Bill Gates antevê que “neste próximo verão as coisas vão voltar ao normal” e que, no próximo ano, “países como Espanha ou Estados Unidos terão recuperado quase completamente e grandes eventos públicos poderão ser realizados”. Em entrevista ao El País, o fundador da Microsoft considera que as populações terão “superado amplamente os efeitos mais dramáticos da pandemia” daqui a um ano, “embora o vírus possa continuar a circular nalgumas partes do mundo”.

Falta, no entanto, saber se os países vão conseguir “reduzir o número [de infecções] a zero, ou se se vai tornar numa doença endémica”, em que as autoridades de saúde terão de “continuar a vacinar a um nível mais ou menos alto de forma continuada”.

E é aqui que entram as novas variantes. “Podemos precisar de alterar vacinas para obter maior eficácia”, nota Bill Gates, que já recebeu a primeira dose da Moderna, na Califórnia. Ainda assim, está confiante nas duas primeiras vacinas que foram aprovadas na UE. “As vacinas que temos, como a da Pfizer e a da Moderna, são tão poderosas que os seus efeitos são muito eficazes. Ainda não temos a certeza se elas precisam ser alteradas, mas estamos a investigar para garantir isso”, afirma. “Levaríamos cerca de três meses para executar os testes de segurança e fabricá-los”.

O antigo líder da Microsoft, que, através da Fundação Gates, investiu 1,75 mil milhões de dólares (1,44 mil milhões de euros) em investigação relacionada com a Covid, lembra, no entanto, que a produção das vacinas da Pfizer e da Moderna, baseadas em RNA mensageiro [mRNA], é “muito cara” e que “fabricá-las em grandes quantidades é mais difícil”. Será preciso esperar algum tempo para que a tecnologia usada na produção destas vacinas possa resolver, por si só, pandemias a esta escala. “Com maior investimento em investigação e desenvolvimento nos próximos cinco anos”, poderão ser resolvidos “todos os problemas colocados pelo mRNA”, acredita Bill Gates.

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Já em relação às vacinas da AstraZeneca — a terceira aprovada na UE —, da Johnson & Johnson e da Novavax, a produção tem um custo mais acessível e a Fundação Gates está a fazer “alianças com laboratórios e várias empresas na Índia para produzi-los em grandes fábricas” do país. “A maioria das pessoas não sabe que as empresas indianas de vacinas são cinco vezes maiores do que as ocidentais, porque é daí que vêm basicamente todas as vacinas que vão para os países em desenvolvimento”.

O filantropo quer “aproveitar esse potencial e reduzir o tempo de imunização entre os países ocidentais e em desenvolvimento”, porque, neste momento, “a diferença é enorme”. “Os países ocidentais têm muito mais doses do que os países de rendimento médio, como o Brasil ou a África do Sul, onde, apesar de sofrerem mais com a devastação da pandemia, as vacinas chegam mais lentamente”, aponta Gates.

O antigo líder da Microsoft defende ainda que o esforço global para partilhar informação sobre a doença “é de vital importância, porque é uma luta entre a humanidade e o vírus — e nenhum país se pode isolar”.

“Nem tudo tem funcionado bem”, reconhece. “Mas aprendemos muitas coisas que nos permitirão estar mais preparados para a próxima pandemia — que, se bem gerida, não chegará a 10% das mortes”, acredita ainda. “E os danos económicos serão menores do que aqueles que estamos a sofrer agora”.

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“É uma pena que os alertas tenham sido ignorados”, lamenta Bill Gates, que, em 2015, numa palestra das TED Talks que se tornou viral logo em março, alertou que o mundo não estava preparado para uma pandemia. “Acho que é por isso que agora os cidadãos esperam que os governos trabalhem lado a lado com especialistas e ouçam os seus conselhos para que possam estar mais preparados no futuro”.

Apesar das preocupações com a Covid-19, Bill Gates não esquece outra das grandes ameaças à Humanidade — as alterações climáticas. E, na opinião do milionário, essa será uma tarefa ainda mais árdua e com piores resultados. “As alterações climáticas são mais difíceis de resolver do que uma pandemia, mas, se não o fizermos, os efeitos negativos serão muito piores”, considera.

O fundador da Bill & Melinda Gates Foundation diz ter criado “grupos de trabalho com a Europa e com Espanha para encontrar soluções”, no âmbito do plano de recuperação da União Europeia, que vai dedicar cerca de um terço dos fundos a este problema.

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Já em relação aos Estados Unidos, “graças à eleição de Biden”, haverá “um período muito mais promissor para o clima” — depois de terem passado os problemas causados pela Covid-19. “Vamos demorar alguns anos para sair do buraco em que nos encontramos por causa da pandemia”.

No futuro, Bill Gates prevê que as emissões de carbono venham a ser causadas sobretudo por “serviços básicos de muitos países em desenvolvimento: do ar condicionado, da construção, de ter eletricidade”.

E esta última parte — da luz — é, para o antigo líder da Microsoft, uma questão menor. “Fala-se muito em reduzir o consumo de eletricidade, mas essa não é a forma certa de reduzir as emissões a zero.