Houve jogos de equipas da Premier League frente a equipas da Premier League – em alguns casos apenas de nome, como aconteceu com o Aston Villa, que defrontou o Liverpool com uma equipa de elementos da formação depois de uma série de casos positivos de Covid-19 no conjunto principal que encerrou as atividades. Houve jogos de equipas da Premier League com equipas do Championship, uma oportunidade para quem está no segundo escalão mostrar que também tem valor para chegar ao topo. Depois, e no final desta terceira eliminatória da Taça de Inglaterra, havia o verdadeiro duelo entre David e Golias com o Tottenham de José Mourinho a defrontar o Marine, do equivalente ao oitavo escalão do futebol inglês. Mas nem por isso faltou alguma coisa… dentro do género.

Ao contrário do que acontece no moderno e recentemente inaugurado Tottenham Hotspur Stadium, os jogadores do técnico português não tiveram qualquer tipo de luxo e foram mesmo equipar-se em zonas preparadas para o efeito entre as quais o bar do próprio estádio, que há muito que tem as 300 cadeiras disponíveis vazias e que de quando em vez é alugado para casamentos e batizados como forma de encontrar mais fontes de receita. “Somos um clube da comunidade cheio de caráter e história composto por voluntários. Vamos fazer de tudo para que nada falte ao Tottenham”, comentou o presidente do Marine, Paul Leary, antes do histórico jogo deste domingo para o qual foram preparadas “marmitas cinco estrelas” para os jogadores do Tottenham por parte de voluntários.

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O clube é humilde, a receção tornou-se quase principesca (dentro do possível) mesmo tendo consciência que muito dificilmente poderia haver a festa registada na segunda ronda, no triunfo após prolongamento com o Havant & Waterlooville, em que um jogador foi comprar cervejas ao supermercado mais perto e a Budweiser decidiu dar ao clube mais tarde um frigorífico cheio para que nada faltasse, mas a diferença de valores era grande. E as equipas de Liverpool também deram uma ajuda: o Everton cedeu as suas instalações para dois treinos, o Liverpool forneceu algumas informações ao treinador Neil Young e adeptos de ambos os clubes marcaram presença nas ruas próximas do pequeno recinto para saudarem a passagem da equipa sonhando com uma surpresa “impossível”.

“Informações do Liverpool? São vizinhos e tenho a certeza de que existe uma relação emocional. Só mostram respeito e mentalidade de equipa grande. Eles vão querer defrontar os jogadores que estão habituados a ver na TV e com quem sonharam partilhar o campo. Devemos-lhes isso”, comentou José Mourinho a propósito do jogo mais desigual de sempre em Inglaterra entre uma equipa do primeiro escalão e outra do oitavo. E o português também entrou na “festa” antes do apito inicial: por forma a minimizar a dívida de 110 mil euros projetada e que não poderia ser abatida com a presença de público nas bancadas e até mesmo nos arredores, o Marine colocou à venda bilhetes virtuais de dez libras em forma de rifa e o técnico do Tottenham comprou uma. Prémio possível? Treinar a equipa num encontro particular. No final, foram mais de 30.000 ingressos vendidos, o triplo do objetivo.

Mesmo sem público, houve festa. Houve mesmo festa, no exterior do estádio onde se juntaram várias dezenas de pessoas, e no (mau) relvado, com o Marine a tentar fazer uma surpresa e o Tottenham a levar o máximo possível o jogo a sério. Dier, Reguilón, Höjberg, Ndombelé, Son, Bale ou Harry Kane não foram titulares mas Mourinho não abdicou de figuras como Alderweireld, Ben Davies, Sissoko ou Doherty na equipa e deu oportunidade a elementos como Gedson Fernandes, Dele Alli, Lucas Moura ou Carlos Vinícius, com os brasileiros a aproveitarem da melhor forma esses minutos: já depois de uma bola na trave de Kengi, num golo que seria histórico e em que Joe Hart confiou em demasia no golpe de vista (20′), Vinícius inaugurou o marcador num lance onde até falhou o primeiro remate (24′), bisou numa recarga após defesa incompleta de Passant (30′), viu o compatriota fazer o 3-0 de livre direto (32′) e completou o hat-trick com um bom remate em arco na área antes do intervalo (37′).

Havia algumas pessoas ainda pelo recinto, muitos curiosos a ver o encontro da parte de fora do estádio nos prédios circundantes e até um adepto que se fez acompanhar de um Jürgen Klopp de papel. Nos bancos, colocados quase lado a lado, Neil Young tirava notas num pequeno bloco ao passo que José Mourinho, de gorro e mãos nos bolsos, assistia ao encontro sentado no banco quase como se fosse um adepto. E a segunda parte seria menos entretida do que a primeira, tendo como grande figura Alfie Devine, jovem jogador de 16 anos que foi lançado pelo treinador português ao intervalo e que fechou as contas da goleada em 5-0 a meia hora do fim. Se o jogo teve pouca história, o dia especial no futebol inglês multiplicou-as. E, dentro do possível, fica uma festa bonita para recordar.