O diretor da Human Rights Watch (HRW) para a África Austral disse esta quarta-feira que o conflito em Cabo Delgado tem potencial para “engolir” toda a região, considerando que não “está a ser feito o suficiente” para o travar.

A instabilidade em Cabo Delgado é uma grande preocupação, não apenas para a região, mas porque há um risco de a crise alastrar a outros países e, eventualmente, engolir toda a região da África Austral”, disse Dewa Mavhinga.

O diretor da HRW para o sul de África respondia a uma pergunta da agência Lusa durante a apresentação da edição anual do relatório sobre os direitos humanos no mundo, numa sessão que decorreu ‘online’.

A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e a União Africana (UA) não estão a fazer o suficiente para assegurar que há apoio suficiente para acabar com a insurgência e defender os direitos das populações”, acrescentou.

Dewa Mavhinga disse ainda que a organização está a monitorizar e a investigar alegações de abusos sérios das forças armadas e de segurança moçambicanas na região.

São situações que estamos a monitorizar agora e também para o futuro. Será certamente uma área chave de interesse da HRW em 2021 dadas as perspetivas de uma crise humanitária e de direitos humanos na região”, sublinhou.

De acordo com o relatório anual da organização sobre a situação dos direitos humanos no mundo, divulgado esta quarta-feira a partir dos Estados Unidos, Moçambique registou, em 2020, uma degradação dos direitos humanos, sobretudo em resultado do conflito em curso na província de Cabo Delgado, no norte do país.

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A situação humanitária na província de Cabo Delgado agravou-se devido à insegurança e violência”, refere-se no documento, que analisou a situação dos direitos humanos em quase 100 países e territórios.

No relatório assinala-se que o grupo armado islamita Al-Sunna wa Jama’a continuou os seus ataques contra várias aldeias, “matando civis, raptando mulheres e crianças e queimando e destruindo propriedades”.

A HRW aponta, por outro lado, “abusos graves” das forças de segurança, incluindo “detenções arbitrárias, raptos, tortura, uso de força excessiva contra civis desarmados, intimidação, e execuções extrajudiciais”. No documento, a organização assinala a falta de atenção dos atores regionais e internacionais ao conflito naquela província moçambicana, onde se desenvolve o maior investimento multinacional de exploração de gás, e que está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 560 mil pessoas deslocadas.

Dewa Mavhinga abordou também a situação em Angola, onde, segundo disse, a pretexto das medidas de prevenção associadas à pandemia de Covid-19 foram cometidas graves violações de direitos humanos.

Em Angola, houve grandes desafios relacionados com a resposta à pandemia de Covid-19, mas também uso excessivo da força pelas forças policiais e falha das autoridades angolanas em responsabilizar aqueles que cometeram os abusos”, disse.

De acordo com o responsável da HRW, a organização está a investigar também o despejo de vendedores de rua em Luanda e o tratamento dado a manifestantes e ativistas nas províncias mais pequenas.

É um grande desafio e tem havido grandes fracassos por parte das autoridades. Por isso, continuaremos a sublinhar a necessidade de investigações sérias e responsabilização das forças de segurança, que têm cometido sérios abusos em Angola, mas também em Moçambique”, disse.

De acordo com o relatório, em 2020, as autoridades angolanas demonstraram dificuldade para “conter os abusos das forças de segurança do Estado implicadas em mortes e uso excessivo da força contra pessoas desarmadas”. O relatório denuncia ainda que, no contexto da pandemia de Covid-19, as autoridades continuaram a deter preventivamente “centenas de pessoas” por delitos menores, levando a uma elevada afluência diária de novos detidos às cadeias. Numa nota positiva, no documento assinalam-se os “progressos no respeito pelos direitos à liberdade de expressão e à manifestação”, recordando-se que o país “permitiu várias manifestações e marchas por todo o país”. Ainda assim, ressalva a HRW, a repressão contra manifestantes e ativistas pacíficos no enclave rico em petróleo de Cabinda continuou.