O Palmeiras viajou para o Qatar logo depois de conquistar a Taça Libertadores. Com pouco tempo para pensar, preparar e criar expectativas reais sobre o que poderia trazer do Mundial de Clubes, o clube de São Paulo viu a euforia que ainda pairava no balneário ser interrompida pela derrota com o Tigres, na meia-final, e falhou a final contra o Bayern Munique. De repente, a explosão de alegria causada pela vitória quase épica contra o Santos na final do Maracanã, tornou-se desilusão. Mas Abel Ferreira não queria deixar que a equipa saísse do Qatar sem uma ponta de felicidade.

Esta quinta-feira, o Palmeiras encontrava o Al Ahly do Egipto no jogo de atribuição do terceiro lugar do Mundial de Clubes. O clube egípcio, que chegou à competição por ter conquistado a Liga dos Campeões africana, era o obstáculo que estava entre Abel Ferreira e mais uma página na história do Palmeiras. “Sempre me ensinaram que é melhor ficar à frente do que atrás. Vamos lutar pelo terceiro lugar. Não era o que queríamos mas é pelo que lutamos. Como português, quero sempre ganhar, mas é preciso saber aceitar quando o rival é melhor. Somos um país pequeno, com ambição do tamanho do mundo. Sabemos aprender e seguir em frente. Essa é a minha cultura como português, um país simples mas com força no futebol”, disse o treinador na antevisão da partida, oferecendo depois o exemplo do Liverpool para sublinhar a importância de dar valor ao adversário.

O ‘Todos somos um’ cai quando os Tigres de Abel são só gatinhos durante uma hora: Palmeiras perde e falha final do Mundial de Clubes

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“Uma coisa é o que queremos fazer e outra é o que o adversário nos deixa fazer. Vocês nunca colocam na equação o adversário. Falam que temos que fazer isto, pressionar alto, assumir o controlo… Nunca o adversário. Vou dar o exemplo do Liverpool. O treinador é o mesmo, os jogadores os mesmos, estão há sete jogos sem ganhar. Se fosse no Brasil, o que ia acontecer? O Manchester City começou mal a época, com o mesmo treinador, o mesmo plantel, investimentos brutais, começou mal e está bem. Temos que perceber que não há treinador que não jogue para ganhar. Gostamos de ter a bola, mas há jogos em que o rival proporciona mais transições, o adversário pode ter mais posse e obriga-nos a tentar roubar para sermos verticais. Isso tem a ver com a forma como o adversário ataca. Se tenho um adversário que pressiona muito, o nosso jogo será um pouco mais nervoso. Mas há outros que esperam mais, não fazem tanta pressão, então temos tempo para trocar a bola. A estratégia deles é esperar e contra-atacar. Vocês têm que colocar na equação o adversário, onde está o mérito deles e o demérito do Palmeiras”, disse Abel, numa quase masterclass de futebol aos jornalistas.

Ainda assim, existia quem achasse que a derrota do Palmeiras na meia-final com o Tigres, graças a um golo solitário de Gignac de grande penalidade, pode ter sido uma boa notícia para a equipa de São Paulo. Rivaldo, antigo internacional brasileiro, antigo jogador do Barcelona e do AC Milan mas também do Palmeiras, defendeu que “talvez tenha sido melhor” para o clube ter perdido com os mexicanos. “Era preciso que a equipa do Abel Ferreira mudasse a postura dentro de campo no jogo com o Tigres mas isso não aconteceu. E talvez tenha sido melhor perder já nas meias-finais, porque se a equipa não está a conseguir subir os níveis exibicionais, correria o risco de sofrer uma derrota pesada contra o Bayern na final e acabaria a ser alvo de chacota dos rivais”, explicou Rivaldo.

“Já se fala em possíveis reforços para o Palmeiras e eu considero que a maior necessidade no momento é contratar um jogador que possa trazer algo de imprevisível no ataque e que possa desequilibrar. A equipa parece unida e bem entrosada mas sinto que um jogador capaz de confundir os adversários daria aquilo de que precisam no momento”, terminou o antigo internacional brasileiro. Certo é que, independentemente disso, o Palmeiras podia sair do Qatar com um digno terceiro lugar no Mundial de Clubes e regressar ao Brasil ainda conquistar três troféus até ao fim da temporada: a Taça do Brasil, contra o Grémio (28 de fevereiro e 3 de março); se vencer esse título, a Supertaça brasileira, contra o futuro campeão brasileiro (11 de abril); a Supercopa Sul-Americana, contra os argentinos do Defensa Y Justicia que ganharam a Recopa Sul-Americana (14 de abril).

O Al Ahly estava desprovido de dois avançados, Mahmoud Kahraba e Hussein El-Shahat, ambos titulares contra o Bayern: depois desse jogo, ambos foram vistos na bancada a cumprimentar Mohamed Aboutrika, ídolo do clube e da seleção egípcia, e acabaram afastados da partida por terem quebrado o rígido protocolo da competição contra a Covid-19. Do lado do Palmeiras, Abel fazia algumas alterações face à equipa que perdeu com o Tigres — saíam Marcos Rocha, Danilo, Gabriel Menino e Zé Rafael, entravam Mayke, Felipe Melo, Patrick de Paula e Willian.

Numa primeira parte que terminou sem golos, foi preciso esperar quase até à meia-hora para ver uma verdadeira ocasião de golo, com uma perda de bola de Felipe Melo a deixar o Al Ahly à beira de inaugurar o marcador (26′). Roni respondeu do outro lado com um remate ao lado na sequência de um alívio depois de um canto (32′) e os egípcios voltaram a ficar muito perto de marcar logo de seguida, num lance em que Madgy atirou às malhas laterais (38′). Já perto do intervalo, Roni teve outra oportunidade, ao cabecear depois de um cruzamento de Viña para uma grande intervenção de El-Shenawy (40′), e Luiz Adriano também ficou perto de colocar o Palmeiras a ganhar, também de cabeça e também para uma boa defesa do guarda-redes do Al Ahly (41′). Apesar de uma maior presença dos brasileiros no último terço adversário na fase final da primeira parte, a verdade é que foram os egípcios a controlar grande parte das ocorrências, com mais bola e maior dinamismo, enquanto que a equipa de Abel Ferreira não conseguia acelerar processos nem ligar setores.

A segunda parte não trouxe grandes alterações à dinâmica da partida e o Al Ahly foi o primeiro a mexer, logo com uma dupla alteração à passagem da hora de jogo, ao trocar Bwalya e Magdy por Ajayi e Sherif — ou seja, um avançado por outro avançado e um médio por outro médio. O Palmeiras continuava a demonstrar muita dificuldade em atacar e sair do próprio meio-campo com a bola controlada e os egípcios, sempre mais intensos e pressionantes, continuavam globalmente melhores. O Al Ahly acabou por colocar a bola dentro da baliza a pouco mais de 20 minutos do fim, com Ajayi a aproveitar uma defesa de Weverton para frente para rematar e marcar, mas o lance foi anulado por fora de jogo do avançado nigeriano (67′).

A cerca de 15 minutos do fim do tempo regulamentar, Abel Ferreira continuava sem mexer e o Al Ahly fez mais duas substituições, com Mohsen e Aliou Dieng a entrarem para os lugares de Mohamed e Tawfik. A melhor oportunidade do Palmeiras em toda a segunda parte apareceu por intermédio de Patrick de Paula, que rematou ao lado já dentro da grande área (80′), e antecipou a tripla alteração que o treinador português acabou por fazer: entraram Gustavo Scarpa, Danilo e Gabriel Menino, saíram Raphael Veiga, Willian e De Paula. Ainda assim, a partida acabou por chegar ao fim do tempo regulamentar sem golos, arrastando a decisão para as grandes penalidades.

Nos penáltis, Banoun, Hany e Ajayi marcaram para o Al Ahly, Scarpa e Goméz marcaram para o Palmeiras, El Solia e Mohsen falharam para os egípcios e Roni, Luiz Adriano e Felipe Melo falharam para os brasileiros. Melo, o capitão do Palmeiras, acabou por falhar o quinto penálti, garantindo a vitória do Al Ahly (3-2) e o estatuto de herói do guarda-redes El-Shenawy. O clube de São Paulo fica no quarto lugar do Mundial de Clubes, com os egípcios a ficarem com a medalha de bronze da competição, e Abel Ferreira deixa o Qatar sem conquistar o objetivo mínimo a que se tinha proposto.

“Foi um jogo equilibrado. Qualquer equipa podia marcar. Nos penáltis, foi a competência de quem defende contra a competência de quem ataca. O que eu levo deste Mundial é um orgulho tremendo nesta equipa. Cheguei para substituir um treinador e existiam muitas dúvidas. Tivemos a oportunidade de estar no meio dos quatro melhores do mundo. Nos quatro melhores, fomos o quarto. Temos de aceitar e seguir em frente. Nos penáltis, acredito muito na competência de quem está a marcar mas o nosso adversário foi melhor”, disse o treinador português depois do jogo.