Duas “realidades alternativas” entram num estúdio. Marisa Matias e Tiago Mayan Gonçalves debateram esta noite na SIC Notícias, onde falaram para dois eleitorados diferentes e vincaram as suas diferenças. Primeiro na saúde, no modelo do SNS e nas medidas do confinamento, depois na legislação laboral, na TAP, na política fiscal e na banca. Em nada se entenderam, mas também não era esse o objetivo.

O momento mais aceso foi quando discutiam o que deve ser o modelo ideal de Serviço Nacional de Saúde. Marisa Matias defendia um maior investimentos no SNS atual e acusava Tiago Mayan de querer uma resposta de mercado em que os privados pediam “13 mil euros por doente na primeira vaga da pandemia”, e terminaria com uma pergunta direta: “Sabe o que é que quer dizer a sigla ADSE?”. Silêncio. Tiago Mayan Gonçalves não saberia a resposta e deu uma volta redonda ao tema. Marisa Matias poderia ter usado aquele trunfo para fazer um knock out, mas não o fez.

Não era esse o seu objetivo. O objetivo era debater ideias e mostrar os diferentes mundos em que vivem — e que preconizam. Tiago Mayan Gonçalves, candidato apoiado pelo Iniciativa Liberal, defende o acesso universal aos cuidados de saúde mas não o atual modelo do SNS que, no seu entender, é um “sistema de castas” que perpetua as desigualdades. “Este SNS agrava as desigualdades sociais porque permite castas no acesso à saúde, permite que os funcionários públicos com ADSE e as pessoas que têm dinheiro para seguros de saúde tenham acesso à oferta completa (público e privado), e os que não têm dinheiro ficam nas listas de espera, e morrem nas listas de espera”, disse.

ADSE quer dizer “Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado”, esclareceu Marisa, apontando que há uma contradição no discurso dos liberais, que defendem o alargamento da ADSE mas tal significaria alargar as contribuições e isso, para um liberal, seria “um colossal aumento de impostos”. Marisa disse que Mayan quer pôr a ADSE a financiar o SNS, enquanto Mayan disse que o que quer é que os utentes possam escolher o seu prestador de saúde e financiá-lo. Na saúde, portanto, não se entendem.

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Seguiu-se o trabalho. Marisa Matias lembrou a legislação laboral da troika, e do governo de Passos Coelho e Paulo Portas, que apelidou de “políticas liberais”, afirmando que foram essas políticas que provocaram o desemprego e a emigração em larga escala, e Mayan Gonçalves acusou-a de criar uma “realidade alternativa”. “Nos últimos 25 anos, em 19 foram os socialistas que estiveram no poder”, disse Mayan Gonçalves, sublinhando que se Portugal é um país com desigualdades sociais vincadas não é certamente pelas políticas liberais — aliás, “nunca houve políticas liberais aplicadas neste país”, vincou.

Ficção ou realidade? Para Marisa Matias era Mayan quem estava a criar a história de ficção paralela. “História alternativa é esquecer que meio milhão de portugueses tiveram de emigrar por causa de políticas liberais”, disse.

Mais Estado ou menos Estado, segurar a TAP ou deixar cair, segurar os bancos ou deixar cair. O debate foi por aí fora, em duas pistas próprias. Marisa dizia que a Iniciativa Liberal “gosta de falências e não se importa que milhares de pessoas vão para o desemprego”, e Mayan dizia que decretar um processo de insolvência não significa “despedir toda a gente, queimar aviões e deitar tudo ao lixo”. Significa apenas reabilitar uma empresa, se a empresa for viável. Nem o argumento da “companhia de bandeira”, exportadora e estratégica, o convenceu, com Mayan Gonçalves a dizer que não há companhias de bandeira na Europa a não ser em Itália. “A Lufthansa não é uma companhia de bandeira, a British Airwais não é, a Ibéria não é”, disse.

Só na banca os dois concordam que a solução não é enterrar 21 mil milhões de euros na banca, como o que tem sido feito desde 2008. Marisa Matias diz que o Novo Banco foi “convertido num poço sem fundo” e Mayan diz que o dinheiro que foi injetado no BES teria servido melhor se tivesse sido injetado “nas pequenas e médias empresas”. “Estamos num país em que não há too big to fail”, disse. Já quanto ao debate, era too different to fail.