Devem ser muitos poucas as casa de todo o mundo que não têm ou tiveram um baralho de cartas Uno perdido numa gaveta. Menos ainda devem ter sido as pessoas que nunca estiveram reunidas numa mesa a jogar com o brinquedo que celebra este ano meio século de existência.

A propósito desta data redonda, a Mattel decidiu lançar uma edição especial, comemorativa do 50º aniversário e tudo isto é uma oportunidade para recordar a história deste brinquedo que transformou a vida de um barbeiro do Ohio que só queria evitar confusões nos seus serões em família.

Acabaram-se as discussões

Merle Robbins e a sua família adoravam jogar às cartas ao fim do dia, depois do jantar. Tanto este barbeiro de profissão como a sua mulher e os filhos tinha particular apreço por um jogo chamado “Crazy Eights”, que no Brasil, por exemplo, é conhecido como “Mau Mau”. Na casa desta família que vivia nos arredores de Reading, no Ohio (EUA), a diversão acabava sempre por dar em confusão. O norte-americano National Museum of Play conta que este tal “Crazy Eights”, em que ganhava quem primeiro ficasse sem cartas na mão para jogar, obedecia a regras complicadas que muitas vezes geravam o caos na família. Certo dia, Merle, cansa-se e decide resolver o assunto.

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O novo baralho especial comemorativo do 50º aniversário. D.R.

Foi da ponta de uma caneta de feltro que saiu a solução do problema: Merle escreveu em cada carta do baralho do clã as respetivas funcionalidades do jogo que entretanto tinham adaptado à sua maneira —  o rei invertia a direção do jogo, a dama obrigava a perder a vez de jogar nessa ronda, etc… Soa familiar? Provavelmente, quanto mais não seja porque foi daqui que nasceram as regras que hoje conhecemos associadas ao Uno.

Em pouco tempo, familiares e amigos dos Robbins que iam sendo convidados para participar nas noites de jogatana desta família foram ficando fãs da modalidade criada por Merle: os baralhos pré-marcados facilitavam em muito o aprender do jogo, tudo ficava mais rápido e divertido, já para não dizer que tanto os miúdos como os graúdos passavam a estar taco a taco enquanto jogadores. Também não tardou muito até Merle perceber que podia ter em mãos um sucesso.

Da rulote para o mundo

“Porque não projetar um novo baralho, adaptado às nossas regras do jogo, e imprimi-lo?”, terá pensado o barbeiro algures no início da década de 70. Assim foi: Merle e a mulher Mary decidiram vender a casa onde viviam, pedir algum dinheiro emprestado ao filho, Ray, e com esse dinheiro investiram em cinco mil baralhos feitos do zero à imagem desta sua versão do “Crazy Eights”. E o nome “Uno”? Surgiu naturalmente na sequência de uma das regras do jogo, o anunciar que já só se tem uma carta na mão.

As cartas Uno nasceram numa pequena cidade nos arredores de Cincinnati, nos EUA, mas rapidamente chegaram a todos os cantos do mundo. AFP via Getty Images

Montados numa rulote comprada com os restos do dinheiro que fizeram da venda da casa, os Robbins saíram do Ohio com o objetivo de vender todos esses baralhos na estrada, enquanto loja itinerante (Merle percebeu cedo que vendê-los só na sua barbearia não seria suficiente). Começaram a circular pelo estado do Texas e depois foram parar à Flórida, sempre na sua rulote e com o letreiro “Uno, o melhor jogo da América”. Sem grandes campanhas de marketing para lá deste letreiro, regressaram ao Ohio mais leves, poucas semanas depois, com o stock de cinco mil baralhos completamente esgotado.

Tinha nascido um fenómeno e Merle, apesar de ser um comerciante inteligente, acabou por se cruzar com um fã incondicional do seu Uno, Robert Tezak, cuja visão levaria o jogo de cartas para o mundo inteiro.

Nas traseiras da funerária

‘Bob’ Tezak, como era conhecido entre amigos, vivia em Joliet, no estado de Illinois. Devoto do jogo criado pela família Robbins, cruza-se com Merle ja no final da “digressão” que este tinha feito para vender os tais cinco mil baralhos e decide apostar num negócio diferente daquele que fazia até então.

Depois de comprar os direitos do Uno por uma quantia de cerca de 50 mil dólares (mais uma cláusula de direitos de autor vitalícia que daria aos Robbins 10 cêntimos do preço de cada baralho vendido), Tezak limpou um escritório vazio que tinha nas traseiras da sua agência funerária e criou a International Games Incorporated, empresa que seria responsável pela comercialização de todos os baralhos Uno vendidos dentro e fora dos EUA. Antes disso, porém, mudou radicalmente a imagem do jogo (foi ele que lhe deu a distinta caixa vermelha que ainda hoje reconhecemos), deu-lhe algumas melhorias em termos de regras e forma de jogar e tudo isso culminou num sucesso ainda maior, principalmente durante os anos 80, época de ouro da venda de baralhos Uno.

Em 1981, as cartas Uno estiveram na origem de um ação de marketing pouco usual. Para promover o jogo foram lançados dois mil dólares em notas de um a partir de um helicóptero. A loucura foi instantânea. Fairfax Media via Getty Images

Foram precisos mais de 10 anos de assédio constante de vários gigantes dos brinquedos até Tezak finalmente concordar com a venda dos direitos do jogo. Em 1996, a Mattel, Inc. (dona de marcas como a Barbie ou a Hot Wheels) tornou-se a nova proprietária do Uno. A compra do jogo foi estratégica para a empresa conseguir vingar no mundo dos jogos (algo que nunca tinha conseguido fazer) e a aposta, mais uma vez, voltou a dar frutos. A enorme envergadura da Mattel abriu portas a licenciamentos e parcerias como gigantes como a Disney ou a NFL (a liga nacional de futebol americano) e as vendas voltaram a disparar, de tal forma que mais recentemente, em 2017, a plataforma estatística NPD chegou à conclusão de que o Uno é o jogo de cartas mais vendido do mundo.

Mas o fenómeno não fica por aqui: o jornal regional de Cincinnati, cidade que mora perto do local de nascimento do jogo, citou a Mattel ao dizer que ainda hoje, 50 anos depois da criação da família Robbins, a cada minuto são vendidos 17 baralhos de Uno em todo o mundo — e nem mesmo algumas adaptações ao mundo dos videojogos menos bem sucedidas conseguem destroná-lo.