Um terço de toda a cobertura noticiosa sobre África em órgãos de comunicação social africanos tem origem em serviços de notícias estrangeiros, revela um estudo da organização Africa No Filter divulgado esta segunda-feira.

De acordo com a pesquisa “How African Media Covers Africa”, 63% dos órgãos inquiridos não têm correspondentes noutros países africanos, um terço de toda a cobertura de notícias sobre África é proveniente de fontes não africanas e as histórias da Agência France-Presse e da (AFP) e da British Broadcasting Corporation (BBC) representam um quarto de toda a cobertura sobre outros países africanos.

Os dados revelam ainda um contributo “mínimo” das agências noticiosas e outros meios de comunicação africanos na cobertura mediática do continente.

As notícias sobre conflitos e crises políticas representam 81% dessa cobertura, com 13% das notícias a concentrarem-se especificamente em situações de violência política, de agitação social e de conflitos armados.

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O estudo destaca o facto de as histórias sobre África continuarem a ser contadas através dos mesmos “estereótipos persistentes e negativos”, com especial incidência nas questões relacionadas “com a pobreza, a doença, os conflitos, a fraca capacidade de liderança e a corrupção”.

A equipa responsável pelo estudo inquiriu 38 editores africanos e analisou conteúdos de 60 órgãos de comunicação africanos de 15 países (Botsuana, África do Sul, Zâmbia, Zimbabué, República Democrática do Congo, Egito, Tunísia, Tanzânia, Etiópia, Quénia, Ruanda, Uganda, Gana, Nigéria e Senegal), entre setembro e outubro de 2020.

Para o estudo, foram também criados quatro grupos com 25 editores de meios de comunicação social africanos, editores de agências noticiosas pan-africanas e correspondentes internacionais.

Os resultados apontam que as receitas de publicidade e as redações estão a diminuir, influenciando o tipo de notícias que os africanos leem, e as notícias são, na sua grande maioria, negativas e repletas de referências a conflitos.

Apontam ainda problemas às fontes noticiosas nos países africanos e à qualidade do jornalismo local, que, segundo o estudo, “não possibilitam a existência de relatos contextualizados, fundamentais para contar o que se passa nos 54 países africanos”.

O estudo mostra claramente que, apesar de já terem muitos anos de independência, os africanos continuam a não ser quem controla a ‘caneta’ utilizada para escrever as suas histórias”, disse Moky Makura, diretor executivo da Africa No Filter.

“Precisamos de recuperar o controlo da ‘caneta'”, acrescentou.

Segundo este responsável, continuam-se a promover as narrativas que falam de África como “um continente falido, dependente e com falta de boa gestão”, através das histórias partilhadas nos meios de comunicação social.

Ironicamente, 50% dos editores inquiridos consideravam que a cobertura que faziam dos outros países africanos não continha estereótipos. Isso mostra, claramente, que temos algum trabalho a fazer no que se refere a educarmo-nos quanto ao papel que desempenhamos na perpetuação de estereótipos ultrapassados sobre nós próprios”, sublinhou.

A Africa No Filter é uma organização sem fins lucrativos criada para ajudar a mudar as narrativas prejudiciais e estereotipadas sobre África, através de trabalhos de pesquisa, de iniciativas de defesa de interesses e da concessão de subsídios a quem conta histórias africanas. É financiada pela Ford Foundation, Bloomberg, Andrew W. Mellon Foundation, Luminate, Open Society Foundation, Comic Relief, Hilton Foundation e British Council. A Africa No Filter está a preparar o lançamento da primeira agência de notícias africana que concentrará esforços em histórias sobre criatividade, inovação, arte e cultura e interesses humanos.