Destroços de uma embarcação, possivelmente um navio holandês do século XVII, foram encontrados na sexta-feira na lagoa de Melides, em Grândola, e recolhidos para análise e identificação, revelou a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).

De acordo com a DGPC, as fortes chuvadas ocorridas no início deste mês de fevereiro deixaram expostos, “durante um breve período”, os destroços de uma embarcação que se suspeita ser o Schoonhoven, um navio holandês que, “segundo registos históricos, naufragou ao largo de Melides a 23 de janeiro de 1626”. No local, foi feito um registo tridimensional do destroço e colhida “uma amostra duma tábua de forro exterior da embarcação”, que será estudada para validar a hipótese.

A investigação incluirá uma análise aos anéis de crescimento da madeira (dendrocronologia) dos destroços encontrados, o que permitirá saber “a data de abate da árvore que deu origem à tábua, a sua espécie, ou ainda o tipo de clima onde cresceu”.

O achado arqueológico, “só visível durante a maré-baixa”, “foi reenterrado pelas dinâmicas do estuário prestes também a desaparecer quando a Lagoa fechar de novo”, refere a DGPC em comunicado. Segundo a DGPC, outros destroços, possivelmente do mesmo navio, já tinham sido antes identificados por mergulhadores na lagoa de Melides, mas “o fenómeno natural motivado pelas fortes chuvadas durante a primeira metade de fevereiro expôs durante um breve período de tempo o destroço ora identificado”.

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Segundo a DGPC, os trabalhos no local foram feitos “de emergência” pela equipa do projeto “Um Mergulho na História”, especializado em “deteção, escavação e divulgação de naufrágios históricos”. “A monitorização e avaliação” foram asseguradas por uma equipa do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS), em conjunto com a Direção Regional de Cultura do Alentejo e a Câmara Municipal de Grândola.

Na operação estiveram ainda envolvidas a Administração da Região Hidrográfica do Alentejo, a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Capitania do Porto de Sines e a Autoridade Marítima Nacional.

Fonte: Direção-Geral do Património Cultural (DGPC)

Navio da Companhia Holandesa das Índias Orientais naufragou em Portugal durante a terceira viagem à Ásia

A investigação história realizada no âmbito do “Um Mergulho na História” permitiu identificar documentação no Arquivo Histórico Ultramarino e nos Arquivos Holandeses que regista a partida do Schoonhoven, o seu naufrágio em Melides e as “diligências desenvolvidas por instituições locais no sentido de arrecadar os salvados arrojados à costa”.

Segundo estes documentos, o navio partiu da ilha de Texel, nos Países Baixos, a 20 de dezembro de 1625. O navio, um jacht de 400 toneladas construído em 1619 pertencia à Verenigde Oost-Indische Compagnie (Companhia Holandesa das Índias Orientais), realizava a terceira viagem em direção à Ásia. O percurso foi interrompido no início de 1626 “pelo seu naufrágio na costa de Portugal”. Segundo a DGPC, “o navio terá sido arrojado contra a costa, ou tentado abrigar-se em Melides numa última manobra desesperada”.

O naufrágio, provocado pelo mau tempo, foi descrito por Agostinho Dias, “que assistia  em Melides à fábrica das madeiras de pinho para as naus da Índia”, em carta ao Vedor da Fazenda. O homem deu conta na mesma missiva da morte da maior parte da tripulação que levava e notou ainda que na nau se “levavam onze âncoras e que eram muito boas para naus suas que lá estavam e para tiros e dezasseis peças [de artilharia], duas de corso e as mais de defesa”.

A mesma informação é atestada num outro documento, uma carta de 27 de janeiro de 1626 do Juiz de Fora de Setúbal. “Na costa de Melides, [na altura do] termo de Santiago de Cacém, deu à costa uma nau que dizem ser da Holanda e segundo parece pelo que tem saído em terra devia ir carregada de mantimentos por se achar muita carne na costa desta vila e na de Tróia e Melides; me dizem haver saído pipas de vinho e outras coisas de que não tenho bastante notícia por ser o tempo ser muito tempestuoso”, escreveu o responsável na missiva enviada para Lisboa.

“Estes dados serão fundamentais para afirmar com maior certeza se este destroço pertencia ao malogrado Schoonhoven que terá tentado provavelmente abrigar-se em Melides numa última manobra desesperada. De facto, informação histórica disponível, incluindo estampas publicadas em obras desta época, mostram que existia um estuário onde hoje se localiza a Lagoa, sendo pois possível a navios de porte considerável fundearem junto à Vila de Melides”, referiu a DGPC, lembrando que “de tal dá conta a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, como cantada por Fausto Bordalo Dias”. Diz a passagem:

“Sonhei muitos, muitos anos por esta hora chegada
De Lisboa para a Índia vou agora de abalada
Mas em frente de Sesimbra, logo um corsário francês
Nos atirou para Melides com o barco feito em três
E por Deus e por el rei, que grande volta que eu dei”.

Artigo atualizado às 16h02 com o comunicado divulgado a 15/2/2020 pela DGPC