O que era mais do que esperado tornou-se esta quarta-feira certo e, mais uma vez, foi António Costa a dar a cara pelo Governo na hora de apresentar as novas regras para um confinamento geral em Portugal. Um regresso ao passado (mais precisamente a março e abril), quando o país esteve ‘fechado’ devido à chegada da pandemia. Agora, dez meses depois, como optou o primeiro-ministro por se dirigir aos portugueses?

“É o momento mais perigoso, mas também o momento de maior esperança quando hoje vimos uma senhora de 111 anos, num lar em Gouveia, a ser vacinada. Isso acalenta-nos a esperança de saber que será possível vencer esta pandemia.”

Uma boa e uma má notícia. Foi assim que António Costa começou a intervenção, com uma frase em que juntou a noção de estarmos a viver “o momento mais perigoso” da pandemia em Portugal e a palavra “esperança”. As vacinas e as mortes. Mais vacinas e mais óbitos. Tudo ao mesmo tempo, a ser vivido a cada minuto. Estas duas realidades não estão conectadas, obviamente, mas deixam um sentimento agridoce ao primeiro-ministro e à população.

“A mesma esperança que a vacina nos dá é a mesma que alimenta o relaxamento que torna mais perigosa esta pandemia.”

Ainda sobre a vacina, mais um desabafo do primeiro-ministro, já que o início da vacinação foi visto como um ponto de viragem, até em demasia.

“Não há cansaço que nos permita assumir esta dor coletiva de continuarmos a ter mais de uma centena de mortes por dia. Não é aceitável e temos de parar isto.

As mais de 100 mortes diárias deixam António Costa agastado e fez questão de o dizer (e mostrar) diversas vezes. “Não é aceitável” ou “temos de parar com isto” são expressões usadas pelo chefe do Governo para dramatizar sobre a necessidade de pôr fim a este flagelo e, por diversas vezes, apela ao sentido de comunidade dos portugueses.

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Não nos procuremos distrair com as exceções fixemo-nos na regra: cada um de nós deve ficar em casa” ou “Por uma vez, não percamos muito tempo a olhar para as exceções e concentremo-nos naquilo que é essencial: o recolhimento domiciliário, que cada um se proteja e proteja a saúde dos outros” 

E agora que chegou a hora de confinar, não há como voltar atrás. António Costa não o disse de viva voz, mas recordou o momento em que as regras foram apertadas, com estabelecimentos comerciais a serem obrigados a fechar às 13h00 ao fim de semana, e em que alguns supermercados colocaram em cima da mesa a possibilidade de abrir mais cedo. Na altura, o Governo cortou o mal pela raiz e, agora, já para travar possível ideias, deixou bem claro que exceções são mesmo exceções e que a regra é ficar em casa.

“As regras são essencialmente as mesmas que vigoraram em março e abril, com uma exceção que se prende com o calendário democrático das eleições presidenciais.”

E se em março e abril os portugueses levaram o confinamento muito a sério, Costa espera que o voltem a fazer e recorda esses tempos. É quase um apelo: estamos ainda piores, precisamos que levem a sério estas novas medidas. Esta comparação tem esse objetivo: apontar um paralelismo com o confinamento da primeira vaga que leve as pessoas a cumpri.

Todas as coimas previstas por violação de qualquer uma das normas relativas à medida de contenção — como não utilização de máscara na rua ou cumprimento do teletrabalho — são duplicadas para que haja sinal claro de determinação.”

Se já o tinha mostrado na frase anterior, a duplicação de coimas só vem reforçar a ideia. A confiança no bom comportamento dos portugueses parece ter vindo a diminuir ao longo dos últimos meses e com provas de não cumprimento de regras. Há uma mudança no tmo.

Quando em abril anunciei o programa de desconfinamento de ter dito às pessoas que não teria nem rebuço nem vergonha de voltar atrás se e quando fosse necessário e aqui estou a dar a cara.”

António Costa chegou a dizer que Portugal não aguentava um novo confinamento do ponto de vista económico e social, possivelmente crente da afirmação, mas como primeiro-ministro teve de tomar uma decisão e faz questão de assumir a responsabilidade da mesma. Já tinha dito que voltaria atrás se fosse preciso e recordou-o esta tarde, para provar que, sendo algo pouco desejável, não é algo completamente fora do planeado.

A vida não tem preço e o preço que estamos a pagar com esta pandemia é absolutamente insuportável” e “O custo da vida humana não tem preço e nós atingimos um ponto onde não é possível hesitar relativamente ao que vamos fazer”

Estas duas frases têm uma ligação direta com a anterior. Costa voltou atrás no desconfinamento, o Governo volta a ter de tomar medidas mais rígidas para que os portugueses confinem, mas tudo por um bem maior: a vida de todos e de cada um.

“Quanto mais fortes as medidas forem, mais rapidamente produzem efeitos.” 

Como se costuma dizer: “O que tem de ser tem muita força.” António Costa concorda e, já que há medidas para tomar, que sejam fortes para que os efeitos sejam rápidos e eficazes, mesmo que isso traga um “efeito muito negativo” para economia, famílias ou finanças públicas, como o próprio primeiro-ministro admitiu que vai acontecer.

“Nada nos consente que nos comecemos a comportar-nos como se estivéssemos vacinados.”

Com um regresso ao tema das vacinas, aí está mais um alerta, no meio de tantos que foram feitos aos portugueses. Lá porque a vacina chegou, não quer dizer que estamos todos vacinados e muito menos que ajamos como se estivesse tudo bem.

A escola é um lugar seguro e essencial ao processo de aprendizagem. Sabemos bem os custos que as crianças sofreram com a interrupção da atividade letiva presencial. Não podemos sacrificar mais uma vez uma geração e um ano letivo.”

As escolas são uma das exceções no plano do novo confinamento e Costa parece fazê-lo quase com um pedido de desculpas às gerações que foram “sacrificadas” — palavra do primeiro-ministro — durante a primeira fase da pandemia, em que, apesar dos esforços dos professores e da telescola, não foi como estar na sala de aula. Por isso, as escolas ficam todas abertas.

Se todos fizéssemos isto de forma espontânea [menos contactos, mais isolamento] seguramente não estaríamos hoje aqui a dar este passo.”

Já mesmo a fechar a conferência de imprensa, António Costa fez questão de colocar a responsabilidade nos ombros de cada um e deixou uma certeza: se cada um tivesse feito a sua parte, Portugal provavelmente não estava a enfrentar a situação em que se encontra neste momento.