O parisiense Centro Pompidou, um dos mais famosos museus de arte moderna e contemporânea do mundo, juntou-se ao projeto cultural Google Arts & Culture para criar uma plataforma online dedicada a Wassily Kandinsky (1866-1944), com recursos tecnológicos que aproximam o grande público do pintor vanguardista russo e permitem um grau de interação e entretenimento que a visita tradicional a um museu dificilmente alcança.

O projeto levou dois anos a ser criado, intitula-se Sounds Like Kandinsky e está oficialmente no ar desde as primeiras horas desta quarta-feira, mantendo-se com a configuração atual até ao fim do ano. É um “produto com tecnologia de ponta para celebrar um dos fundadores da Arte Moderna”, classificou Pierre Caessa, responsável pelo Google Arts & Culture. Numa conferência de imprensa virtual na terça ao início da tarde, Paul Mourey, diretor dos projetos digitais do Pompidou, sublinhou que este projeto “permite novas interpretações” da obra de Kandinsky e constitui uma “missão de serviço público”.

O Centro Pompidou tem a maior coleção de arte moderna e contemporânea da Europa, e a segunda maior do mundo (a seguir à do MoMA, de Nova Iorque). Nela se inclui um impressionante conjunto de mais de 1.200 peças e 200 documentos pessoais de Kandinsky, que estão na base de Sounds Like Kandinsky. Os objetos foram doados ao Centro Pompidou em 1981 por vontade da viúva do pintor, Nina Kandinsky. “Tudo o que estava no estúdio do pintor ficou connosco, o que explica os arquivos de que hoje dispomos, com fotografias, papéis e objetos pessoais”, explicou Angela Lampe.

O pioneiro da arte abstrata nasceu em Moscovo numa família de classe alta, trabalhou como jurista e só em 1896, aos 30 anos, se iniciou na pintura, quando se mudou para Munique. Radicou-se em 1933 em Paris, por influência de Marcel Duchamp, e foi na capital francesa que viveu os últimos anos, apesar das dificuldades em impor o nome e o estilo a uma cena artística dominada pelo surrealismo, o cubismo e Picasso, como se lê na plataforma.

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Kandinsky e Nina, uma das fotos pessoais agora exibidas online

“Digital não existe para substituir experiência perante a obra”

O Google Arts & Culture foi descrito pelo seu diretor, Pierre Caessa, como uma “aplicação imersiva de âmbito cultural” que junta tecnologia e instituições culturais com o objetivo de “permitir o acesso de todos à arte e à cultura através da internet” e de “alcançar novos públicos, sobretudo entre os mais novos”. Está disponível como site, através de um navegador, ou em aplicação propriamente dita para ecrãs com sistemas operativos Google e Apple. Em arquivo guarda mais de seis milhões de objetos artísticos sob a forma de imagens de alta-resolução.

Criado há uma década, o projeto cultural do gigante americano da internet tem associadas duas mil instituições culturais e educativas de 80 países. Vários museus e monumentos portugueses estão ali representados — Museu do Chiado, o Museu Nacional de Arte Contemporânea, Torre de Belém, Museu do Caramulo e Fundação Gulbenkian são apenas alguns exemplos. De resto, o Ministério da Cultura tem vindo a digitalizar desde 2017 milhares de obras do património cultural português em parceria com a Google.

Algumas daquelas páginas consistem apenas em imagens e legendas, outras apresentam segmentos narrativos sobre pinturas e outras ainda permitem alguns minutos de entretenimento com experiências de realidade aumentada ou fotografias do utilizador incorporadas em telas históricas (uma função designada Art Selfie).

“Im Grau (Dans le gris)”, 1919, óleo sobre tela

O que parece ser novo na parceria entre o Pompidou e o Google Arts & Culture é a dimensão do projeto e as possibilidades de interação oferecidas ao utilizador. Em resumo, são três as funções disponíveis:

  • uma exposição retrospetiva que reúne obras, fotografias, paletas, pincéis e outros objetos íntimos que pertenceram a Kandinsky;
  • uma “experiência interativa” intitulada “Play Kandinsky“, que recorre a machine learning para reinterpretar as obras do artista à luz das suas teorias sobre sinestesia, o que atribui sons às cores e às formas escolhidas pelo utilizador;
  • e uma “Galeria de Bolso” que permite a qualquer pessoa com um smartphone ou tablet passear pela exposição através de realidade aumentada.

Angela Lampe, conservadora da coleção de Arte Moderna do museu parisiense, acrescentou se trata de “um convite para que o público depois queira visitar pessoalmente o Centro Pompidou quando este reabrir, o que ainda não se sabe quando acontecerá”, devido às restrições determinadas pela pandemia. A ideia foi reforçada por Paul Mourey, diretor dos projetos digitais do Pompidou, para quem “o digital não existe para substituir a experiência pessoal perante a obra de arte” mas “é a ferramenta imediata para ultrapassar barreiras geográficas e de idade e ir mais além em certos aspetos da experiência presencial”.

A questão da Covid-19, ausente dos discursos na conferência de imprensa, foi levantada pelo Observador, que questionou Pierre Caessa sobre se o Google Arts & Culture, enquanto ferramenta online, está à procura de afirmação neste período de confinamento em que há museus fechados em todo o mundo. “Os temas culturais são cada vez mais apelativos para as pessoas e nos últimos meses os museus têm apostado mais no digital, para manterem o contacto com o público, o que para nós é positivo”, respondeu aquele responsável.