786kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Muito mais do que "a série israelita do momento": "Losing Alice" é um thriller exemplar

Este artigo tem mais de 3 anos

É das melhores coisas que podemos ver na televisão, para provar que a ficção de primeiro nível não é feita só em inglês. Um drama na Apple TV+ que trata com mestria os mais humanos dos dilemas.

Alice, a protagonista da série, é interpretada pela notável Ayelet Zurer, 51 anos, que conhecemos entre outros de “Munique”, de Steven Spielberg, “Anjos e Demónios”, de Ron Howard, ou “Homem de Aço”, de Zack Snyder
i

Alice, a protagonista da série, é interpretada pela notável Ayelet Zurer, 51 anos, que conhecemos entre outros de “Munique”, de Steven Spielberg, “Anjos e Demónios”, de Ron Howard, ou “Homem de Aço”, de Zack Snyder

Alice, a protagonista da série, é interpretada pela notável Ayelet Zurer, 51 anos, que conhecemos entre outros de “Munique”, de Steven Spielberg, “Anjos e Demónios”, de Ron Howard, ou “Homem de Aço”, de Zack Snyder

“O tamanho não importa” não é maneira de começar uma crónica de gabarito. Mas “gabarito”, termo do tempo do Betamax, também não é palavra que se use na era do streaming e, na verdade, o tamanho não importa é mesmo o que queremos dizer. Não no mundo dos conteúdos. Israel, país com pouco mais de metade da população de Portugal e um quarto do tamanho, é dos mais interessantes exportadores mundiais de conteúdos televisivos. Dirão: é o poder do lobby judeu nos estúdios americanos. E nós respondemos: não é mais poderoso do que o lobby do produtor americano sem pachorra para ler legendas – e se precisamos de legendas para acompanhar uma série falada em hebraico.

Suspendam o cinismo: Israel cria e vende grandes histórias televisivas por isso, porque são grandes histórias – e as grandes histórias são como os diamantes: para sempre, apenas ligeiramente mais baratas. As premiadas “Homeland”, com Claire Danes, e “In Treatment”, com Gabriel Byrne, (que, por cá, deu “Terapia”, com Virgílio Castelo), por exemplo, são adaptações dos originais israelitas “Hatufim”, de Gideon Raff, e “BeTipul”, de Hagai Levi, Ori Sivam e Nir Bergman, respetivamente. Com “Fauda”, foi-se ainda mais longe: diretamente à fonte. Uma série sobre algo tão local e complexo como o conflito israelo-palestiniano, levada ao mundo todo pela Netflix, externamente aclamada e internamente acusada de tendenciosa por ambos os lados da contenda – haverá maior garantia de qualidade?

“Losing Alice” é, mais do que a série israelita do momento, uma das séries do momento — ponto. Levada diretamente de Tel Aviv para sua casa pela Apple TV, apostaríamos que virá a ter, também, em breve, versão “americana”, com caras e nomes que vendam mais assinaturas. É um drama familiar, mas também um thriller, mas também uma história sempre pronta a parar para deixar acontecer um momento de pura contemplação. Está cheia de sexo e violência – e, no entanto, ao fim de quatro episódios, ainda não vimos, de facto, qualquer gesto verdadeiramente violento e quanto a sexo, o momento mais tórrido foi o chupar de um dedo do pé. Porque, pelo menos até metade dos oito episódios previstos para a sua primeira temporada, em “Losing Alice”, toda a violência e todo o erotismo são apenas sugeridos, que é a forma mais cruel e talentosa que se conhece de se fazer sentir medo ou desejo.

[o trailer de “Losing Alice”:]

A série começa no momento em que Alice (Ayelet Zurer) tem a vida tão aparentemente perfeita como estagnada. É uma mulher bonita e talentosa, uma argumentista e realizadora bem-sucedida, casada com um igualmente bem-sucedido e famoso ator (David, aliás, Gal Toren), que vive rodeada pela família e pelos olhos de todos, numa casa de revista demasiado transparente. No entanto, atravessa uma crise de confiança como autora, não consegue avançar no guião do seu novo e muito aguardado filme, faz spots publicitários a iogurtes para ser bem paga e não se desafiar muito, acerca-se dos 50 anos lidando com as mudanças no corpo e medindo forças com a competição de mulheres mais jovens pelo marido, que ainda mantém o estatuto e físico de sex symbol e a cara espalhada em cartazes pela cidade. Até que chega Sophie.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Losing Alice” / “Perder Alice” tem uma personalidade muito própria. Daquelas que se nota melhor em obras escritas e realizadas por uma só pessoa, isto é, em que o argumentista é também o realizador (ou vice-versa, como se prefira dizer). Tudo o que é escrito termina exatamente onde a câmara vai começar a falar. A câmara tem o mesmo ritmo e o mesmo tom das palavras. E essa personalidade é muito marcada e poderosamente feminina, cheio de pequenas e grandes coisas, tensões, desejos, receios, subtextos. É, pois, sem surpresa que descobrimos que é escrita e realizada por uma mulher, Sigal Avin.

Começou pelo teatro, foi para a telenovela criar a premiada “Game of Life”, ganhou uma edição israelita do 48 Hour Film Project e chegou às séries com “Irreversible”, escrita a partir da sua própria experiência de ser mãe pela primeira vez e de como isso muda uma relação. A ABC comprou-a e fez uma versão americana em telefilme com David Schwimmer (“Friends”) e Jessica Knappett (“Drifters”). “That’s Harrassment”, antologia de seis curtas-metragens sobre diferentes formas de assédio sexual, também teve versão israelita e logo outra norte-americana, com Cynthia Nixon (“O Sexo e a Cidade”), Michael Kelly (“House of Cards”) e, de novo, Schwimmer. O próximo projecto de Avin, diremos sem grande risco, já não será em Israel.

O que torna tão apelativa “Losing Alice” é, provavelmente, a forma como se movimenta facilmente entre fronteiras. Fronteiras entre géneros, entre temas, até entre sexualidades

O que torna tão apelativa “Losing Alice” é, provavelmente, a forma como se movimenta facilmente entre fronteiras. Fronteiras entre géneros, entre temas, até entre sexualidades. O carácter fluído torna-a, simultaneamente, refrescante e imprevisível: após quase quatro horas de história, mantém-se caminhando na linha, mas ela está suspensa umas dezenas de metros acima do chão. É um arame, o fio da navalha. A protagonista é, realmente, Alice, a notável Ayelet Zurer, 51 anos, que conhecemos entre outros de “Munique”, de Steven Spielberg, “Anjos e Demónios”, de Ron Howard, ou “Homem de Aço”, de Zack Snyder, ou Sophie (Lihi Kornowski, 28 anos), a jovem argumentista e femme fatale (um combo invulgar, admitamos. Não é habitualmente na writer’s room que se costumam encontrar, enfim, as maiores bombas sexuais…), que traz o medo e o desejo. O perigo e a novidade. A ameaça de tirar o tapete à vida perfeita de Alice e, simultaneamente, de a trazer de volta ao jogo, ao risco, aos sítios onde nos voltamos a sentir vivos.

“Losing Alice” é um crossover entre drama familiar e “Atracção Fatal”, que trata com mestria pequenos temas intangíveis dos dias como o equilíbrio entre criatividade e autodestruição, família ou carreira, realização financeira ou artística, os limites da fidelidade ou da traição, os conflitos de egos, beleza e decadência, ciúme, amor próprio e outras zonas cinzentas do nosso descontentamento. A descobrir e confirmar na segunda metade da primeira temporada.

Alexandre Borges é escritor e argumentista

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora