Poucos minutos depois de terminar a reunião com o primeiro-ministro, a ministra da Presidência e os ministros da Educação e do Ensino Superior, Marta Temido admitiu esta quarta-feira à noite que a evolução galopante da pandemia em Portugal “traz algumas alterações às estimativas” do Governo e que “provavelmente obrigará a novas reflexões de medidas a tomar”. No entanto, atirou a decisão final sobre o encerramento das escolas, reclamada por muitos, para o Conselho de Ministros, agendado para esta quinta-feira.

Sobre os casos da variante inglesa, a ministra da Saúde assumiu que atualmente “possam ser 20% os casos de infeção desta variante” e que se estima “que os valores possam atingir os 60% dentro de mais uma semana, até ao final do mês”. Graças a este “novo fator”, a situação no país “mudou, agravou-se”.

O aumento de casos diários e também do número de óbitos, deixa o SNS perto da rutura. “Neste momento sinto que estamos muito próximos do limite e há situações em que já estamos no limite”, referiu, sublinhando a situação “muitíssimo complexa” dos hospitais na Grande Lisboa, onde “os meios são reutilizados e reinventados e o esforço humano é redobrado”. “Para tudo há limites e neste momento os números que enfrentamos são números poderosíssimos com os quais nunca julgámos ser confrontados. A estimativa é que esta tendência se vai agravar nos próximos dias.”

Não podemos continuar a lidar com este número de infeções porque o sistema de saúde não aguenta responder a este número de infeções”, alerta, garantindo que todos os dias se tentam “abrir novas camas, celebrar novos contratos, criar novas estruturas de retaguarda”. “Em novembro antecipamos cenários bastante complexos e dramáticos, mas nunca nenhum que se parecesse com aquele que estamos agora a estimar de, em pouco tempo, ter 16 mil novos casos e várias centenas de óbitos.”

Marta Temido deixou, porém, a garantia de que os profissionais de saúde com quem tem contactado “dizem que ainda não estão exatamente na situação limite de ter de escolher entre quem é que se vai tratar”. A situação de medicina de catástrofe, afirma, “não está ainda a acontecer, mas estamos próximos de que aconteça”. “Devemos fazer todos os esforços para evitar que isso aconteça.”

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Sobre a capacidade de controlar a pandemia, a ministra sublinhou que estão a ser utilizadas “todas as respostas disponíveis”, recordando que atualmente existem 52 convenções com o setor privado, social e também com as Forças Armadas. Na região de Lisboa e Vale do Tejo, refere Marta Temido, há, até ao momento, quatro acordos para a prestação de cuidados Covid-19, com quatro instituições diferentes, e 13 acordos para a área não Covid-19. “No total são 165 camas que já estão a ser utilizadas”, havendo ainda “recurso aos hospitais das Forças Armadas e ao centro médico de Belém com mais cerca de 120 camas.” No entanto, alerta, “as camas por si só não funcionam”, são necessários profissionais.

“Estamos a estudar mecanismos de reforço dos profissionais de saúde, que podem passar por mecanismos de reforço da sua disponibilidade em termos financeiros”, acrescenta, admitindo o “equilíbrio difícil” com o setor privado. “O setor privado tem que se organizar e articular a sua resposta com o SNS. Acredito que há disponibilidade para aprofundar o relacionamento com privados. Se esse aprofundamento não for possível, temos que tomar medidas extremas, entre elas a requisição civil.” Mas, para Temido, a requisição civil “não resolve os problemas” e defende que “um bom acordo é preferível a uma situação de conflito”.

Confrontada com a dificuldade da realização de rastreios de contactos face ao aumento do número de casos, a ministra revela que o número de profissionais envolvidos nesse processo foi reforçado, passando de 417 pessoas para mais de 1.100. “Estamos, neste momento, a garantir que as pessoas que agora são novos casos têm um primeiro contacto até às 72 horas”, explica.

Com o aumento expressivo do número de mortos nos últimos dias, Marta Temido defende que a complexidade da doença, a idade dos infetados e as doenças associadas a cada doente podem ser explicações para o cenário atual, alertando ainda para o efeito das temperaturas extremas, “muitas vezes desvalorizado”.

Ainda esta quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa havia referido que nas últimas 24 horas se tinham registado 290 óbitos, enquanto que os números oficiais da DGS deram conta de apenas 219. Ainda que o Presidente da República tenha assumido logo tratar-se de um lapso, a ministra foi confrontada com essa divergência, que classificou como “um mal entendido”. Perante uma insistência do jornalista sobre a possibilidade de o Governo poder diminuir os números na sua comunicação, Temido mostrou-se irritada: “Aqui, de cara lavada, perante os portugueses… com as dificuldades que enfrentamos, os profissionais de saúde lá fora confrontados com situações limite… nem consigo responder.”

Na entrevista, confessou que a transferência de doentes entre hospitais é um “processo complexo”, com “momentos de alguma tensão”, no entanto, garantiu que “estão a ser afinados, a ganhar ritmo e têm produzido resultados”. Questionada sobre os efeitos da decisão de adiar cirurgias nos hospitais, Marta Temido explicou que esta decisão foi tomada para um horizonte temporal de 15 dias, mas que tudo é avaliado diariamente. “É uma situação que está com um dinamismo tal que temos de avaliar todos os dias”.

Já sobre as situações de oncologia, Temido refere que está a ser promovida “uma maior articulação entre os hospitais que tratam doentes Covid-19 e os IPO”, para “melhorar os encaminhamentos de doentes e para que ninguém fique para trás em termos de resposta dos serviços de saúde”.

Relativamente aos eventuais maus exemplos de jantares em contexto de campanha eleitoral, Marta Temido reagiu dizendo acreditar que os portugueses “sabem quais são as regras”, apesar de por vezes as desvalorizarem. “Desde crianças que todos aprendemos que, mais do que exemplos, devemos pensar pelas nossas cabeças.”

Sobre o seu futuro à frente da pasta da Saúde, a ministra sublinhou que os portugueses podem contar ela. “Os portugueses podem contar comigo enquanto a pandemia precisar do Ministério da Saúde, enquanto for necessário continuar a enfrentar um conjunto de dificuldades e a encontrar soluções e a dar ânimo a todos no sentido de continuar esta luta”.