O fim das moratórias bancárias, previsto para setembro, poderá criar dificuldades em “alguns segmentos mais fragilizados” do mercado imobiliário – em classes mais vulneráveis ao aumento do desemprego, por exemplo – mas nos segmentos “médio-alto e alto” esse impacto “não vai existir”, garante a promotora e consultora imobiliária JLL, que esta terça-feira apresentou o seu relatório anual sobre este mercado. Em algumas zonas “menos prime” poderá haver, neste ano de 2021, alguma correção em baixa dos preços devido à procura mais comedida em comparação com o fulgor dos últimos anos – mas, garante a JLL, “será uma correção pequena, não será nada de significativo, porque as taxas de juro continuam em níveis baixos e o imobiliário vai continuar a ser um refúgio para os investidores”.

A perspetiva desta consultora imobiliária, uma das maiores do mercado português, é que a existência de uma vacina é uma “luz ao fundo do túnel” que, apesar de a distribuição europeia estar a ser comparativamente lenta, irá garantir uma recuperação do mercado imobiliário que, apesar de tudo, teve um ano 2020 muito melhor do que se temeu no início da pandemia. “O mercado estava fulgurante no primeiro trimestre, depois surgiu a pandemia mas logo em outubro dissemos que 2020 iria, apesar de tudo, ser o terceiro melhor ano de sempre neste mercado“, afirmou Pedro Lancastre, diretor-geral da JLL num encontro online com jornalistas.

Os dados preliminares para o segmento residencial apontam para que tenham sido movimentados 25,6 mil milhões de euros em compra e venda de casas em Portugal, com 2,7 mil milhões em investimento comercial – o terceiro melhor resultado de sempre apesar de todas as limitações e incerteza que a pandemia trouxe. “Foi muito menos negativo do que o cenário com que fomos confrontados em março”, diz a JLL, notando que “há muita liquidez que continua a caminhar para o mercado imobiliário” e os investidores nacionais ganharam uma preponderância maior.

Terá havido uma redução de 8% no número de casas vendidas em Portugal em 2020, para cerca de 167.500, mas a expectativa num ano de 2021 que “está a começar bem” é que o “residencial continue firme, a ter uma resiliência fora de série – e Portugal não deixou de ser um país onde os clientes internacionais continuam a olhar e continuam a apostar”, notou Patrícia Barão, responsável por esta área na JLL.

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Quando se fala em algum potencial para correção no preço das casas, que poderá ser “inevitável”, a responsável sublinha que estamos a falar apenas de “localizações que não tenham tanta procura”: “talvez uma casa a 6.500 euros por metro/quadrado baixe para 6.200 euros, é deste tipo de correção que estamos a falar”. Uma redução drástica dos preços devido à pandemia ou ao fim das moratórias? “Isso não vai acontecer”, de um modo geral, diz Patrícia Barão, embora reconheça que em segmentos mais baixos as pessoas poderão ter mais dificuldades devido às “infelicidades” que a pandemia trouxe para as nossas economias.

O que já se nota há longos meses, porém, é que as pessoas passaram a procurar “casas com um layout diferente, com escritório, com espaço exterior e mais contacto com a natureza”. E, nas proximidades de Lisboa, em zonas como Oeiras, nota-se a emergência de “projetos de habitação para a classe média” que também poderão equilibrar um pouco mais a oferta e a procura, que vai continuar “sólida”.

Por outro lado, a súbita passagem de muitas pessoas para o teletrabalho (tendência que “já existia e apenas acelerou”) levou as empresas a “repensarem as suas estratégias imobiliárias, atrasando vários processos” na área dos escritórios. A “absorção” de escritórios baixou 29% no ano passado em Lisboa mas a JLL vê um futuro positivo para este mercado, já que estes meses “estão a levar as empresas a reconhecer a importância da colaboração cara-a-cara” e “do lado da oferta existe um volume significativo em construção”, disse Mariana Rosa, responsável desta área. Alguns espaços terão, contudo, de ser repensados: mais open spaces, áreas comuns e espaços pensados para um trabalho mais “híbrido” (alguns dias em casa, outros dias no escritório).

Portugal está a negro no mapa mundial. É o país com mais casos e mortes por milhão de habitantes e com maior taxa de contágios no mundo

Questionado pelo Observador sobre até que ponto os números preocupantes da pandemia, que colocam Portugal “a negro no mapa mundial” da Covid-19, pode penalizar a perceção estrangeira acerca do país como local de investimento (em imobiliário, neste caso), Pedro Lancastre garante ter “muitas dúvidas de que esta questão, de sermos nesta altura dos piores do mundo, seja algo que se fale lá fora – somos dos piores hoje mas daqui a umas semanas já poderemos não ser“, confia o diretor-geral da JLL.

O setor imobiliário conta, também, com mais alguns meses até que entre em vigor, em julho, a limitação aos “Vistos Gold” que foi legislada pelo Governo. A JLL tem dúvidas sobre até que ponto os investidores estrangeiros irão, como a legislação parece querer incentivar, “apostar não em Lisboa e Porto mas na Guarda ou em Bragança, sem desprimor” – mas tendencialmente estes investidores preferem as áreas mais centrais.

A legislação vai continuar a permitir Vistos Gold por via da reabilitação de casas nos principais centros urbanos (e até define um montante mínimo inferior, 350 mil euros em vez de 500 mil no habitacional) mas até ao momento estes investidores têm mostrado pouco apetite pelas complicações e burocracias que um projeto de reabilitação traz. Por isso, defendeu Gonçalo Santos, responsável pela área da promoção, os promotores devem apostar em estruturar os investimentos de forma a simplificar esse processo, para ir ao encontro da procura estrangeira “hassle-free” (livre de complicações).