Como calculam, nada disto foi ou é fácil para mim. É mesmo doloroso“. É desta forma que Pedro Santana Lopes se despede do partido que ajudou a fundar, em outubro de 2018. Numa longa carta enviada à direção e aos militantes do partido, o ex-primeiro-ministro assume que cometeu erros e que o projeto falhou. Fala das escolhas que fez para as eleições europeias, do acidente de viação que sofreu, mas também dos problemas internos do partido e do prenúncio de Marcelo Rebelo de Sousa numa conversa a dois: a Aliança não ia conseguir afirmar-se.

Em declarações ao Observador, o antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa garante que a sua saída não está relacionada com qualquer desafio eleitoral no horizonte. Nas últimas semanas e meses, Pedro Santana Lopes tem sido apontado com insistência como possível aposta às Câmaras de Lisboa, Sintra ou Figueira da Foz.

O reencontro com Rui Rio, num jantar em que celebraram os 20 anos das eleições autárquicas de 2001, quando conquistaram o Porto e Lisboa aos socialistas, serviu para avolumar os rumores que dão conta de uma possível candidatura autárquica de Santana e um eventual regresso ao PSD.

Nas várias entrevistas que tem dado — nomeadamente ao Observador — Santana Lopes nunca afastou claramente a questão. Chegou a falar do apego emocional que tem à cidade da Figueira da Foz como algo que o fizesse reconsiderar; e também recusou qualquer comentário sobre a hipótese de se candidatar contra Basílio Horta, em Sintra.

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Agora, formalmente desfiliado da Aliança, Santana continua sem se comprometer.  “Não estou a ponderar nada”, garante ao Observador, ao mesmo tempo que salvaguarda: “Mas sempre disse que gostei muito do trabalho autárquico. Não desisto de ter intervenção política. O tabu é para manter.

Agendadas para outubro de 2021, é mais do que provável que as eleições autárquicas aconteçam ainda num contexto frágil do ponto de vista da saúde pública. Mesmo para um candidato com o nível de reconhecimento mediático de Santana — com tudo de bom e mau que isso possa ter –, seria uma missão difícil entrar numa corrida eleitoral contra o incumbente e virar o jogo.

Sobre um eventual regresso ao PSD, Santana Lopes também chuta a questão para canto. “Não há melhor do que ser independente“. Em outubro, em entrevista ao Observador, Santana limitou-se a dizer que naquele momento excluía voltar ao PSD. “Mas uma pessoa não sabe o que a vida traz”, disse na altura. Tudo a seu tempo, portanto. E este é o tempo de se despedir da Aliança.

Leia a carta de Pedro Santana Lopes na íntegra:

DECLARAÇÃO: A ALIANÇA E EU

O projeto de fundar a ALIANÇA não era o de fundar um pequeno partido, muito menos sem representação parlamentar. Nesse aspeto, até agora, foi um falhanço. A ideia era criar um Partido com influência nas decisões sobre o rumo do País, nomeadamente sobre o nosso modo de agir na  União Europeia. Em minha opinião, o que não fizemos em Bruxelas, mais do que aquilo que fizemos — muito de certo e algo de errado — tem grande responsabilidade no facto de estarmos cada vez mais próximos do último lugar no nível de vida dos cidadãos europeus.

A ALIANÇA escolheu um cabeça-de- lista de grande envergadura nas eleições para o Parlamento Europeu. Privilegiou- se a credibilidade do candidato, o seu currículo europeu, as suas importantes funções em Belém. Havia quem defendesse que, sendo as primeiras eleições a que a ALIANÇA concorria, eu deveria encabeçar a lista para afirmar a identidade do Partido e do seu pensamento, nomeadamente nessa questão europeia. Mas eu queria tudo menos que se pensasse que tinha fundado uma nova força política  para ter um qualquer cargo, ainda para mais, no Parlamento Europeu.

Escolheu-se, pois, Paulo Sande que é  independente e, naturalmente, como pessoa séria e inteligente, com um pensamento muito próprio. Assumi sempre a responsabilidade da escolha de alguém que fiquei a admirar e de quem me tornei amigo.

A questão europeia era o fundamento de várias e relevantes nossas opções setoriais, especialmente a do tão almejado crescimento económico do País, uma das nossas causas cimeiras. Mesmo sendo europeístas, nessa matéria devia residir um dos nossos traços mais distintivos. 

Aconteceu de tudo: de bom, aconteceu, por exemplo, o primeiro Congresso, em Évora, com entusiasmo e inegável cobertura mediática. Mas, 15 dias depois, o efeito era praticamente anulado com um noticia amplamente divulgada sobre um alto dirigente do partido e um processo judicial que viria a ser arquivado um ano e meio depois. Mas o efeito fora alcançado e sentimo-lo logo, entre outros indicadores, no ritmo de adesões. Ao fim e ao cabo, essa notícia pretendia dar a entender que a ALIANÇA seria mais do mesmo e logo naquilo que, justamente,  as pessoas mais detestam.

Logo depois, começou a campanha para as Europeias. Paulo Sande também deu tudo na campanha mas ele, que estava tantas vezes nas televisões a falar de assuntos europeus, nunca  teve o gosto de ver uma câmara de televisão ou outros órgãos de comunicação a acompanharem a sua agenda. 

Para agravar, já na recta final,  aconteceu o desastre de carro, dos dois, a 15 dias das eleições para o PE. Foi das maiores causas, se não a maior, para nos afastar de um resultado satisfatório. Deve ter sido a única vez em que, alguém com responsabilidades políticas, é prejudicado por um grande desastre em que o carro ficou desfeito e o próprio ficou encarcerado uma hora. As redes sociais espalharam uma indignação com o suposto “privilégio” do helicóptero e a imprensa do sistema punha em primeira página , no dia seguinte, uma falsidade, noticiando que o carro não tinha seguro. Era a imagem do “privilegiado” e do “desleixado irresponsável” que se quis, de novo, fazer passar.

O facto de Paulo Sande não ser eleito foi, como se calcula, um golpe duro. Continuo convencido de que seria um grande Deputado Europeu, talvez — sem menosprezar ninguém — o melhor de todos os Portugueses que foram candidatos naquelas eleições de 26 de Maio de 2019.

Recordo-me, sempre, das palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, quando lhe fui comunicar o propósito de constituir um novo partido político: “Olhe que os resultados nas Europeias  serão sempre melhores do que o das Legislativas. Nestas, as pessoas vão concentrar nos principais, nos que podem ganhar. Nas europeias ainda variam o voto, para as nacionais, não”. E assim foi.

Mais tarde, em Setembro, nas eleições regionais da Madeira, logo calhou a ALIANÇA ir a votos, pela primeira vez, quando, também pela primeira vez, os eleitores de centro-direita não sabiam quem ficaria a governar, se o PSD, se o PS.. Essa incerteza levou à concentração de votos, dos eleitores de centro – direita, no PSD. Também aí tivemos um cabeça-de-lista de grande qualidade, José Joaquim Sousa, professor e ex – diretor de uma escola que tinha ganho o Prémio Nacional para a melhor escola pública. Apesar disso, o resultado foi também uma desilusão e não elegemos ninguém.

Por uma questão de educação, não vou entrar nas explicações da vida interna da ALIANÇA. Só direi que naquele breve espaço de tempo, houve conflitos e demissões nas duas Regiões Autónomas  e em TODOS os distritos. Foi muito, muito complicado, tirou muito tempo e energia. Infelizmente, essa é, muitas vezes, a realidade nos novos partidos, especialmente, e algo paradoxalmente, nos de menor dimensão. Por outro lado, esses resultados das europeias e da Madeira  levaram a que vários dos rostos mais conhecidos da ALIANÇA, não tenham aceite lugares de destaque nas listas para a Assembleia da República, tendo havido mesmo recusas para os tempos de antena.

Apesar de tudo isso, fiz questão de fazer a campanha toda como se nada se passasse, não me poupando a esforços numa campanha por todo o País e como se andasse com a Comunicação Social toda atrás. Corri o País todo, exceto um ou outro Distrito em que a realidade interna partidária era demasiadamente complicada. Foi duro, muito duro, todas essas deslocações, logo a seguir ao desastre, que provocava dores consideráveis.

Essa ausência da e na Comunicação Social foi, como já referi, outro motivo relevante para o fracasso. Mais uma vez digo: a responsabilidade é minha porque calculei mal. Pensei sempre que um partido liderado por um ex-primeiro-Ministro e ex-presidente da Câmara de Lisboa teria sempre direito a alguma cobertura e a participar nalguns dos debates principais. Puro engano: nada. Manda a verdade dizer que as redações estavam muito desfalcadas, dada a generalizada crise da imprensa. Mas a razão não foi só essa. A orientação era a de só dar cobertura a quem já tinha representação parlamentar.

E quando resolvemos, no final de Agosto,  ir protestar à Entidade Reguladora da Comunicação Social — que ainda nem tinha respondido a um protesto de Abril da campanha de Paulo Sande — ainda fomos chamados de “ocupas“. Como poderia ter sido diferente se tivéssemos contado com a cobertura informativa e os debates proporcionados aos candidatos às eleições presidenciais…

O facto mais  relevante foi  o aparecimento de outras novas forças políticas no mesmo espaço ou próximo. Ou melhor, do centro para a direita.

Uma dessas forças teve o discurso anti-políticos e anti-sistema  que garante logo votos e a outra — para além dos méritos dos seus dirigentes e da sua mensagem — encontrou um meio de comunicar que foi um sucesso, com outdoors muito bem conseguidos. Querer o sucesso de uma nova força política a falar de personalismo, de liberalismo e solidariedade com cartazes a falar da Saúde e da Segurança Social, não era, de facto, muito apelativo. 

Como ainda ontem ficou provado nas eleições presidenciais, as tendências das novidades e a preferência de temas iam noutros sentidos. E eu, pelo que penso, pelos meus valores e pelas funções já exercidas nunca poderia assumir atitudes ou fazer afirmações radicais. Por isso digo que, naquelas circunstâncias e neste tempo, um partido como a ALIANÇA, comigo na liderança, não podia ter sucesso.

A responsabilidade foi, pois, sobretudo, minha. Calculei mal, também, as consequências  do elevado nível de identificação que o comum dos cidadãos fazia entre mim  e o PPD/PSD. Por todo o País, especialmente no Norte, as pessoas que me saudavam falavam muitas vezes, no “nosso partido”. E eu percebia que não se referiam à ALIANÇA. Pensavam que eu ainda era do PPD/PSD. E muitos, falavam da Santa Casa, querendo tratar de  assuntos, ligados a esta instituição. Era difícil explicar a minha nova realidade. Às vezes, a baralhação era tanta que eu preferia, por respeito às pessoas,  não desfazer os equívocos, para não provocar demasiada confusão. Verdade é que não elegemos ninguém, sendo a maior derrota, em relação às expectativas, eu não ter conseguido a eleição.

Logo na noite das legislativas, disse que estava disponível para sair da liderança e que só não o fazia, logo, por sentido de responsabilidade.

A 14 de Dezembro de 2019, numa reunião do Senado, defendi a realização de um Congresso. A ideia foi afastada, com reafirmação do apoio à minha liderança. Mas a questão não era qualquer dúvida sobre esse generoso apoio. O ponto era o meu realismo sereno de ter a certeza de que essa liderança da ALIANÇA não resultara e não resultaria mais.

Em 15 de Maio de 2020, anunciei a suspensão das minhas funções executivas na liderança do Partido e insisti com a conveniência de se convocar o Congresso. Assim veio a acontecer em 25 de Julho ( faz hoje seis meses) tendo sido convocado para 26 e 27 de Setembro. Comuniquei logo que não seria candidato e que entendia ter o dever de não apoiar qualquer candidatura, se houvesse mais do que uma. O partido escolheu um novo Presidente, Paulo Bento, pessoa de quem sou amigo, homem íntegro, com inegáveis qualidades e muita experiência política. 

Não fiquei em qualquer órgão. Tinha a certeza de que a ALIANÇA teria de começar de novo. Eu limitava a ALIANÇA, e amigos meus diziam que a ALIANÇA me limitava a mim. Com a primeira, concordo. Quanto  à segunda, não somos bons juízes em causa própria. Acredito que pode haver espaço para a ALIANÇA mas não é comigo. Como disse, eu e a ALIANÇA foi um casamento, ou um projeto, que não resultou.

Vivemos um tempo em que não se devem adiar decisões. Nunca ninguém sabe o dia de amanhã e ainda menos nas atuais circunstâncias. Não saio por outros fundadores terem saído. Saio porque entendo que é esse o meu dever, à luz do que penso e sinto. Estou convencido de que a ALIANÇA pode ter melhor futuro com outros, sem a minha participação.

Espero que nunca se desvie da sua matriz e que aqueles que sentem dever continuar, possam ter sucesso. Seria, para mim, motivo de grande satisfação. Agradeço a todos o apoio que me deram, muitos um enorme apoio: agradeço  muito aos militantes e a quem votou ALIANÇA. E agradeço também, a quem fundou, comigo, este bonito projeto.

Como tem sido referido, esta época tão complicada do Mundo fez-nos olhar de outro modo para o que nos rodeia, dar muito valor ao que temos, dar maior importância às nossas raízes, valorizar mais aquilo que por vezes esquecemos ou secundarizamos. 

A ALIANÇA pode ser importante para muitos jovens, para várias regiões, para o interior, para muitos esquecidos, para a intergeracionalidade de que as sociedades, como a nossa, tanto necessitam. Será uma corrida de fundo, embora, nos  tempos de hoje,  o nível de apoio popular possa mudar muito depressa.

Como calculam, nada disto foi ou é fácil para mim. É mesmo doloroso. Mas há que seguir em frente. Em Israel, onde estão convocadas, de novo, Legislativas antecipadas, foi recentemente constituído um partido chamado Nova Esperança.(!!) Fundou- o um antigo ministro, dirigente do Likud, que perdeu as eleições diretas no se partido. por uma diferença grande. Saiu e as sondagens dão – lhe boas perspetivas. Mas lá está: não há mais nenhum partido novo, na sua área, a disputar as eleições.

No meio de tudo isto, o que importa é Portugal e o que podemos fazer pela nossa Pátria. E, já agora, sentirmo-nos bem connosco mesmos. Calcularão que nenhuma destas opções é por ambição política ou material. Repito que já dei bem o exemplo de deixar funções relevantes e de rejeitar, ao tempo, hipóteses de candidaturas que poucos recusariam, para seguir um caminho muito duro. O que importa é fazermos o que a nossa consciência nos dita. Essa consciência é sempre um misto de razão e de sentimento. A opção que tomo agora é feita com ambos, marcada pelas exigências deste tempo que vivemos que nos impõe não adiarmos o que já temos por certo, devido e necessário.

Sabemos que vivemos uma época em que muitos que pouco ou nada fazem comentam aqueles que fazem muito e, por isso, erram e acertam. Esses que não erram nem acertam, importam pouco ou nada. Quem importa é Portugal, são os Portugueses que têm direito de ter, pelo menos, a média do que têm os seus parceiros europeus.

“Saber estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia, pôr a sinceridade das posições acima dos interesses pessoais, isso é Política que vale a pena”.

Lisboa, escrito a 4 de Janeiro e atualizado a 25 de Janeiro de 2021

Pedro Santana Lopes