“Teste um – dois – três. Vota Mayan”. Quando foi preciso verificar se estava tudo em ordem com os microfones do estúdio da Rádio Voz da Planície, uma emissora regional e generalista de Beja que cobre toda a atualidade noticiosa do Alentejo e que este sábado entrevistou Tiago Mayan Gonçalves, o candidato da Iniciativa Liberal, bem humorado, trocou o tradicional “som” pelo apelo ao voto. E até podia estar em desvantagem na região, durante décadas um grande bastião comunista e nos últimos dez anos dividido entre CDU e PS (hoje no poder), que nada tinha a temer. “Aqui tratamos todos por igual”, ouviria. Até porque a deontologia jornalística assim impõe.

O candidato à Presidência da República apoiado pela Iniciativa Liberal teve este sábado o dia mais preenchido da campanha eleitoral, com ações em três cidades diferentes (Faro, Albufeira e Beja).

Ao final da manhã, Mayan Gonçalves foi ao aeroporto de Faro — capital do Algarve, polo turístico por excelência — tentar provar que a tese que defende que a TAP é essencial para alavancar o turismo português é uma patranha. Depois, rumou a Albufeira para visitar um quartel dos bombeiros. E a fechar, foi a Beja dar uma entrevista a uma rádio regional, aproveitando o embalo das novas quotas de música portuguesa nas rádios nacionais impostas pelo Estado e das demoras nos apoios públicos prometidos aos órgãos de comunicação para enfrentarem este tempo de exceção. Mas não só: em terreno dado à esquerda, quis ir apelar à mudança.

Uma entrevista que não foi exatamente pedida — mas foi aceite de bom grado

Tiago Mayan Gonçalves e Ana Elias de Freitas, jornalista sénior da Rádio Voz da Planície, não se conheciam antes da entrevista presidencial deste sábado, que será emitida na terça-feira (à meia-noite, será colocada na página de Facebook da rádio o horário em que irá para o ar). A entrevista também não foi pedida pela rádio: o que A Voz da Planície fez foi “deixar claro” antes da campanha que “teria disponibilidade” para receber candidatos presidenciais, “no sentido de virem fazer uma entrevista ou virem dar declarações”, preferencialmente visitando também os estúdios.

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É aliás a jornalista da Rádio Voz da Planície que desfaz o mistério sobre como é que um candidato presidencial de um pequeno partido que está ainda a afirmar-se eleitoralmente — e que tem feito uma seleção criteriosa das ações de campanha, com um número reduzido de intervenções face à evolução da Covid-19 — passa uma tarde de campanha numa rádio regional do Baixo Alentejo sem ter sido diretamente convidado para isso.

Beja é um velho bastião comunista e é um bastião de esquerda desde o pós-25 de abril — quanto muito, larga a CDU para abraçar o PS, como fez em 2009 e nas últimas eleições autárquicas em 2017. Mas Beja é também a terra de Luís Dargent, um antigo líder da distrital do CDS que foi candidato à Câmara Municipal pelo partido e que, como algumas outras figuras dos centristas que não se reveem em Marcelo Rebelo de Sousa, apoia Tiago Mayan Gonçalves.

O apoio não está diretamente relacionado com a entrevista, mas foi uma familiar de Luís Dargent — também ela de Beja — que sinalizou à jornalista da Rádio Voz da Planície que o candidato da Iniciativa Liberal teria interesse em ser entrevistado na emissora.

@ Química Criativa / Ricardo Mof

A conversa deste sábado foi a segunda entrevista a um candidato presidencial feita pela rádio do Baixo Alentejo, cuja frequência, “apetecível” e “já alvo de interesse”, vai “praticamente da Margem Sul até ao Algarve”. O outro candidato que mostrou interesse em ir ao estúdio da Voz da Planície falar da sua campanha, do que propõe para o país e do modo como vê o Alentejo? João Ferreira, pois claro. À saída, Mayan Gonçalves brincava, em conversa com a jornalista: “Também se ele não viesse…”. Mas puxando dos galões da imparcialidade e da isenção jornalística, a jornalista deixava aquela nota: “Mas tratamos todo por igual”.

“Os alentejanos podem abrir a mente. Não será melhor um rumo diferente?”

Na última pergunta da entrevista à Rádio Voz da Planície, que será emitida na íntegra na terça-feira, Tiago Mayan Gonçalves era desafiado a deixar uma palavra “para este território do interior”. E aproveitava a deixa para associar os problemas de Beja e do Alentejo — a desertificação, a saída dos jovens do território, o insuficiente desenvolvimento económico — aos responsáveis políticos que têm governado na região, nomeadamente a esquerda e o centro-esquerda a que o candidato presidencial se opõe.

Os alentejanos podem abrir a mente. Não têm de se sentir resignados com a realidade que enfrentam. Têm vivido continuamente sob uma ideologia que não é a que eu represento mas é possível pensar diferente. E se as opções que têm tomado ao longo do tempo vos trouxeram a este ponto, deixo-vos o repto de pensarem se estão ou não satisfeitos e se não será melhor um rumo diferente”, apontava.

Na entrevista, o candidato presidencial voltaria a falar dos temas pelos quais se tem batido nesta campanha. Mencionaria a defesa do liberalismo e de um projeto liberal, uma proposta que considera renovadora para o rumo do país (“não existe em Portugal há duzentos anos”). Reiteraria as críticas a um Presidente-candidato que associa ao “situacionismo”, a uma “busca constante de popularidade”, a um “sistema” e “centrão de interesses” que têm feito de Portugal mais pobre do que os outros países europeus. Apontaria “impreparação” e “falta de capacidade de previsão” ao Governo na gestão da pandemia e na preparação das eleições.

Ainda acusaria Costa e Marcelo de terem respetivamente liderado e compactuado com um Governo que tem “metido a mão em outros órgãos de soberania que deveriam ser independentes”, como o Tribunal de Contas, a Procuradoria-Geral da República e o Banco de Portugal. E falaria do aeroporto de Beja, “à espera de desenvolvimento” e que duvida “que tenha servido muito”, por não ter “repercussão no tecido económico e na qualidade da vida” dos residentes.

Antes da entrevista, Mayan Gonçalves inteirava-se do que é a Rádio Voz da Planície e do que pensava a jornalista da rádio que o entrevistava de assuntos que afetam os órgãos de comunicação locais. Sobre as novas quotas impostas pelo Estado que aumentam a percentagem de música portuguesa exigida nas playlists, ouvia: “Sempre respeitámos as quotas”. Em relação aos apoios estatais para os órgãos de comunicação social regionais, ouvia: “Tivemos acesso a alguns mas não foram de todo suficientes”. Quanto às fontes de receita da rádio, ouvia que esta “está a apostar noutras vias”, em spots de publicidade direcionados para “candidaturas e projetos regionais e do nosso território”.

O liberalismo foi um obstáculo a Camila. “Não podes limpar hoje”

A estação emite 24 horas por dia, funciona como uma cooperativa de rádiodifusão — tendo jornalistas, mas também “locutores de emissão”, administrativos, técnicos —, já recebeu apoios de organizações como a Fundação Calouste Gulbenkian e tem “tecnologia de ponta” nos seus estúdios, garantia a jornalista, dando conta de uma grelha de programação alargada que inclui um espaço em que médicos respondem a perguntas de ouvintes, um segmento com uma nutricionista “que tem um impacto muito interessante” e um espaço de promoção do cante alentejano feito “por um músico de Beja”; que a par de Serpa foi “uma das capitais” que mais contribuiu para “tornar o cante património”.

No estúdio, com quatro microfones, uma mesa de mistura e um computador a comporem o cenário radiofónico, Tiago Mayan Gonçalves ia ouvindo, fazendo perguntas, percebendo uma realidade que depois trataria de comentar, em declarações aos jornalistas.

Quem ficou atrapalhada com a ida do liberal à Voz da Planície foi “Camila”, funcionária de limpeza a quem o liberalismo (excecionalmente?) funcionou como obstáculo ao trabalho e ao desempenho profissional. “Camila, não podes limpar hoje. Temos aqui um candidato à Presidência da República, não dá”, ouviria a funcionária, que se queixava da “pontaria”. Não terá mais sorte no próximo fim-de-semana: “No próximo domingo também não dá. Vamos acompanhar os resultados [das eleições] como fazemos para as legislativas e para as autárquicas. Teremos depois um programa de comentário com o nosso painel de comentadores políticos sobre os resultados, quer aqui do distrito quer a nível nacional”.

Mayan foi ao Algarve dizer que o turismo vive bem sem a TAP. Saúde? “Estamos a entrar num cenário de guerra”

“Os bombeiros, profissionais de saúde e auxiliares estão a entrar em burnout

Se à tarde esteve em Beja, a paragem anterior foi Albufeira — mais propriamente, o quartel de bombeiros de Albufeira, que já tem quatro elementos infetados pelo novo coronavírus desde o início de 2021.

Ouvindo as dores de quem tem de trabalhar com “menos gente” por culpa da Covid-19, da criatividade necessária à missão hercúlea de continuar a garantir todos os turnos nos bombeiros, o candidato liberal voltava a falar dos lesados da pandemia, aqueles que “estão no terreno” e “pagam a fatura destes confinamentos”, da necessidade de investimento em reforço de equipas porque os “bombeiros” mas também “os profissionais de saúde, os auxiliares de ação médica, toda esta gente” está já “a entrar em burnout, a trabalhar excessivamente”.

Embalado pela crítica à sobrecarga de profissionais, Tiago Mayan Gonçalves voltava a mencionar a importância de se juntar os meios privados à resposta — uma ideia que tem defendido insistentemente na campanha. “Temos de envolver a resposta privada que não está a ser usada. Fatalmente vamos necessitar dela — já necessitamos desde março, até. Tem de ser mais usada”, dizia. As imagens de caos em hospitais exibidas na noite de sexta-feira não passaram despercebidas ao candidato que, questionado pela TVI sobre o assunto, notou que “é o cenário que vi pré-anunciado na reunião do Infarmed e que se está a verificar”. Que cenário é esse? “Estamos a entrar num cenário de guerra” — e a culpa, considera Mayan Gonçalves, é da “má gestão”, da “falta de responsabilidade”, da “falta de previsão e impreparação” que imputa ao Governo.

Desejando que os cenários caóticos em hospitais como o de Torres Vedras e o Santa Maria “não se alastrem por todo o país”, o candidato liberal ainda aproveitou o dia para introduzir um argumento novo à discussão: a ideia de que o Estado vai acabar a pagar mais aos privados por não ter negociado atempadamente a sua colaboração no “sistema integrado” de saúde. A requisição civil, notou, “vai implicar sempre o que se chama o pagamento da justa compensação” mas para Mayan “isso não é o que alguns candidatos anunciam, o preço de custo, porque isso é sempre algo muito relativo”. O custo, acredita, será “muito maior” do que seria se tivesse sido negociado desde março.

Tiago Mayan Gonçalves no quartel de bombeiros de Albufeira, no Algarve (@ LUÍS FORRA/LUSA)

Os valores que o Estado pagará a privados para contribuírem para a resposta à crise de saúde nacional serão decididos “pelos tribunais”, apontou o candidato, mas “provavelmente” os custos seriam “muito menores” se tivessem sido “negociados e preparados com tempo”. Uma ideia nova, clarinha e sem margem para dúvidas: “Vamos assistir a um peso muito mais excessivo no Orçamento do Estado por não termos preparado isto a tempo”.

Já quando questionado pelo Observador sobre que medidas preconiza quando fala em “nova estratégia para a pandemia” e em “medidas focadas em grupos de risco”, Tiago Mayan Gonçalves começou por responder falando numa medida “implementada já há algum tempo”, as brigadas de apoio aos lares, que tem um problema: não estão a chegar aos lares. “Quando surge um surto, estas brigadas demoram um, dois, três dias, uma semana a lá chegar. Isto não é uma resposta a este grupo de risco. A brigada de apoio aos lares tem de poder funcionar de forma muito mais eficaz e imediata, não se pode demorar mais de 25 horas a responder a um surto que surja”, vincou.

Outra questão é a testagem. Portugal perdeu em absoluto as cadeias de contágio e também ao não adotar uma estratégia de testagem massiva da população. Na Suíça, qualquer cidadão pode chegar a um pequeno quiosque e ter um teste grátis e imediato. Essa é uma medida que nunca implementámos em Portugal e que podia se calhar ajudar a população a identificar muito mais rapidamente se está ou não infetada e a segmentar-se respostas para estes grupos. Há várias medidas, mas destacaria estas duas”, concluiu.

Este artigo foi atualizado ao longo do dia