O diretor de medicina intensiva do Hospital de São João defendeu esta sexta-feira que a criação da “task force” dedicada aos doentes não Covid-19 que constava do plano lançado em setembro pela tutela não pode continuar “engolida” pela pandemia.

Há que começar a pensar no ‘day after’ [pós-pandemia] porque há que rapidamente recuperar um número de atividades programadas do doente não Covid-19 que estão reduzidas”, defendeu o médico que dirige o serviço de medicina intensiva do Centro Hospitalar e Universitário de São João (CHUSJ), no Porto.

Numa entrevista à agência Lusa, na qual recomendou a manutenção do confinamento até 21 de março e defendeu uma política de testagem ao novo coronavírus “muito mais alargada”, José Artur Paiva sublinhou que o compromisso do país é com as duas áreas, Covid e não Covid, e que “nenhuma pode ter um favorecimento em oposição à outra”.

O famoso plano outono/inverno do Estado saiu no final de setembro, mas algumas ideias não estão cumpridas. Uma delas é a criação da tal ‘task force’ focada nos cuidados não covid-19. Creio que era muito importante fazer renascer essa equipa. É tempo de recuperar ideias que foram engolidas pelo tempo e pela evolução da pandemia”, defendeu.

A este propósito, o também presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos deixou uma sugestão à tutela.

“A Direção-Geral de Saúde tem uma série de programas prioritários sobre os grandes problemas de saúde nacional [diabetes, saúde mental, VIH, obesidade, nutrição, oncologia, entre outros]. Aí está um grupo de pessoas onde há massa crítica suficiente para pensarem o momento de revitalização, de renascimento e de recuperação do lado não Covid”, afirmou.

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O médico do CHUSJ comentava este tema depois de questionado sobre se considera urgente que se criem mecanismos e incentivos dedicados aos profissionais de saúde também para preparar o pós-pandemia, tendo admitido que “quem esteve e está em maior sobrecarga assistencial pode necessitar de algum alívio”.

O especialista entende que é preciso “evitar o que se está a verificar há um ano, que é todo um corpo clínico só a fazer assistência clínica deixando tudo o resto mais ou menos parado”, e defendeu um “robustecimento dos recursos humanos de forma a permitir outras tarefas”, como as atividades educacionais, investigação, gestão e organizativa.

Diretor de um serviço que regista uma taxa de ocupação Covid-19 de 85%, Artur Paiva também analisou a situação nacional, apontando para a “redução progressiva” dos indicadores de procura na zona Norte, enquanto Lisboa e Vale do Tejo regista “redução de novos casos [de infeção pelo vírus SARS-CoV-2], mas na medicina intensiva ainda está em planalto”.

“Não atingimos a rutura nesta fase [final de janeiro e início de fevereiro, semanas em que o país registou recordes diários de mortes e novos infetados] graças à notável elasticidade do sistema e à transferência inter-regional de doentes”, analisou o especialista, admitindo que encara a ideia de transferir doentes para fora do país como o “último dos últimos recursos”.

“A nossa mensagem sempre foi a de que o sistema tinha ainda a extraordinária capacidade de criar mais soluções seja pela expansão de camas, seja pelas sinergias [transferências]. Isso era claramente, do ponto de vista humano, muito melhor do que qualquer transferência de doentes para o estrangeiro”, defendeu.

Mas José Artur Paiva separa esta convicção da opinião que tem sobre a vinda de uma equipa de clínicos alemães para Portugal: “Vieram ajudar o que é sempre bem-vindo e devemos agradecer. Isso para os doentes e para as famílias não implica nenhuma disrupção de transferência para outro país”, concluiu.

A pandemia de Covid-19 provocou, pelo menos, 2.355.410 mortos no mundo, resultantes de mais de 107,3 milhões de casos de infeção, enquanto em Portugal morreram 14.885 pessoas dos 778.369 casos de infeção confirmados. O Hospital de São João registava, de acordo com dados de quinta-feira, 120 internados com o novo coronavírus, dos quais 53 em cuidados intensivos. A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

Ordem dos Médicos quer “rapidamente” ‘task force’ para doentes não Covid