Depois de ter passado pelo cinema, quando ainda podíamos ir ao cinema, está agora disponível na plataforma de streaming Filmin a coleção “Je ne Sais Pas Quoi Faire”, composta por 16 filmes clássicos de 10 realizadores franceses, de Sacha Guitry a Jean-Pierre Melville, passando por Jean Renoir ou Georges Franju, entre outros, rodados entre 1936 e 1960. Apresentadas em versões digitais restauradas e com legendas em português, estas fitas marcaram o cinema francês no tempo em que foram feitas e, de alguma forma, anteciparam, influenciaram ou apaixonaram a geração dos cineastas da  Nova Vaga. Cada filme pode ser visto por 2,95 euros. Eis seis dos nossos favoritos, de entre os 16 disponíveis.

“O Meu Pai Tinha Razão”

De Sacha Guitry (1936)

“As mulheres são feitas para se casarem e os homens para ficarem solteiros, e o problema é exatamente esse.” A rutilante – e hoje politicamente incorretíssima — espirituosidade de Sacha Guitry manifesta-se nesta frase que é como que a súmula do enredo deste filme que o dramaturgo, realizador e ator adaptou da sua peça homónima. Guitry desempenha também um dos papéis principais, o de um homem enganado pela mulher, que transmite ao filho a sua desconfiança em relação ao sexo feminino, para o proteger de desgostos futuros. Diálogos inspirados, réplicas cintilantes, interpretações impecáveis e um retrato afetuosamente cómico da devoção entre pai e filho.

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“A Mulher do Padeiro”

De Marcel Pagnol (1938)

Uma das expressões máximas do cinema regionalista de Marcel Pagnol, espelho fiel da vida quotidiana, dos hábitos e das gentes do Sul de França, “A Mulher do Padeiro” é baseado num episódio de um livro de Jean Giono e passa-se numa vilazinha do Midi, cujo novo padeiro, após a sua voluptuosa mulher fugir com um pastor, deixa de fazer pão. Em desespero, os outros habitantes acabam por organizar um grupo para a procurar. Pitoresco sem ser caricatural, genuíno e humaníssimo, o filme é interpretado por alguns dos melhores e mais característicos atores franceses da época: Raimu, Ginette Leclerc, Fernand Charpin ou Robert Vattier.

“O Último Golpe”

De Jacques Becker (1954)

Esta adaptação por Jacques Becker do livro de Albert Simonin “Touchez Pas ao Grisbi” é uma das mais consumadas ilustrações da época de ouro do “polar”, o filme policial francês. O imenso Jean Gabin interpreta Max, um “gangster” veterano que se quer reformar após uma última e valiosa golpada, mas é impedido quando um rival rapta o seu amigo e cúmplice para deitar a mão ao magote. “O Último Golpe” é menos uma história de ação do que um filme sobre o significado da velhice, da amizade e da traição no “milieu” do crime, e o domínio quase trágico que este exerce sobre quem se movimenta nele. Além de Gabin, a distribuição inclui René Dary, Lino Ventura no vilão, Dora Doll e uma jovem Jeanne Moreau.

“Franch Can-Can”

De Jean Renoir (1955)

Jean Gabin de novo, agora pela mão de Jean Renoir, personifica aqui Henri Danglard, o dono de um café falido na Paris de finais do século XIX, onde dança a sua amante, e que transforma Nini (Françoise Arnoul), uma anónima lavadeira na maior estrela de Can-Can do recém-construído Moulin Rouge. François Truffaut chamou “um marco da cor na história do cinema” a esta muiticolorida e vertiginosa evocação da Belle Époque, de Montmartre, da pintura impressionista e da Paris popular, mundana e das artes e do espectáculo desse tempo. Maria Félix e Dora Doll também constam do elenco, aparecendo ainda nomes como Edith Piaf ou Patachou, interpretando artistas de então.

“Dois Homens em Manhattan”

De Jean-Pierre Melville (1959)

O “noir” francês encontra o policial americano neste filme rodado em Nova Iorque, em que além de escrever o argumento e realizar, Jean-Pierre Melville também interpreta um dos dois papéis principais. Ele é Moreau, um jornalista, que juntamente com um fotógrafo que lhe dá forte na bebida (Pierre Grasset), andam à procura de um delegado francês na ONU que desapareceu misteriosamente — e encontram-no morto na cama de uma das suas amantes. Melville mergulha na noite novaiorquina e nos seus recantos, mostrando-a com uma dureza realista como pouco filmes americanos da época o fizeram, ao som de uma banda sonora “jazzy”.

“O Testamento de Orfeu”

De Jean Cocteau (1960)

Jean Marais e Charles Aznavour, Pablo Picasso e Yul Brynner, Brigitte Bardot e Serge Lifar, Françoise Sagan e Jean-Pierre Léaud, Maria Casarès e Roger Vadim, em papéis principais ou rápidas aparições, cruzam-se neste filme onírico-autobiográfico de Jean Cocteau, o seu último antes de morrer, dois anos mais tarde. Cocteau interpreta-se a si mesmo, e também a Orfeu, viajando pelo espaço e pelo tempo, morrendo alvejado por uma bala que se desloca mais depressa do que a luz e ressuscitando a seguir, e reencontrando as personagens de um filme anterior, “Orfeu” (1950), entre outras peripécias fantásticas. Um legado artístico e literário transmitido sob a forma de um sonho poético sonhado acordado, e plasmado em cinema.