O presente estado de confinamento a que estamos submetidos adequa-se bem ao formato de “Malcolm & Marie”, escrito e realizado em poucos dias por Sam Levinson  para a Netflix durante a quarentena da pandemia. Passa-se todo dentro de uma vistosa casa que os produtores do filme de uma das duas personagens, Malcolm (John David Washington), um jovem realizador negro, alugaram para ele ficar com a namorada, Marie (Zendaya), uma ex-toxicodependente, por ocasião da antestreia  em Los Angeles. Na casa há pão, mas Malcolm e Marie vão ralhar um com o outro ao longo de mais de hora e meia, pensando que ambos têm razão.

[Veja o “trailer” de “Malcolm & Marie”:]

Malcolm está entusiasmado com a reação do público e dos críticos ao seu filme, a história de uma jovem negra que quer ver-se livre do vício da droga. Embora fique fulo com o texto da crítica do “The Los Angeles Times”, que sendo elogiosíssimo, é também servilmente condescendente e politicamente correto por ele ser negro (Malcom rejeita ser estereotipado em realizador “político” e obcecado por temas de “raça” e de “identidade” por causa da cor da sua pele). E o seu arrazoado contra os críticos e a indústria do cinema transforma-o num raivoso aspersor das queixas e do vitríolo de Sam Levinson contra eles, prejudicando Washington, um ator que herdou a entoação, a fibra e a eletricidade do pai Denzel.

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[Veja uma entrevista com os dois atores:]

Malcolm e Marie pegam-se um com o outro porque ela recrimina-lhe o ter usado a sua pessoa e as suas experiências para criar a personagem da fita sem sequer lhe ter agradecido, e não a ter convidado para a interpretar. Ele, por seu lado, atira à cara de Marie não se ter esforçado para conseguir o papel quando lho propôs, e diz-lhe que a personagem não se baseia nela e é um compósito de várias pessoas. O subsequente duelo verbal em montanha-russa emocional, violenta ou friamente ressentido, azedo e recriminatório, para ferir bem fundo de parte a parte, é superficial e “sofrido” até ao cabotino, dando ao filme uma intensa e insistente vibração de psicodrama convencido.

[Veja uma entrevista com o realizador Sam Levinson:]

Rodado num preto e branco “cool” e estilizado, e repleto, de forma muito exibicionista, de tiques, ademanes e sinalética do cinema “indie”, da movimentação da câmara à montagem e à escolha da banda sonora, “Malcolm & Marie” quer evocar formalmente os clássicos de Hollywood que Malcolm tanto admira e cita, e que Marie desconhece em absoluto. Outra evocação feita por Levinson, é a do cinema de batalha campal sentimental, existencial e conjugal de John Cassavetes, de que “Malcolm & Marie, pelo gesto formal e pelo discurso dramático, parece ser um descarado e extenuante “pastiche”. Por isso, se achar que já viu este filme nalgum lado, é porque já viu mesmo. E muito mais bem feito.

“Malcolm & Marie” estreia-se esta sexta-feira, 5 de fevereiro, na Netflix