Manter os alunos na escola é uma discussão que se faz não só em Portugal, mas também em outros países do mundo. Governos, educadores e autoridades de saúde concordam que o ensino à distância tem um impacto negativo na aprendizagem e na vida dos alunos, mas as medidas para se manter a comunidade escolar e a população em segurança pesa no outro prato da balança.

O confinamento em Portugal, que se inicia esta sexta-feira, prevê que as escolas se mantenham abertas e que o ensino continue a ser presencial. Os exemplos do Reino Unidos, que quer substituir o isolamento dos contactos de risco por testes rápidos diários, ou dos Estados Unidos, que verificaram que os pólos universitários podem ser super-transmissores do vírus SARS-CoV-2, permitem perceber que riscos evitar nas próximas semanas.

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Reino Unido: os riscos dos falsos negativos nos testes rápidos

O Reino Unido quer implementar um esquema de testes rápidos (rapid lateral flow tests) quando os alunos regressarem às escolas em fevereiro. Esta estratégia prevê que a contenção dos surtos nas escolas seja feita com base nos testes rápidos e não com o isolamento dos contactos próximos (contactos de risco). Ou seja, os alunos que estiveram em contacto com um infetado mantém-se na escola e são testados diariamente ao longo de sete dias. Os alunos só serão enviados para casa se tiverem um teste positivo.

Um grupo de investigadores da Real Sociedade de Estatística britânica alerta, no entanto, que esta estratégia, sem isolamento profilático de contactos de risco, pode vir a aumentar a disseminação do vírus na escola, causando ainda mais perturbação no ensino, do que aquele causado pelo isolamento de prevenção de alguns alunos. A opinião do grupo dedicado à avaliação dos testes de diagnóstico para o SARS-CoV-2 na sociedade foi publicada, esta quarta-feira, na revista científica BMJ.

A estratégia proposta é, com efeito, usar os resultados negativos do teste INNOVA para permitir aos alunos continuarem na escola ao contrário da recomendação científica do MHRA [Medicines and Healthcare products Regulatory Agency]”, escrevem os autores no artigo.

A agência do medicamento britânica, o diretor-geral da Saúde britânico, a Organização Mundial de Saúde e outros especialistas recomendam, no entanto, que os testes rápidos com resultado negativo não sejam usados como forma de permitir o regresso às atividades normais, devido ao elevado risco de falsos negativos (infeções que não são detetadas). Os resultados positivos, pelo contrário, devem ser assumidos como tal.

Outra parte da estratégia britânica no regresso às aulas é testar a comunidade escolar duas vezes por semana na esperança de detetar casos assintomáticos ou pré-sintomáticos. “Usar os testes para identificar indivíduos infetados, isolá-los e prevenir que a transmissão continue é uma boa opção”, escrevem os autores. No entanto, os especialistas questionam-se se não haveria formas mais eficazes e rentáveis para conseguir resultados ainda melhores. Mais: os testes negativos podem conferir uma falsa sensação de segurança às pessoas testadas.

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Estes testes rápidos são muito menos sensíveis do que os testes PCR, logo não detetam quantidades pequenas de vírus, que podem, ainda assim, ser transmitidas pelos alunos. Os ensaios com doentes Covid-19 mostraram que estes testes identificaram 58 a 96% dos casos que eram detetados pelo teste padrão (teste PCR). O desempenho dos testes é pior quando é realizado por pessoas que não sejam profissionais de saúde, como vai acontecer nas escolas britânicas.

Os ensaios realizados com pessoas sem sintomas (como será o caso de muitos alunos) mostraram resultados ainda piores: apenas 29 a 52% dos casos numa escola de Liverpool e 1 a 16% dos casos na Universidade de Birmingham foram detetados. Estes testes rápidos falham na deteção de quantidades pequenas de vírus, como acontece nas fases iniciais da infeção (ou depois do pico da replicação do vírus). No momento em que o teste consegue detetar o vírus já os alunos estão infecciosos há cerca de dois dias.

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Alunos universitários que não cumprem medidas tornam-se super-transmissores

Os pólos universitários, pelo menos nos Estados Unidos, parecem funcionar como locais de super-transmissão, concluiu uma equipa investigadores da Universidade de Standford no artigo publicado na revista científica Computer Methods in Biomechanics and Biomedical Engineering. Para os investigadores, o ensino à distância, mas sobretudo o cumprimento das medidas de prevenção da transmissão do vírus são essenciais para ter um regresso seguro às aulas.

As primeiras duas semanas de aulas no início do ano letivo, nos Estados Unidos, representaram um período com elevado risco de surtos, tanto nos pólos universitários como nas comunidades envolventes, refere a equipa da Universidade de Standford.

A situação é especialmente problemática não só nos Estados Unidos — mas também no Reino Unido, dizem os autores —, porque os alunos vivem, normalmente, nas residências universitárias, onde o risco de contágio aumenta se não forem tomadas as devidas medidas de prevenção.

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Em 14 dos 30 pólos universitários estudados, o pico de infeções aconteceu nas duas semanas depois do início das aulas, com alguns locais a apresentarem mais de 1.000 casos por 100 mil pessoas durante um período de sete dias — contra os 70 e 150 casos por 100 mil registados, de forma global, na primeira e segunda vaga da pandemia nas universidades norte-americanas.

“O número de estudantes que ficaram infetados ao longo do outono [desde o início do ano letivo até à pausa letiva de inverno] é mais do que o dobro da média nacional desde o início do pandemia”, diz Hannah Lu, primeira autora do artigo e investigadora no programa de Engenharia de Recursos Energéticos da Universidade de Stanford. “Contudo, com cerca de 90 mortes reportadas em todo o país — principalmente funcionários universitários e não estudantes —, a taxa de mortalidade relacionada com os pólos universitários (0,02%) permanece bem abaixo da taxa média de mortalidade por Covid-19.”

Está cada vez mais claro que os surtos iniciais nas faculdades não estão relacionados com a dinâmica dos surtos a nível nacional”, diz Ellen Kuhl, do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Stanford. “Pelo contrário, são eventos independentes locais, impulsionados pela reabertura do campus.”

Os investigadores destacam ainda o facto de a generalidade das universidades terem sido rápidas a identificar e conter os surtos que aconteceram dentro dos seus espaços (edifícios de aulas, laboratórios ou residências). Mas o que verificaram é que as universidades não foram tão bem sucedidas a evitar os surtos nas comunidades envolventes. “Em duas semanas, 17 surtos em pólos universitários traduziram-se em picos de infeção nos condados onde estão inseridos”, escrevem os autores do artigo.

Esta descoberta sugere que os pólos universitários estão em risco de desenvolver uma incidência extrema [de casos de infeção com SARS-CoV-2] e tornar-se super-transmissores para as comunidades vizinhas”, refere o artigo.

Depois da análise feita, os investigadores ligados aos recursos energéticos, ciências da computação e engenharia mecânica, sugerem que “estratégias rígidas de testagem-rastreio-isolamento, uma transição flexível para o ensino online e — ainda mais importante — obedecer aos regulamentos locais serão essenciais para garantir a reabertura segura dos pólos universitários após as férias de inverno”.