O governador do Banco de Portugal e antigo ministro das Finanças, Mário Centeno, desvalorizou esta quarta-feira o risco associado ao elevado nível de crédito em moratória em Portugal – devido às medidas criadas para combater os efeitos económicos da pandemia.
Em entrevista à RTP, a primeira desde que saiu das Finanças para assumir o cargo à frente do supervisor bancário, Centeno explicou que o nível de crédito em moratória é elevado, mas contrapôs que “as empresas também aumentaram as poupanças”, algo que um “marca a diferença em relação à crise financeira de 2009”.
“Esta almofada financeira existe, foi criada e está lá para fazer face a eventuais necessidades. As empresas recorreram muito às linhas de credito do Estado para se financiar, até porque as taxas de juros são bastante baixas, mas grande parte dessas linhas de crédito foram consolidados em depósitos precisamente para fazer face a imprevistos que possam vir a acontecer”, disse o governador do BdP.
Por outro lado, afirmou, “o serviço de dívida dos particulares em 2020 vai ficar abaixo do que foi em 2019 em 1,4 pontos percentuais”. Ou seja, “se este serviço da divida das nossas famílias pesou no rendimento disponível 7,5% em 2019 vai pesar 6,1% em 2020”.
Em suma, neste momento as moratórias “não causam nenhum problema aos bancos”. “Não causou em 2020 e não vai causar em 2021, de acordo com os dados que tenho”, ou seja, “os bancos aguentam manter mais um ano estas moratórias, tal como elas estão desenhadas até setembro de 2021”.
O grande risco, completou, “é o malparado” que pode vir a existir quando parte deste crédito não for pago. Sobre isso, Centeno reiterou o argumento anterior: atualmente existem “depósitos no valor de 20% do crédito em moratória”.
Centeno também afastou eventuais receios em relação ao Novo Banco, afirmando que não é – desde que cumpra o contrato – um risco para a estabilidade financeira. E está a cumprir o contrato ou não, como apontam alguns partidos com assento parlamentar?
“Há um conjunto de informações que vamos ter nos próximos meses, semanas, até maio, que vai permitir ajuizar a todos do cumprimento desse contrato por todas as partes”, defendeu-se Centeno, que também realçou que existe um “enorme escrutínio sobre o banco”.
“Há um enorme escrutínio sobre o banco – por parte de entidades nacionais e estrangeiras. A PGR fez uma análise de alguns dos contratos, o TdC está a fazer uma análise. Temos de confiar que um contrato vigiado, supervisionado e monitorizado por tanta instituição vai, em última análise, ser cumprido”, concluiu.
Sobre o comportamento das economias europeias e da portuguesa, em particular, Centeno realçou a revisão em alta das previsões económicas. “A análise que fazemos é que em todos os momentos de desconfinamento, a reação da economia, emprego, consumo, investimento foi automática, foi muito forte. E na verdade aconteceu isso: todas as previsões económicas foram sendo revistas em alta ao longo do tempo pela reação que as economias tiveram”, referiu.
Mário Centeno disse ainda que interpreta essas revisões em alta “como a capacidade de adaptação que as economias têm tido a laborar” num ambiente de dificuldades como o que a crise pandémica veio impor.
O governador do Banco de Portugal acrescentou que vários motivos têm contribuído para esta situação, nomeadamente as políticas implementadas pelas autoridades monetárias e orçamentais nos países onde a pandemia tem sido “severa” e que se mostraram eficazes no combate aos efeitos imediatos dos impactos causados pela crise sanitária.
Apesar de Portugal ter entrado neste mês de janeiro num confinamento geral semelhante ao que vigorou no ano passado em abril e durante parte dos meses de março e maio, o Governador do Banco de Portugal acredita que o Produto Interno Bruto deste primeiro trimestre não vai ter uma queda tão acentuada como a registada no segundo trimestre do ano passado.
“O comportamento da economia em novembro, em que também houve medidas de confinamento, [comparado] com o que aconteceu em março e os indicadores preliminares que temos de janeiro indicam que não vamos ficar em números dessa grandeza”,afirmou.
Questionado sobre se prevê para 2021 uma nova recessão, Mário Centeno referiu que “não anteciparia” esse desfecho, embora tenha referido que os dados existentes são ainda escassos.
“Ainda é cedo. Temos que ver. Os números que temos para as compras e levantamentos em ATM tem uma queda muito significativa nos primeiros dias no novo confinamento, atingiram valores em queda superiores a 20% “, referiu para acrescentar que ao mesmo tempo há os “indicadores de consumo de energia que, mesmo corrigidos do efeito da temperatura, tem valores de variação praticamente nula em janeiro”.