No palco do Capitólio, em Lisboa, esta noite havia dois ‘M’, um deles era o próprio púlpito, ao contrário dos restantes comícios em que apenas havia um. Coincidência ou não, Marisa Matias dedicou a noite às mulheres, às vítimas de violência doméstica e a todas as que já sentiram medo. Mais do que isso, a candidata a Belém, que apenas tinha feito um comentário sobre os insultos de André Ventura, afinou o discurso para responder ao líder do Chega.

A eurodeputada lembrou os números: a cada semana uma mulher é assassinada ou vítima de tentativa de homicídio, todos os dias uma mulher é violada. É, diz, “a ponta do iceberg da violência quotidiana contra as mulheres”.

“E é por isso que quando um homem insulta uma mulher chamando-lhe ‘coisa de brincar’ por usar batom vermelho tem a resposta que merece. As mulheres não são coisas de brincar. São gente de lutar. E sim, olhos nos olhos e de cabeça erguida, estas mulheres já estão já a derrotar quem as quer humilhar, mas ainda vão derrotar mais”, atira.

Sem nunca referir o nome de André Ventura, Marisa Matias diz que o adversário tem “medo deste vermelho que caminha para Belém” e justifica a falta no debate da rádio “porque aprendeu nestes dias que a solidariedade vence o medo”.

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Um a um, Marisa Matias leu o nome das mulheres assassinadas em Portugal em 2020. Leu 27 nomes e lembrou as “21 crianças que ficaram órfãs”. Emocionada, deixou a certeza que quer ser uma Presidente que “conhece e não esquece o nome de cada mulher” e que, acima disso, prometeu que “intervirá sempre” para que “nenhuma mulher deste país tenha medo de o ser”.

“Engana-se quem ache que o batom vermelho é futilidade. Foi e é um símbolo de luta. Uma luta contra todas as humilhações. Contra o medo. Igualdade e liberdade por inteiro, respeito”, acrescentou. No discurso, houve ainda tempo para citar ‘O Cravo’, de Maria Velho da Costa.

O apoio de Chico Buarque e o líder parlamentar do BE contra Ventura

Marisa Matias recebeu um apoio vindo do outro do lado do oceano: Chico Buarque. O artista brasileiro surgiu num curto vídeo com um batom vermelho na mão e a desejar que o vermelho chegue a Belém, a expressão que se tornou o mote da campanha da candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda.

No final, a própria assumia sentir-se como uma criança após uma videochamada com o músico brasileiro onde lhe agradeceu o vídeo e prometeu uma ida ao Brasil.

Pelo comício virtual do Capitólio passaram ainda Primeira Dama com um espetáculo musical, Lúcia Moniz, Pedro Filipe Soares e Pilar del Rio. A jornalista e escritora prometeu pintar os lábios de vermelho, mesmo que seja por baixo da máscara, no dia de ir votar numa “mulher progressista”, em nome da “liberdade e contra a extrema-direita”.

Como tem acontecido diariamente, Marisa Matias tem contado com nomes fortes do Bloco de Esquerda no palco e foi a vez do líder parlamentar. Pedro Filipe Soares chegou ao palco para pedir que se desengane quem acreditava que estas eleições iam ser “favas contadas”.

Estava na hora da defesa da bloquista surgiu taco a taco com o ataque a Ventura, o homem que considerou que, diz, “não valia a pena debater”. “Como sabia que ia ser desmarcarado sumiu”, prossegue Pedro Filipe Soares, enquanto afirma que “portugueses de bem não querem ditaduras, sabem valorizar democracia, não gostam de insultos nem daqueles que fogem aos debates”. “Sério é quem diz o que tem a dizer olhos nos olhos” e não quem apresenta um “teatro” com “apoiantes falsos”, quem faz “jantares onde não há qualquer respeito pelas regras sanitárias” ou “quem insulta ou ameaça jornalistas”. “Pensamos naquela cadeira vazia do candidato de extrema-direita e percebemos que, ‘por Ventura’, foi aquela cadeira vazia em que foi mais verdadeiro, fiel a si próprio porque fez no debate o que fez no Parlamento, faltou, e fez ao debate o que faz na política, fugiu ao contraditório e às responsabilidades”, acusou.

Do debate, e depois de todas estas conclusões, Pedro Filipe Soares só tem uma dúvida: “Como é que Marcelo Rebelo de Sousa continua a insistir que dará posse a um Governo que dependa da extrema-direita desde que haja um acordo em papel timbrado?”

O líder parlamentar acusa o atual Presidente da República de não ter “limites” para fazer com que “a direita chegue” ao poder. Ou seja, diz, “entre selfies e abraços não é de marca branca, tem cunho de direita e um projeto de poder no horizonte, do qual o Chega também faz parte”.

“Não são todos iguais e esta eleição não está contada”, assegurou, enaltecendo a importância da candidatura de Marisa Matias.

Marisa garante que não se moderou e que prossegue luta contra “calcinhas”

Cadeira sim, cadeira não, um pano com a palavra ‘reservado’ na sala do Cinema de São Jorge. As marcas são dos tempos em que as atividades culturais reabriram após o primeiro confinamento. Agora, já ninguém se pode sentar naquelas cadeiras, haja ou não indicação de ‘reservado’. Marisa Matias voltou à sala Manoel de Oliveira, onde iniciou a campanha, e ocupou o palco que está vazio por estes dias, ao lado do ator João Monteiro e de Catarina Côdea, técnica na área dos espetáculos.

Nesta fase de incógnitas, há concertos e peças de teatro cancelados e reagendados, mas João conta que “não há regra” nos pagamentos, há quem paga a totalidade dos trabalhos, há quem pague parte, ou mesmo quem não pague. No caso de Catarina, por exemplo, viu um espetáculo previsto para janeiro que foi adiado, mas recebeu 50% e “depois, se houver no final do ano à partida pagarão mais 70%”. Contudo, há situações em que não vai receber qualquer reembolso.

A técnica acredita que está entre as pessoas que vão ser abrangidas pelos novos apoios, com 438 euros. Já no ano passado recebeu o apoio da Segurança Social. Contudo, trabalhou em outubro e novembro e tem uma “prestação de 140 euros para os próximos três meses de segurança social” e os normais descontos do IRS. São menos de 300 euros para viver. Os meses sem cultura foram “estranhos e difíceis”, diz Catarina, mesmo quando houve uma tentativa de regresso à normalidade “não aconteceu para toda a gente, nem aconteceu em junho”.

Se foi a partir de setembro que começaram a “acontecer algumas coisas”, os tempos com espetáculos “duraram muito pouco tempo”. Mas a falta de apoios não é de agora, alerta Catarina. “Senti-me sempre desprotegida, nunca existiu uma proteção ao trabalhador independente e agora que foi necessário ter apoios foram claramente insuficientes para ter uma vida digna”, conta.

Marisa Matias concorda, já disse por diversas vezes, e alerta que “o Estado não pode estar a poupar dinheiro à custa de compromissos que estavam assumidos e tem de garantir os apoios para que as pessoas possam sobreviver”. São “duas tarefas mínimas” num contexto “muito marcado pela precariedade que se agravou com a pandemia”.

Há uma “falta de resposta ao setor da cultura” porque apoios “tardaram e quando chegaram foram insuficientes”. Apesar de admitir que existe um reforço nesta fase, a candidata a Belém deixa claro que estes “não chegam a toda a gente”. As verbas, aliás, “já deviam estar inscritas no Orçamento do Estado”.

Quando subiu as escadas do icónico espaço lisboeta, Marisa Matias apercebeu-se dos cartazes de solidariedade nas paredes. Catarina não tem dúvidas de que estas ajudas foram fundamentais, mas também o apoio dos familiares e amigos. “No início da pandemia houve muita gente a juntar-se, tínhamos o site da Ação Cooperativista que estava a receber alimentos e temos a União Audiovisual que continua a funcionar e a fazer a distribuição de alimentos para várias famílias”, conta a técnica da área do espetáculo, que diz que a solidariedade chegou também pelas redes sociais e por parte de muita gente que se apercebeu da gravidade da situação. Nesta fase, a União Audiovisual oferece ainda apoio psicológico.

Ainda antes do Conselho de Ministros, e sem conhecer as medidas do Governo, Marisa Matias recordou as palavras do dia anterior, insistiu que houve uma “má preparação por parte do Governo para a segunda e terceira vaga” e também por parte da Presidência da República porque se “subestimou” a terceira vaga. A eurodeputada considera que a “falha maior” continua a ser o “desencontro total entre a exigência que é pedida às pessoas e os apoios que estão a ser dadas”.

Marisa Matias recusa a ideia de uma “moderação” maior do que há cinco anos. “Muda o cenário e a convicção é a mesma, contra o medo e os calcinhas”, atirou, depois de em 2016 ter garantido que era “a candidata perigosa para os calcinhas, perigosa para a tristeza, perigosa para a fatalidade”, dos “calcinhas que são os reis da política realista”.