O líder da UNITA, maior partido da oposição angolana, considerou esta sexta-feira, em Luanda, a retenção de cinco deputados à entrada de Cafunfo como “a confissão clara do massacre praticado” e a ocorrência de “operações de limpeza” na zona.

Adalberto Costa Júnior reagia esta sexta-feira, numa comunicação, à retenção, há dois dias, de cinco deputados da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e uma ativista cívica, na entrada da vila de Cafunfo, município do Cuango, província da Lunda Norte, para onde se deslocaram na sequência de incidentes entre manifestantes e a polícia, que resultou na morte de seis pessoas, cinco feridos, entre os quais dois efetivos das forças de defesa e segurança, e 16 detidos.

Segundo Adalberto Costa Júnior, “uma vez mais, por ordens superiores”, o grupo foi impedido de chegar à vila de Cafunfo, estando neste momento retido pela polícia e sem acesso a abastecimento alimentar e água.

Veículo impedido de entregar mantimentos a deputados da UNITA retidos no Cafunfo

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Com tal atitude, a polícia e as ordens superiores a esta transmitidas encontram-se em flagrante violação às leis e atentam contra o órgão de soberania [Assembleia Nacional] e os pressupostos do Estado democrático de Direito. A retenção dos deputados é a confissão clara do massacre praticado e a ocorrência de operações de limpeza no Cafunfo”, referiu.

Para Adalberto Costa Júnior, tanto a UNITA como as demais forças vivas da sociedade angolana “não devem olhar impávidas e serenas perante degradante tratamento a que as forças de defesa e segurança submetem os representantes do povo, os deputados à Assembleia Nacional”.

Ademais, é de estranhar o silêncio cúmplice da Assembleia Nacional e de demais órgãos do Estado ante tamanha violação dos direitos dos deputados vertidos os Regimento da Assembleia Nacional”, sublinhou.

Citando o Regimento da Assembleia Nacional, na epígrafe “Direito do Deputado”, Adalberto Costa Júnior realçou que o deputado deve manter vínculos de informação e auscultação com o eleitorado.

Já o cartão do deputado, assinado pelo presidente da Assembleia Nacional, prosseguiu o líder da UNITA, refere no seu verso que os deputados não podem ser detidos ou presos sem autorização a conceder pelo parlamento, que os representantes do povo gozam de livre trânsito, entendido como livre circulação em locais públicos de acesso condicional, mediante exibição do cartão de identificação de deputado e que as autoridades a quem for apresentado o cartão devem prestar todo o auxílio solicitado pelo portador.

Ao terminar, o líder da UNITA colocou o partido à disposição do Estado para colaborar patrioticamente na procura de toda a verdade sobre os graves incidentes de Cafunfo, “aliás, uma exigência dos angolanos neste momento”.

A polícia angolana dá conta que cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protetorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região, tentaram invadir, no sábado, uma esquadra policial e em defesa as forças de ordem e segurança atingiram mortalmente seis pessoas.

A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local, que falam em mais de uma dezena de mortos.

UNITA admite vigília de solidariedade

Perante a retenção dos deputados no Cafunfo, a UNITA admitiu avançar para uma “vigília” em sua solidariedade, não afastando a hipótese de se realizar uma greve de fome.

Falando esta sexta-feira em conferência de imprensa sobre a situação dos deputados e ativistas, que se encontram “privados dos seus direitos básicos” à entrada de Cafunfo, Liberty Chiyaka manifestou “repulsa e máxima insatisfação pelas condições em que os deputados estão submetidos.

Não se pode aceitar, não se pode permitir que, em Angola, irmãos procurem tratar assim os seus compatriotas. Atingimos o ponto mais baixo da insensibilidade humana”, afirmou o deputado Chiyaka.

Para Liberty Chiyaka, que lamenta a “postura das forças policiais e do governo angolano” por “não permitirem sequer que familiares de membros da UNITA naquela localidade prestem assistência alimentar”, os deputados “não estão retidos, mas presos”.

Estão efetivamente presos, mas até aos presos é permitida assistência alimentar, mas infelizmente os deputados nem sequer têm direito à alimentação. Esse é o estado da nossa democracia, é o estado da nossa reconciliação nacional, infelizmente Angola está assim”, lamentou.

Esta sexta-feira em declarações à Lusa, a ativista Laura Macedo, que se encontra na caravana retida, contou que no primeiro dia o comandante provincial da polícia autorizou que ela tivesse acesso à Cafunfo, mas, quando tentou passar a pé foi impedida pelo efetivo local.

E não percebo porque é que estou retida, não me dão qualquer explicação. A situação por aqui é precária, dormimos nos carros, estamos a racionar um farnel que trouxemos de Luanda, mas hoje ficamos sem água e não conseguimos receber alimentação por parte dos familiares dos deputados”, disse.

Já o deputado Domingos Oliveira, da UNITA na Lunda Norte, disse que os eleitos e ativistas se encontram em “condições lastimáveis, não têm alimento e nem água e não conseguem receber a alimentação que a família envia, porque a polícia recusa que se efetuem essas entregas”.

O deputado, que diz não encontrar justificação para o que se está a passar, afirmou igualmente à Lusa que a polícia, no local, troca regularmente o seu efetivo e estes “inclusive têm estado a revistar os transeuntes com suspeita de que possam trazer algum bem aos deputados”.

“Mas, apesar disso, vamos permanecer no local, porque queremos cumprir a nossa missão”, garantiu Domingos Oliveira.

Liberty Chiyaka também reiterou, em conferência de imprensa, que os deputados “vão permanecer ali o tempo que o Governo decidir”, observando que a Constituição e a lei são claras: “Os deputados têm o direito de circular inclusive para locais condicionados”.

Por que é que as autoridades policiais, o Governo, o Presidente da República impedem que os deputados cheguem a Cafunfo, alguma coisa está a ser escondida? Alguma coisa de muito grave, para além que foi tornado público, ter-se-á passado em Cafunfo. Só esta razão pode levar o Governo a proibir a entrada dos deputados em Cafunfo”, atirou.

“O que se está a passar em Cafunfo é violação à lei, o que é um crime”, argumentou, lamentando ainda o “silêncio” do presidente do parlamento angolano, Fernando da Piedade Dias dos Santos, que diz ter sido informado sobre a situação dos deputados retidos.

“O ministro do Interior estava equivocado, a deslocação de um deputado pelo interior de Angola não carece de autorização do presidente da Assembleia Nacional, portanto é falacioso este argumento”, afirmou Liberty Chiyaka, quando questionado pelos jornalistas.