incluindo a que dividia com o atual marido Kenneth Noland, no Maine. A revelação foi apenas feita quando saiu a edição da Rizzoli.