O momento do debate entre André Ventura e Vitorino Silva chegou, curiosamente, quando os microfones já estavam desligados: o segundo a entregar pedras de várias cores que tinha recolhido na praia, como símbolo da necessidade de acolher todos e de derrubar muros, e uma crítica implícita ao programa do Chega. Ventura, sorridente, agradeceu o gesto. Ninguém saiu insatisfeito do debate.

Vitorino Silva não saiu porque conseguiu a exposição política que pretendia. Repetiu algumas metáforas que vem ensaiando, falou de António Guterres, a quem deve o seu primeiro minuto de fama, jurou que só ele era o candidato do povo e ainda se atreveu a colar André Ventura ao sistema que quer preservar o monopólio de acesso à política e ao poder.

Concordou com o candidato do Chega no que à redução do número de deputados diz respeito e evitou falar da polémica que envolve a ministra da Justiça (“cada macaco no seu galho”). Passando de macaco para burro ainda decidiu interromper as tiradas de Ventura sobre a comunidade cigana.

“Os ciganos não são burros, são pessoas. Há muita gente que queria uma oportunidade e não tem. Há ciganos que pedem emprego e não lhes dão porque são ciganos.”

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“Há um problema com a etnia cigana que o Estado não quer aceitar que há”, continua Ventura.

“É mais fácil prender um cigano”, interrompe Vitorino Silva.

“Há um estigma em relação à comunidade cigana”, acrescenta o moderador.

“Que eles ajudam a criar”, insiste Ventura.

Já André Ventura aproveitou grande parte dos 30 minutos de debate para fazer uma viagem rápida sobre os temas que lhe são caros: as inspirações de Marine Le Pen e Matteo Salvini, o futuro da direita (“sem o Chega e sem o PSD não haverá maiorias de direita em Portugal”), sobre Marcelo Rebelo de Sousa (“está completamente desacreditado à direita”) ou de Francisca Van Dunem. “Esta ministra da Justiça não tem condições para continuar no Governo.”

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E, claro, não esqueceu o tema dos ciganos, que sugeriu viverem à margem das regras da sociedade e que acusou de se alimentarem de subsídios entregues pelo Estado enquanto têm Mercedes à porta.Alguns ciganos? Todos? Uns quantos? Ventura nunca chegou a concretizar. E mesmo quando Vitorino Silva disse existir um estigma em relação a essa comunidade, que, em muitos casos, alimenta um ciclo vicioso de exclusão social, Ventura apressou-se a dizer: “Um estigma que ‘eles’ ajudam a criar”. Estava ganho o dia para Ventura — continuou a construir o seu caminho junto do seu eleitorado.

Quanto ao mais, não houve muito. Se Vitorino Silva não esqueceu António Guterres, André Ventura suspirou por Pedro Passos Coelho. Por duas vezes o líder do Chega referiu o antigo primeiro-ministro (“meu amigo”, assumiu Ventura) e voltou a deixar no ar o desejo de um regresso. Ventura parece precisar de Rio mas não consegue esquecer Passos Coelho.

Para já, são as presidenciais e, depois de um confronto aos gritos com João Ferreira, do PCP, teve agora um debate feito à medida — sem contraditório. Ou, como chegou a classificar o próprio Vitorino Silva, foi um “debate porreiro”.